Blog de Lêda Rezende

Fevereiro 05 2010

 

Por que será que me dá sempre vontade de escrever quando estou no trânsito. Um borbulhar de idéias.


E o pior é que o trânsito está mais que lento.

 

Não inventaram volante com micro acoplado. Apertava o botão e eis um teclado feliz aguardando ser tocado.


Teclado tocado foi até interessante. Não falei. Só tenho idéias no trânsito. Quando chego num lugar que posso expor some tudo. Parece mágica. Nem uma ideiazinha vem à mente.

 

E o teclado que poderia ser tocado fica solitário de dedos.

 

Ele pensa mesmo. Acredita. Que pode passar entre dois carros neste espaço tão exíguo. Desconsidera. O que falou que dois corpos não podem ocupar um mesmo espaço ao mesmo tempo. Não lembro. Mas quem falou se horrorizaria com o erro. Está me parecendo que não só dois corpos podem como três. Ao menos é o que procura demonstrar imediatamente. O rapaz da moto. Pronto. Lá se foi o retrovisor. Do carro ao lado. Odeio brigas.


Ele adora brigar no trânsito. Diz que não. Mas já vi de perto. Ergue os braços. Fala alto. Fica sério. Não fossem os vidros fechados e a dificuldade que ele tem em encontrar o botão elétrico certo, uma nova linhagem teria já sido publicada. Parece do juizado. São tantos os filhos que ele denuncia como de mães perdidas. Parece que a paternidade foi abolida de vez. E as Instituições para deficientes mentais. Muitas mais seriam construídas. Além do juizado ele também é do serviço de psiquiatria. Reconhece e dá o laudo em segundos. E isso dito em voz de tenor. Convence até ao relutante diagnosticado.


Sorri solta. Me arrependi. O motorista do lado me olhou. Temeroso e seduzido. Vai ver está pensando que sorri para ele.


E eu não quero sorrir para ninguém. Só quero um teclado acoplado ao volante. Para não perder a minha chance criativa.


Ele fala que sou criativa. Adoro quando ele fala isso. Me sinto genial. Vem rápido a vontade de escrever. De me publicar.


A fila está enorme para atravessar a avenida. Não entendo porque. O trânsito parado. Tantos esperar o sinal ficar verde.
As pessoas estão sempre esperando sinal. Para tudo. Para sentar. Para levantar. Para perguntar. Para responder.
Podem avançar, recuar. Mas vivem trocando os sinais.


Agora lembrei de mim. Costumo fazer isso. E ainda chamo de desobedecer ordens.
Me faço de rebelde em atividade. Ri de novo. Desde quando desobedecer ordens é trocar os sinais. Isso daria uma boa questão filosófica. Para ser escrita.


Como não tem micro aqui no carro vou acabar esquecendo.


Micro acoplado em volante nem opcional deveria ser. Deveria já fazer parte. Como pneus. Freios.


Ele me contou que dia desses estava dirigindo e pensando. Na auto-biografia. E em Inglês. Detalhava o passado em meio ao idioma estrangeiro. Talvez como estrangeiro se sentisse. Na revisão da própria vida.


Todos nós acabamos estrangeiros. Diante do nosso passado. Melhor pensar nisso com mais calma. Quem sabe está nascendo um novo texto. Que falta que está fazendo o micro no trânsito.


Que desperdício de pensamentos.


Comecei a rir de novo ao lembrar dele. E da auto-biografia. Nada a ver com a Lingua-mãe.
Essa coisa de rir no carro está ficando complicada. Ele me olhou de novo. Só falta agora pedir meu cartão. Ou me dar o dele.


Meu cartão agora tem o sobrenome dele. Deu para enganar ao mundo. É repetição. E agora me pego lendo o meu próprio cartão só para ver o nome dele ligado ao meu.

 

Acho que estou ficando com problema de lugar. Ri. Estou ficando. Quando foi que não tive. O problema. Não o lugar. Lugar sempre foi meu problema. Quanta confusão. Tudo porque não tenho micro aqui.


Ainda bem que o trânsito deu uma melhorada. Posso acelerar para chegar em casa. E ir correndo escrever. Todas as minha idéias.


Se elas se disfarçarem em silêncio, ou o silêncio se disfarçar em idéias, vou ficar muito brava.
Vou acender um incenso. Pode ser que o Universo me ilumine.


