Blog de Lêda Rezende

Dezembro 15 2009

 

O jantar fora maravilhoso.

 

Eles vieram cedo. E desde cedo a alegria estivera instalada. E circulando. Nos sofás. Nas cadeiras. Nas poltronas. Pela varanda. Pelo terraço. Incrível como as sensações funcionam. A alegria é objeto de qualificação. Não de quantificação.

 

Alegria faz murmúrio, como um roçar de tecidos finos. Como o passar de dedos em cristais trabalhados.  Um doce e suave murmúrio. Só quem a sente - entende. Foi o que todos descobriram na noite. Feliz. Felizes.

 

Distância foi outra descoberta. A rapidez como ela se anula. Ele estava distante. Ela junto com ele. Entre serras. Mas na hora dos brindes estavam ali. Juntos. Mais uma vez não se pode negar. Viva a tecnologia. Que permite dar um som ao coração.

 

Não resistiu. Fez mais um brinde.  À inteligência que permitiu a evolução. Algo por aí. Depois do pipocar discreto de bolhinhas nas taças não se pode exigir muito mais. Até riu. O espaço incluído. Incluindo. A distância foi vencida pela alegria. Pela afetividade.

 

No dia seguinte tinha mais. E os da serra estariam presentes. Corporalmente.

 

Lembrou a avó da amiga mais uma vez. Toda festa tem as próprias cores, menina, toda festa tem as próprias cores.

 

E foi cuidar das cores da dela.

 

Arrumou a mesa. Organizou o serviço. Colocou os presentinhos no lugar. Catou papel. Dispensou o dispensável. Organizou o indispensável. Ele só elogiava. Notou uma sutil diferença no olhar dele. Como se estivesse vendo algo novo nela. Que não vira antes. Não decifrou muito bem. A etiologia como diziam alguns. Mas gostou do que viu. No olhar dele para ela. E ficou ainda mais feliz na elaboração.

 

Todos reunidos. Sempre quis assim. Reunião por união. Não por datas. Ou por prioridades outras. Mas por união. E assim eles eram. Todos. Por isso a alegria era tão delicada. E, ao mesmo tempo, tão exposta.

Começaram as surpresas. As trocas. Os beijos. Os abraços. As boas intenções. As pluralizadas idéias. O toque de cada um. No conjunto para todos. Olhou em volta e pensou. Palavras não dão conta. Fotos não explicam. Aquarelas não dimensionam. A real emoção.

 

A Arte tenta. A cada tentativa, uma nova busca. Passam-se os anos. Modificam-se os estilos. De cavernas para os museus. De clássico para cubismo. De impressionismo para expressionismo. Olho em testa. Gritos em pontes. Grafites. Textos antigos com roupagem nova. Textos novos com leitura antiga. Não importa. A procura é de literalidade. De decifração da emoção. Mas isso só existe mesmo dentro de cada um. Cada um tem sua leitura. E sua memória. Baseada em seus códigos. Por isso não se consegue a transcrição perfeita.

 

A coletividade na Arte é mais uma tentativa. De dar conta da falta de coletividade. Para que se torne sustentável. A existência de cada um.

 

Foi em meio a esse pensamento - vindo sabe-se lá de onde - que escutou seu nome e o dele.

 

E entregaram uma caixa. Verde. Linda. Toda de etiquetas. Com os nomes deles. Abriu.

Esqueceu da delicadeza da alegria. Nada mais de roçar de sedas ou cristais. Abandonou toda a recém criada teoria da Arte. O mais novo conceito de coletividade. Qual o que.

 

Tivesse um cristal perto e teria se espatifado o coitado. Com o grito de feliz surpresa que ela deu. Ali estava o que ela queria há tanto tempo. Havia até pesquisado nas lojas. Mas achou que ainda não era o momento adequado.

 

Tinha fila. E a fila tinha que andar. Aprendera esse controle. Em meio ao seu descontrole habitual. Na hora do controle nem se entendeu. Mas se obedeceu. Pode-se assim dizer.

