Blog de Lêda Rezende

Outubro 16 2009

 

É passional. Muito passional.

 

Sempre agiu assim. Já o conheci assim. Com o vermelho da emoção sobrecarregada – colorindo o rosto de linhas bem marcadas. Belo. Contrastando com o grisalho dos cabelos e o esverdeado do olhar. Um colorido explícito. Denunciava a alma – sem texto. Incrível. Foi a primeira palavra que me veio à mente.

 

Algumas vezes até o senso de justiça ficava um pouco de lado. Mas era atento. A injustiça lhe feria até a alma. Tentava sempre uma parceria. O passional com o racional. Nem sempre conseguia. Mas nunca desistia. E com o passar dos anos – foi ficando cada vez mais atento.

 

Tem um dom. Especial – como todo dom. Tem uma sensibilidade ímpar. Enxerga além do previsto. Ou até do malvisto. Mas só se expõe quando quer. Quando não – comporta-se como um trabalhador braçal. Enche-se de tarefas e silêncios. E age como se nada importasse. Assim se ampara. Assim se enfrenta.

 

Divide um estilo entre a timidez e a ousadia. Não sem alguma dificuldade na dosagem certa. A balança pode pender para um lado mais afoito. Ou menos objetivo. E – muitas vezes – o resultado foi negativo. Errou talvez mais do que acertou. Ou o contrário. Nunca se sabe mensurar com a certeza. Venceu grandes batalhas. Perdeu boas oportunidades. O tempo é autoritário.

 

Descobriu também depois. Mas aprendeu a conviver com o que não pode ser resgatado.

 

Este é mais um dos seus traços. Acata. Não se rebela se a luta é desleal. Lutar contra o Tempo – já se entra perdendo. Lutar contra as perdas – impede as novas conquistas. Nisso é um sábio. Nada de ficar correndo atrás de prejuízos. A vida caminha para frente.

 

Expõe a alegria pessoal com recato. Impõe solidão nos momentos de grande tristeza. Sobreviveu a dores e amores. Aos possíveis erros de avaliação. Às possíveis punições da credulidade da juventude. Agora – bem mais cuidadoso – se preserva. Melhor um pouco de charme bem dosado do que o coração aberto por inteiro.

 

Não perdeu um mínimo que fosse da característica sedutora. Ou da sensualidade. Sedução e sensualidade. Para ele – forças vitais.

 

Tem um olhar curioso sobre o Universo de uma forma geral. E um olhar disfarçado sobre as belas particularidades do mundo. Divide o que sente – com quem sabe escutar. Cala-se diante do desatento. Ou do seletivo. Não quer ser apenas instrutor. Quer mais. Quer talvez ser provocador. Provocar projetos. Provocar futuros.  

 

Tem ternura na alma. O desconforto do outro lhe causa dor. Enfim. É suave e forte. Como um poeta. Como um músico. Muito mais lhe importa a sonoridade das palavras. O brilho das cores. Ou o simbólico dos detalhes.

 

Aprendeu que nem tudo que é belo é real. E nem tudo que é triste é sofrimento.

 

E assim vai seguindo o caminho. Perseguindo os objetivos. Contornando as imperícias. Regozijando-se com as conquistas.

 

Foi o que pensei ao vê-lo hoje. Decidido. Já foi logo avisando. Desde cedo.

 

Não importa o Tempo. Muito menos a temperatura. Não importa se aquece. Não importa se esfria. Vou relaxar diante das águas. Vou ficar diante do vento. Vou buscar o equilíbrio. É só o que permite que se fique numa vertical. Assim. Entre o vento e a água. Vou dominar com os braços. Vou firmar com os pés.  Vou vencer sem contradizer. Vou entender a favor – estando contra. Ou vice-versa. Tanto faz. Vou aprender a ser. Muito mais do que a estar.

 

No começo pode-se cair. Músculos e pensamentos nem sempre andam de mãos dadas. Podem até se desentender. Mas assim é em qualquer aprendizado. Para cada código há uma leitura específica.

 

Por um segundo ainda olhou para trás. Ainda pensou em voltar. Mas este também não era o estilo dele. Uma vez diante de uma criação – seguia. Confirmava.

 

Quando uma ideia chegava de súbito – respeitava.

 

E esta viera assim. De repente. Num amanhecer cansado. Ou por um dormir angustiado. Vai lá saber. Mas viera. Isso o que importa. Iria sim. Buscaria os meios. Transformaria ideias em atitudes. Este outro dos seus traços.

 

E de traço em traço – como que deliberadamente – vai se compondo. Refinando a sinfonia interior. Tentando desenhar seu próprio destino. Cuidadoso. Como se utilizasse um pincel com um único pelinho. Pintando com delicadeza e sutileza. Mas com firmeza - e vontade própria - no risco.

Sempre fiel e leal – consigo mesmo. Com o vermelho no rosto. Ocasionalmente.