A conta da luz!


Acabo de lembrar. Não paguei. Pronto. Belo pulo que dei no carro. Ele agora deve estar pensando que faço sexo em banco vibratório. Já até me olhou diferente.


Estou no carro. Na rua. Com o trânsito parado. Vou querer trocar. Um banco vibratório em vez do volante ao micro, Serviria mais. Para esse outro tipo de idéia que está me ocorrendo.


Enfim o trânsito andou e ele sumiu. Deve ter virado a esquina. Hoje terá assunto para comentar com a mulher. Sim. Tinha a maior expressão de homem casado. Que busca assunto na rotina para se fazer novidade.
Coitado. E ela deve escutar pensando.
As novidades dela - ela não pode contar.
Sim. Ele também parecia com isso.


Ri de novo pelo pensamento maldoso.


Ri na hora errada.
Ou o pensamento é que estava errado.


Não fui eu quem estava desatenta. Foi ela. Veja bem o estrago que fez. Já é a terceira vez que fazem isso. Nestes dois meses.


Lógico que a senhora vai arcar com os custos. Ainda me chama de desaforada. Já me disseram, obrigada. Vou ligar sobre o orçamento.


Só me faltava essa.
Lá se vai agora uma semana de carro em oficina.
E eu sem as minhas idéias transitórias!

 

 


Fevereiro 01 2010

 


Como fui fazer isso. Sou mesmo imprudente.

 

Sempre me disseram isto. Minha avó me aconselhava. Prudência acima de tudo, menina, prudência acima de tudo. Mas nada. Estou sempre esquecendo os bons conselhos. Ao menos conheço muitos seguidores deste tipo de esquecimento. Mas agora não é hora para estatísticas. Estatísticas de nada servem. Só apontam. Não solucionam.


Não era ele. Mas como eu iria adivinhar se ele é quem chega esta hora e toca a campainha.


Ele tem a chave. Mas sempre toca a campainha. Deve ser para me escutar correndo pela casa. E abrir a porta sorrindo. Ele e a vizinhança toda. Sim. Corro bem rapidinho. Fazendo barulho para ele escutar.

Mas não era ele. Como explicar. Nem sei. Com a quase falta das roupas veio a quase falta das palavras. Bem existencialista. Pensamento cru. Nu. Ri da analogia.

 

Não é só o pensamento que está nu. Ou quase nu. Já é uma forma de vestir. Quase - veste muitas vezes - muito mais. Mas se não é hora para estatísticas, imagina para filosofia. Ri. Acho que ri. Correndo pela casa. Enrolada numa toalha. E abrir a porta.

 

Foi um dia tão árduo. Acabei de voltar do cumprimento do juramento. Hipocrático. E essa me acontece. Que situação. O olhar dela. Parecia que estava vendo um fantasma. Ele. Mal me falou de tanto que ria. Ele tem bom humor. Ou já se acostumou com meu jeito. Não desse jeito. Mas não complicou.

Tudo já estava complicado. O suficiente.  Ela ficou séria. Perguntou se eu estava com algum problema. Lógico que estou. Alguém sem problema sairia correndo pela casa para abrir a porta de toalha sem nem querer saber quem poderia ser. Não falei. Pensei. Não estava com este fôlego todo. Hipócrates ficou com a maior parte. Do meu fôlego.

Lembrei da frase dele – cada uma que se escuta.

Sorri educada. Educada. Esta palavra está em total desacordo. Com a situação. Ela deve estar com medo que seja algum mal de família. Ela sempre repete aquela frase. De por um levar todos. Ou por todos levar um. Já não sei mais. Deve ter também uma toalha em meu cérebro agora.

E tinha que acontecer logo com ela. Justo com ela. Sempre julgando. Analisando. Conferindo. Decidindo. Sempre séria. Humor difícil. Bom humor difícil. Vive apreensiva. É o que me parece. Mas não estou em condições de muita apreciação. Neste momento. Nestas horas é que discordo do pensamento do austríaco. Muitas vezes é exatamente como parece.

Lembrei daquele outro dia. Também mal tinha retornado. Já atendi ao telefone me nomeando propriedade de quem estava do outro lado da linha. Eu. Sua mulher. Falei assim. Em alto e bom som. E um riso anexado.