 

E agora estava ali. Nas mãos deles. Nas mãos dela. Adorou. Muito. Repetiu tanto isso. Até avisou que só conseguia pensar nisso. A partir daquele momento. A única coisa que falou com objetividade foi da cor. Do objeto desejado e recebido. Vermelha. E brincou. Adorou. Estava numa fase rubra.

 

Todos riam com a expressão dela. Porque ela só falava e repetia. Que maravilha. Adorei. Adorei. E repetia.

 

Colocou no lugar devido. Era uma preciosidade. Pela forma da entrega. Pelo critério da escolha. Todos eles se juntaram. Combinaram. Decidiram. Fizeram acontecer. E ela ali. Feliz. Repetindo. Adorei. Adorei. Ele olhava para ela e ria. Compreendia. O pensamento por trás do pensamento dela.

 

Ela sempre carinhosa. Ela que colocara os adesivos. Com tanto cuidado. Eles todos assinaram. Era muito mais que um presente. Era toda uma composição. Todo um trajeto. Até que chegasse às mãos deles.

 

E o mesmo foi feito entre eles. Cada um recebia sua caixa elaborada. Uma troca. Com a surpresa-do-desejado dentro. Mais um pouco e nasceria outra teoria sobre a Arte. Ou sobre a Coletividade.

 

Riu meio de cantinho. Mas não explicou.  

 

Eis o valor. Entendeu a fala da avó. É verdade. Toda festa tem mesmo cores próprias.E repetiu mais uma vez. Adorei. Ele existe.

 

 


Dezembro 14 2009

 

Ele pedira de uma forma muito cuidadosa.

 

Não é fácil pedir uma transferência de data. Mas pediu. Arriscou. Sempre arriscava. Eis uma coisa que nunca deixou esquecido. Os riscos. Ou as trocas de datas. Sempre. Até quando pode, arriscou. E trocou data. Muitas - adiou. Uma - antecipou.

 

Desta vez pedira para passar o Natal do modo habitual. Ela ainda com o mesmo sobrenome. Antes da cerimônia. Seria este então o último assim. E já estava tão perto.

 

Ela ponderou. Ele cedeu. Combinado. Transferiram. Adiaram.

 

Feliz, ele organizou uma festa particular. E cheia de surpresas. Foi uma noite de muitos risos. Em meio a muitas lágrimas. Incrível como um riso sempre atrai uma lágrima. E o inverso nunca é verdadeiro. E desta vez não foi diferente. A cada gracinha um riso e um choro contracenando. E simultâneos.

 

Ele solicitou mais um favor. Uma gentileza. Quase uma imposição. Não registrar em filmes. Nem fotos. Preferia que ficasse como registro apenas da memória. De cada um. E quando não existisse mais os “cada um” que o assunto então se encerrasse. Porque ninguém entenderia. Pelas fotos. Pelo filme. Todo o significado. Poderia minimizar a noite. As palavras. As lágrimas e os risos.

 

Tempos depois ela até discordou. Por ter aceitado. Gostaria das fotos. Filmes.

 

Quando tudo se modifica, as fotos nos levam de volta. Ao cenário. Ao que passou. Cada imagem vem com descrição. E isso funciona como um sonho. Imagens - primeiro. Palavras - depois. E por inteiro. Mas enfim. Não tinha as fotos.

 

Ele passara a véspera do Natal - o dia todo fora de casa. Ninguém sabia onde. Todos perguntaram. Quando finalmente voltou. Ele não explicou. Ninguém viu sacolas. Nem pacotes. Nem presentes.

 

Jantaram juntos. Todos. Muitos. Uma festa de Natal. Na sala ampla a mesa coloria. Com a toalha. Com a comida.  Com as taças. Na sala ao lado uma enorme e colorida árvore.