 

Inegável e proporcional. Além do sentimento afetuoso - o admiro tanto quanto o invejo.

 


Setembro 26 2009

 

Fiquei pensando de que ângulo se vê melhor.

 

Ângulo é sempre da ordem da intenção. Muito mais que da extensão.

O dia tinha sido especial desde o começo.

 

Começou com um susto. Vi a luz do dia clara. Invasiva. Definindo o espaço. Sem constrangimentos. Ou meias sombras. Assim. Explicita. E eu com os olhos esbugalhados. Boca aberta. Raciocínio arrancado às pressas. Do onírico ao real em tempo recorde.

 

Esqueci de ligar o despertador.

 

Como farei agora. Assim. Perguntava a mim mesma. Aflita. E não conseguia me responder. Só fiquei ali. Apavorada – diria. Agenda lotada. E essa agora. Perdi a hora.

 

Quase perdi mesmo foi o equilíbrio. Mental. Mas tão rápido quanto - quase – perdi, recuperei.

 

Era um sábado. Um sábado. O tal sonhado sábado chegara – e eu duvidava.

 

Vai lá saber por que. Confundi os dias. Ou fiquei presa na véspera. Prisioneira do despertar anterior. Nem conseguia festejá-lo. Fiquei ali catatônica. Assustada. Querendo descer escada abaixo. E diante de um dia de folga. Da tão sonhada folga. Cinco dias a esperar este dia chegar. E este desatino. Incrível.

 

Ainda bem que as pernas foram mais sábias. Vai ver entendem melhor de calendário do que se imagina. Ou não se aceitam submissas com facilidade. Ou – melhor ainda - não saem por ai a correr desatinadas. Aceitando qualquer ordem. Primeiro aguardam. Para depois agir.

 

Algum dia - escreverei sobre isso. A apologia das pernas decididas. Mas enfim. De onde estavam – não saíram. Não se moveram. Continuaram na cama. Bem esticadinhas. Aguardando a consciência tomar um rumo adequado.

 

Deixei passar o susto. E iniciei a rotina da folga.

 

Não sem uma decisão. Já que eu desautorizei o sábado – melhor deixar que ele me autorize. E deixei o dia se organizar. Por conta própria. Lembrei do poetinha. Ele sim. Entendia de sábado como ninguém. Saravá.

 

Foi uma surpresa atrás da outra.

 

Então é assim. Nem sempre sabemos. Ou impomos. As horas podem também fazer isso por nós. Este sim. Um susto agradável

 

O lugar ele escolheu. Uma surpresa. Desceu e avisou. Convidou. Vamos até lá. Um lugar ao ar livre. Um espaço aberto. Vamos sim.

 

Lindo. Nunca antes havia estado ali. A água doce e calma. A luz mais calma ainda - se espalhava pelo espelho d´água. Era um dia de delicado sol de inverno.  A mata em volta esbanjava contraste.  Garças brincavam nas bordas. Desimpedidas de compromissos. Ágeis em sua proposta.  Bicando felizes - o almoço interminável.  

 

As mesas ficavam dispostas próximas da borda.

 

Veleiros cruzavam solenes. Motores ocasionais passavam e cortavam a água. Com barulho. Placas convidavam a passeios. Uma revoada de pássaros proprietários expunha a autoridade. Uma pontezinha de madeira avançava água adentro. Oferecia e gemia a cada passada. Mas avançava com confiança.

 

Mais uma surpresa apontava saudades. A música. Falava da tarde naquela praia. Tão longe. Mas que- de repente - pareceu tão perto. Não resisti. Entrei no pequeno restaurante e aplaudi o cantor. Sorridente – agradeceu.

 

Ficamos horas caminhando diante da água doce. Impregnados do cheiro doce da água. Invadindo a pontezinha gemente. 

 

Sentamos. Observadores cuidadosos do tempo - a seguir seu ritmo.

 

Ali. Com nossas pernas – mais uma vez – esticadinhas. Só que desta vez – ao menos as minhas - confortáveis. Em acordo com o pensar.

 

A tarde foi caindo. As garças caminhando lentas para fora da água. As luzes se acendendo. Um ventinho mais frio marcava a estação. E avisava da hora.

 

Quando saímos – olhei para trás.

 

Foi aí que fiquei pensando no tal ângulo. Em todos os possíveis ângulos. Para se conviver com os dias. Com as noites. Com os erros. Com os acertos. Com os sustos. Como se fosse sempre assim. Donos disfarçados do próprio destino.

 

Comentei com ele. Adorei. Sequenciei - obrigada. Cada vez que me perguntar onde quero ir – direi aqui. Ele riu.

 

A urbanidade também tem seus misteriosos ângulos. E as suas – doces – surpresas.

 

Pensei. A Vida sabe privilegiar os dias. Sorri. Feliz.