 

Onde já se viu. Nem esperei escutar direito a voz. E já fui com a oferta. E o sujeito entendia nada. Nem eu. Foi um suor. Esta é a palavra exata. Eu e o desconhecido a tentar adivinhar quem estava errado. Ou se havia mesmo um erro a ser detectado.

 

Isso sem falar num cliente. Chamei de meu amor. Novamente pelo telefone. Ele nem sabia mais se era meu cliente. Ou pior. Que tipo de cliente ele queria ser. Devo estar ficando compulsiva. Por telefone. Por estranhos. Ri.

E ele riu muito quando soube. Ele ri feliz porque só penso que é ele.

Não sou só imprudente. Sofro de mania de surpresa. Outra conclusão sábia. Só é imprudente quem sofre de mania de surpresa. Genial. Ele tinha me dito que só viria muito tarde. Mas eu achei que faria uma chegada inesperada. E lá se fui correndo dando asas e pés à imaginação. Só devia ter colocado uma roupa. Para não passar esta vergonha. Agora ficou parecendo letra de bolero antigo.

Conclusão rápida e certeira. Imprudência é estrutura. Quem é imprudente é no ato e no pensamento. Não entende a palavra combinado. Não existe combinado não alterável. Esse é o pensamento do imprudente. Vive de inesperado. Abre portas à toa. Nem sempre dá certo. Nem sempre o final é feliz. E sempre repete que vai mudar. E quebra o combinado consigo mesmo. Só não decidi se sofre mais ou menos que o prudente. Esse é um pensamento para outra ocasião. Com menos toalha envolvida.

Ela me mandou ficar à vontade. Não iriam demorar. Como assim eu ficar à vontade. Mais. É verdade. A falta de humor conduz ao pouco raciocínio. Isso deveria já ser um axioma. Ela sempre séria. Pouco ri. Também parece não escutar o que fala. Se me colocar mais a vontade que farei. A palavra escalpelo me veio. Ri. Dela. Lógico.

Muita observação. Para quem está na situação que estou. E na sala. No sofá da sala. No velho e bom sofá da sala. Qualquer dia escreverei. Sobre este bom amigo. Acho até que já escrevi. Só não sei onde está. O texto. O sofá e a toalha eu sei. Ainda. Sim. Com licença. Acho que este é o pedido inflacionado. Universalmente. Pedir licença. Pede-se licença. E, muitas vezes, pede-se a nada. Ou para nada. Nova descoberta.

 

Sou uma filósofa quando estou abraçada a uma toalha.


Chega. Ordenei ao meu cérebro. Sossega. Chega. Já me basta a bizarra situação.

 

Melhor colocar uma roupa. Sem correria. Mais conveniente ir andando. Bem devagarinho. Até o quarto. Como se uma lady antiga fosse. Pensei em falar algo bem profundo. Uma explicação bem profunda para a situação ficar desculpada. Vieram mil idéias. Estava lendo Filosofia Alemã e esqueci de vestir a roupa. Estava pensando em fazer uma meditação zen budista e nem deu tempo de vestir a roupa. Escutei a campainha tocar e achei que era ninguém e vim confirmar.Mas nenhuma destas frases me parecia adequada. Ao inadequado da situação. Mais existencialismo. Se falar muito acabo é internada. Interditada. Algo por aí. Melhor dosar bem as palavras. Já basta a tal toalha.

Já vão. Tão rápido. Não. Já tomei banho. Quer dizer, ia tomar banho. Não. Estava saindo do banho. Nossa. Quanta confusão. De repente me parece que o mundo gira em torno de uma toalha. Está bem. Voltem sempre que quiserem. Adoro ver vocês por aqui. Que bobagem. Não precisam avisar.


Estava aguardando seu telefonema. Eu estou ótima. Só com um pouco de calor. Vou tomar um banho. Já que a toalha está tão à mão. Não. Esquece. Depois explico. Melhor usar a chave de agora em diante. Ou vai ficar na porta. Esperando eu me arrumar. Com direito a salto alto e blazer. E passos suaves. Nada mais de correria. Prudência, prudência acima de tudo. Meu novo lema. Como assim não está entendendo a minha fala? Ri. Depois vai entender.