 

E a surpresa. Muitos pacotinhos novos em volta. E ninguém vira quem os colocara. Todos brincaram. Não tinha chaminé.

 

E veio o momento dos presentes. Troca daqui. Agradece dali. Surpresinha lá. Gritinho acolá. Papéis pelo chão. Aquele suave barulhinho de presentes sendo abertos. Como mistérios desvendados.

 

Ele caladinho. Esperando a sua própria vez. De entregar os que ele comprara. Aí começou a surpresa. Do Natal. Os tais pacotinhos até então sem dono. Eram dele.  

 

E iniciou a distribuição. Cada um ganhou o seu. Adequado ao estilo. Ou à função. Ou intenção. Colocou música. Fez discursinhos. Cada um ganhou seu texto.

 

Ela tropeçava e caía. Com facilidade. Quase caiu de rir. Quando abriu seu pacotinho do presente. Ganhou um protetor de joelhos. Com lacinhos e tudo para prender na perna.

 

Ele não passava um dia sem uma reclamação. Fosse do que fosse. Até da falta de motivo. Já acordava reclamando. Se queixando. Ganhou uma agenda de queixas. Com carinha de birra na frente.

 

Ela acreditava na relação perfeita. Que tudo sempre podia ser resolvido. Com uma palavrinha a mais. Ou a menos. Falava sempre numa certa condescendência amorosa. Confiava nisso. Vivia nas nuvens. Ganhou um tapete. Imitando um tapete voador.

 

Eles dois só brigavam. Não se desgrudavam. Mas brigavam. Não era preciso razão. Nem culpa. De repente lá estavam. Brigando. Discordando. Brigavam até quando concordavam. Já fazia parte da relação deles. As palavras atropeladas. Ganharam uma placa. Psiu. Silêncio.

 

E por ai seguiu a noite. A cada pacotinho aberto – risadas.

 

Nada com valor material. Só emocional. Não se importava com outro tipo de valor. Só com o valor da emoção. E era um adorador. De risos.

 

A data foi transferida. A alegria permaneceu. Com dia e hora inadiável. Na memória de quem ainda está. Na história recontada.

 

O cada um ficou menos. Ele se foi. Mas a cada "você lembra" - a ausência se transforma em presença. Eternizando a idéia dele que - apenas do modo habitual -  não mais participou.

 

 


Junho 10 2009

Lembro-me da primeira vez que vi a casa. Foi logo depois que me mudei para cá. Estava mal tratada na época. A casa, não eu. Estava solitária na época. Eu, não a casa.

 

O nome era lindo. Até porque foi a primeira vez que encontrei uma casa com nome. Maravilhoso. Dava até para sentir cheiros e cores. Só pelo nome.

 

Em meio aquele contorno que a sombreava, de tantos e tantos prédios, ela ali ficava. Linda. Com seu jardim de rosas em volta. Insistindo em sua beleza muito mais que acatando as ordens da redondeza.

 

Não lembro um só dia que por ali passasse e não ficasse olhando. Imaginava como teria sido a rotina dos seus moradores. Onde ficavam durante a noite. Se passeavam entre as árvores. Se choravam as possíveis tristezas nos banquinhos entre as flores. Se riam, descontraídos, em dias de festa.

 

Li sobre a história da casa. Nesta época vivia eu à cata de histórias. Até porque, recém imigrante, estava tentando construir a minha nova história por sobre a antiga. Co-autora de mim mesma. Fora habitada até 1986

 

Ao contrário do que acontece com o passar do tempo, sob este contexto, nada foi envelhecendo. Nem as minhas idéias, nem a casa.

 

Ela, sendo restaurada.

 

Acompanhei a placa de aviso na entrada. Os andaimes em frente à fachada. O entrar e sair de materiais de reforma. O jardim meio que escondido sob estes tais materiais.

 

Eu, arrumando e acrescentando o novo em meu currículo.

 

As duas ganhando sua nova roupagem. Mas mantendo sua estrutura inicial.