 

 


Abril 14 2009

Morava de frente para o mar. Via o mar de todos os ângulos. Acompanhava as cores. A força. O brilho. Durante muitos anos justificou assim o seu estilo.

 

Alegava que nascera de frente para o mar. Isso a fazia se sentir privilegiada.

 

E desculpada. Porque deveria ter contribuído. Afinal maré muda a cada turno. E ela mudava quase assim. Nesta frequência. Justificava. Todos sempre riram da explicação. Mas nunca discordaram. Vai lá saber o que a geografia é capaz de fazer. Com a vida de uma pessoa.

 

E acrescentava. Com total tranqüilidade. Se tivesse nascido de frente para o lago teria sido diferente. Seria calma. Serena. Teria conduta expectante.

Como diziam onde trabalhava. Conduta expectante. Achava lindo. Sabia que não combinava com ela. Mas achava lindo. Suave. Esse tipo de fato. Ou de ato. Deve ser diferente quem nasce de frente para um lago. Sempre parado. Até que alguém ali jogasse uma pedrinha Dependia da pedrinha. E do outro. Que jogasse. Um lago tem margem. Tem limite de movimento. Não faltava filosofia. Ou explicação geográfica.  

 

Mas nem tudo na vida é lembrança. Geografia. Ou filosofia. A memória fica de espreita. Lá um dia se revela. E desvela. Descobriu isso. E ficou pasma.

 

Passou um dia de turismo com um amigo. Um amigo querido que viera de longe. Tinham apenas este dia juntos. Algo como uma escala. Ele aproveitou para revê-la. Na tarde decidiram passear pela cidade. O amigo tinha esta mania. Pontos turísticos. Não iria contrariar o visitante. E foi com ele. Falando e dirigindo. Apontando e nomeando. Foram muitos os pontos visitados. Da cidade.

 

De repente decidiu mostrar a ele – ao amigo – o bairro onde nascera. Morara ali por muitos anos. Mudara-se para o bairro atual quase adolescente. Nunca havia feito isso antes. Desta vez seguiu a intuição. E foi. Apontar este outro pedacinho da sua história. Pelo viés da arquitetura. Entrou no bairro. Na rua. Parou em frente ao prédio. Foi fazendo voltas. Entrando com cuidado. As lembranças devem ser revistas como muita delicadeza. Não se pode rever assim. De súbito. De súbito pode sugerir descaso. E descaso com o passado pode causar riscos. Ele achou lindo. Ela sorriu. Com calma. E com o olhar quase de criança. Como se fosse reincorporando a infância ao caminhar pela rua. Por isso tem mesmo que se ir com calma. Quando se decide visitar a origem. Porque a vida dá uma giradinha. De leve, mas para trás.

 

Enfim. Lá estava. Olhou o prédio. A janela do quarto dela. E sabe-se lá porque olhou para o outro lado. Como se estivesse procurando a vista que via da janela. A paisagem da infância. Pobre amigo. O susto foi em dois idiomas. Estrangeiro ele era. E estranha ela ficou parecendo. Com o grito espantado que deu. Gritou e segurou a boca. Prendeu até o fôlego. Deve ter mudado de cor. Porque o amigo estrangeiro pegou o celular de imediato.

 

Pareceu a ela que discou apenas três números. Segurou a mão dele. Cortou a ligação. Voltou a respirar. Esforçou-se para explicar a ele. Também em dois idiomas alternados. O motivo do susto. Ele nada entendia. Assim pareceu a ela. Tudo ficara muito confuso de repente.

 

Diante da janela do quarto onde nascera – e morara - até a adolescência estava, nada mais nada menos, que um enorme lago. Um lago. Cercado de margem. Margem com grama verdinha. Mas um lago. Como pode esquecer. Não entendia. Pensou até no mestre austríaco. Ele deveria ter a resposta. Mas ela não tinha. Ficou olhando para o lago. Lembrou então das vezes que ficara na janela. Curiosa. Para aquela imensidão. Aquele excesso de água.  Gente sempre em volta. A água ali. Parada. Escura. E ela da janela. Parada. Olhando. Com seu olhar de criança. Que tentava entender o mundo em volta.

 

Não tinha mais sua explicação favorita. Nascera de frente para o lago.

 

Lembrou de novo do mestre austríaco. Pensou. Refletiu. Tinha que descobrir uma alternativa. Para ela mesma. Muito mais que para os outros. Por fim decidiu. Sentiu-se aliviada. Até explicada. Segura de si de novo. Vai ver era a pedrinha. Sim. Ela deveria ser a tal pedrinha. A que fazia as ondinhas. No tal lago. A que punha a calma em movimento. Riu.

 

Continuou – agora satisfeita - o turismo com o amigo estrangeiro. Ele mal olhava para a paisagem. Vai ver temia tirar os olhos de cima dela. E mais um susto acontecer. Estava suficiente já de sustos para uma escala. Pareceu mais atento. À hora do vôo de volta. 

 

 

 


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