 

publicado por Lêda Rezende às 20:44
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Janeiro 31 2010

 

Melhor fingir que não estou vendo.

 

Quem sabe - não está mesmo acontecendo. Eu que ando insegura. Não desta vez. Não. Ele está olhando mesmo. Só me faltava essa agora. A esta altura da vida. Ser vigia do olhar dele.

 

Coisa mais ridícula.


Vou me recompor. Manter a classe. Por que eu iria me incomodar. Por ele olhar para uma loura. Uma. Não. Duas. São duas louras. Ele está olhando para as duas. Isso é que é olhar bem dividido. E eu nem queria notar. Nem ligo para essas coisas. Vivo dizendo que cada um sabe o que faz. Ou o que olha.


Vou cuidar de comer meu frango frito. Foi para isso que viemos. Melhor mudar de pensamento. E de observação.


Acabo de lembrar. De vez em quando tenho que dar atenção a um frango.
Uma vez era um frango cru que precisava ser cozido.
Agora é a um frango frito que está pronto para ser comido.


Vou é comer com as unhas. O frango? Não. Ele.


Ele que continua passando olhares furtivos. Para as louras.
Pensa que não estou vendo.
Vou continuar falando sobre o assunto mais que interessante que surgiu agora: por que salvar as tartarugas.


Queria mesmo era uma tartaruga marinha. Das gigantes do tempo de Darwin. Para tacar na cabeça dele. Agora.


Não vou mais detestar tartarugas.
Surgiu uma finalidade para elas sobreviverem. Vou me associar àquele tal projeto. De adotar uma tartaruga. Vou adotar muitas.


Ele está tão bonito. O cabelo com os fios brancos. Contrastando com a camisa azul-escuro. Há um colorido tão iluminado no rosto dele. E ainda tem o olhar verde. Ele não tem olhos verdes. Tem o olhar verde. Tão bonito. Os gestos fortes.


Veio porque me achou triste. Ele é tão atuante. Fala pouco sobre o que faz. Age. Ele sabe como associar delicadeza à parceria. Se preocupa e age. Ele é modesto para auto-nomear os gestos de atenção. Não cobra nem aponta. Na forma carinhosa de lidar com quem gosta ele é esbanjador. Porém discreto.


Mas não se pode mesmo ter um pensamento afetuoso. Nem uma ponta de lucidez em meio à paranóia. Olha só o que ele fez. Olhou de novo para as tais louras.


Agora ele viu que eu estava percebendo. Sorriu. Sorriu para mim. Sabe bem o que eu estou pensando. E sorriu solto. Vivo repetindo que ele nunca me erra. E eu vivia dizendo que eu era invisível. Ele me vê mais que eu mesma. Como ele me disse dia desses. Com uma pontinha de aborrecimento. Ofendido. Como assim, não me via? Respondeu sério. Não me via e me sabia de cor. Que delícia de escuta.


Pronto. Agora resolveu brincar em cima do ocorrido.


Mas eu não lhe disse uma só palavra. Você que está falando de louras. Como assim me conhece. Eu estou calada. Imagino.


Eu ciumenta?


Nunca.


Estou mesmo. Encontrei quem tanto quis. Ando até escutando sininhos. Como nos filmes de Hollywood. Não abro mão dele fácil.
Posso abrir a mão é em cima dele. Isso sim. Se ele continuar olhando para as louras.


Ele sabe me ganhar. E ele sorri das minhas pequenas histerias. E olha que hoje quase vira uma grande histeria.


Vai que eu resolvo chutar o frango. E correr para o carro.
Ri.
Que pensamento mais pesado. Agressivo.
Não faria isso. Com o frango, claro.


Ri de novo.


Às vezes penso que estou sob teste. Ele estica o limite. Estica e eu ali. Ele me faz sentir que sou.
Poderia até alterar o que o filosofo disse. Nada de penso, logo existo.
Sou vista, logo – existo.
Lembrei de uma foto.


Eu não apareço no retrato. Na literalidade. Estou ao lado dele. Atrás de alguém. Mas sei que estou ali. Apareço porque o olhar dele está em minha direção. São muitos na foto. Todos olham para o fotógrafo. Só ele olha para mim. E a minha imagem não está no quadradinho. Fantástico. Me faço presente pelo olhar dele. Prescindindo do olhar voyeurista do fotógrafo para me saber fazendo parte.