Para se manter fiel aos projetos não é preciso esconder o que se construiu. Nem destruir o que um dia foi planejado. É preciso conservar para poder revelar. Expondo. Avivando cores. Retirando os detalhes sem conserto. Preservando acessos de subida e descida. Possibilitando que novos percursos sejam ali visualizados.

 

Assim estávamos as duas. A casa e eu com um mesmo objetivo. Nos resgatando.

 

Difícil escapar da questão do tempo. Ou quantificar com exatidão. Passados tantos anos me vi diante da possibilidade real de lá visitar. A casa. Era um sábado. Na idéia de atravessar da Avenida para a Alameda, lá estava nos jardins da casa. Não sei quem se surpreendeu mais.

 

A esta altura minha vida se tornara mais de cá do que de lá. Duas surpresas me fizeram esta demonstração. Houve uma época de severo anonimato. Até que um dia, na escada do metro escutei meu nome. Alguém passava e me chamava. Para um aceno. Para me dar um Lugar. Já podia ser reconhecida. A segunda surpresa veio logo depois desta. Num espaço de shows. Lotado. De pé aguardando o início, de novo escuto meu nome. Ela queria dizer do prazer de me encontrar. A partir daí me senti fazendo parte.

 

Assim também estava a casa. Neste dia da travessia, digamos assim, ela estava plena. De pessoas. Tinha uma feirinha de livros nos jardins. Gente que expunha. Gente que acreditava. Gente que oferecia. Gente que agradecia. Estava toda aberta. Muitas pessoas circulavam por todos os ambientes.

 

Decidi de um impulso só. Me aproximei da entrada. Pela porta da frente.

 

Entrei. Conheci as salas. Subi pela linda escada. Passei pelos quartos. Atrás - um lindo terraço. Pude até escutar as vozes e o tilintar de xícaras. Devia ser ali que tomavam o café da manhã. Ou tomavam um pouco de sol nos dias mais frios.

 

Quando sai me despedi tocando numa das paredes de dentro da casa. Senti a parede quente.

 

Lembrei aquele autor que tanto admiro - o destino vem por trás. Não sei se concordo. Pode ser que venha ao lado. Numa paralela. Assintótica ou não. Destino é coisa de destino. Prescinde de saúde, engenharia ou arquitetura.

 

Surgiu um convite. O convite mais surpreendente que poderia ter imaginado. Desde o início. Desde a primeira olhada na casa. Mesmo depois do segundo reconhecimento na cidade.

 

Haveria uma coletânea. Uma edição especial. Um grupo da mesma área profissional.  Textos de cada um dos convidados seriam impressos e publicados num mesmo volume. Todos colocando seus escritos numa condensação. Uma exposição de si pela via que se sentisse mais confortavelmente exposto.

 

Fui convidada. Participaria da edição. E me avisaram do local do lançamento. Seria na casa. Na casa. Repeti isso para mim. Várias vezes.

 

A esta altura a casa já era um centro cultural. As idéias circulavam sem tanto recato.  Entrava agora para uma nova etapa. Com mais segurança. Já não sei se me refiro a ela. Ou a mim. Porque também já estava me sentindo com menos temor e recato diante das alternativas por onde caminhar.

 

Não teria Lugar mais especial e nome mais adequado para que este meu passo se definisse e se incorporasse a esta mais nova “reforma”.

 

Com o passar do tempo continuamos nos equiparando.  Já olhamos o mundo de dentro para fora. E permitimos que o mundo, também assim, nos olhe. Tiramos os nossos tapumes. E enfrentamos, adequadas, as avenidas e alamedas.

 

Ela com seus novos visitantes. E reformada. Não mais mal tratada. Eu com meus novos amigos. Já integrada. Não mais solitária.

 

Percursos tão distintos - se igualando.

 

E me senti – e me sinto - em suave parceria com a casa e o seu lindo jardim de rosas.

 

 


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