Não vou dizer isso a ele. Quando ele ri porque está fazendo pirracinhas fica mais bonito ainda. Agora mesmo está tão bonito. Um riso tão aberto e enviesado. Riso enviesado é a definição certa. Exata. Do modo que ele está rindo para mim. E ainda tem aquelas ruguinhas em volta dos olhos.
E tem o olhar verde.


Verde quem está ficando sou eu. Inteira verde. Ódio verde.


Ele agora está se divertindo às minhas custas. E não consigo fingir.
Preciso reler o texto do austríaco. Sobre o ciúme. Não. Melhor deixar o austríaco fora disso. Acho mais conveniente ler sobre frango.


Ou escrever sobre como fazer um frango frito pegar fogo na mesa.
Piromagia. Essa deve ser uma terminologia bem nova.
Tão nova quanto esta minha fase.
Não tenho mesmo poderes mágicos. Senão muito mais estaria frito aqui alem do frango.


Pior mesmo sou eu estar rindo de mim mesma. Rindo para ele que ri de mim. Nós dois rindo de mim. Inacreditável.


Até o frango parece estar também rindo de mim.


Lógico. A única frita aqui sou eu.


Mania que tenho de noticia de Jornal. Ele sempre se divertiu com estas minhas matérias ocultas. Mas daria uma boa notícia: mulher acompanhada por um homem sorridente frita na mesa. E diante de um frango e de duas louras. Motivo aparente: ciúme vulgar.


Não. Teria que mudar o adjetivo. Ele disse que nada em mim é vulgar.
Adoro quando ele me diz isso.
Mas que dá vontade de fritar o restaurante todo, lá isso dá.


Sim, meu amor, vamos. Você dirige. Claro. Eu não sei o caminho. O frango frito. Sim. Estava uma delicia. Não. Louras? Tinha alguma loura lá? Não percebi.


Falei nada. Só você que falou. Você quem disse. Que elas eram louras. Meu olhar? Que tem meu olhar? Do que você está rindo?


Acho melhor mudarmos nosso cardápio para – peixe.

 

 


Janeiro 16 2010

 

Tomei a decisão de uma sentada só. Vou sim. Vou fazer uma reforma radical. Facial.

 

Indicaram um cirurgião, daqueles que só se vê em cinema, quero dizer, que são para as atrizes de cinema. Famoso. Excelente. Respeitado. Acho que até condecorado. 

Coragem. Agendei.


Lá estava eu sentadinha na sala de espera. Tinha planejado ir bem arrumada, salto alto, blazer, tudo que dá o toque mágico e acesso direto para sentar num lugar daqueles.


Não deu certo. O trânsito emperrou, o tempo voou e lá se fui do jeito que estava trabalhando. Com a realidade explicitamente estampada na face e na roupa.


Após me identificar arrumei um lugarzinho mais discreto a aguardar o chamado.

Já me senti - de imediato - diante de um possível chamado divino. era de maravilhar a imponência do lugar. Melhor até dizer Lugar. Ali nada cabia em minúscula. E quase ri quando pensei nisso.


De repente - em minha direção - veio uma mulher alta. Formas voluptuosas - como diriam os italianos caso a vissem. Usava uma calça justa preta. Botas de salto alto. Blusa também preta e curta - com um decote que ratificava a correção do meu pensamento anterior. Nada ali era para ser citado em minúsculo.


Olhei para ela enquanto ela escolhia um lugar, digo, Lugar. E escolheu bem ao meu lado.

 

Pensei cá comigo: mas com tanto espaço por que eu teria que servir de contraste. Mas tudo bem . Passou. Foi só um pensamento fugidio.


Aliás - eu deveria ter agido igual ao pensamento e ser eu a fugidia. Muito mais me esperava.

 

Ao meu lado sentou-se a enfim a tal mulher alta. Os cabelos longos eram enfeitados com alguns fios cobre. Uma farta franja recobria-lhe a testa.

 

Mas - eis que mudou de idéia. Levantou-se e foi até uma maquina de cafezinho. Não - foi engano. Voltou.

 

Era um novo tipo de mulher. Mulher atual. Lábios grossos – preenchidos. Glúteos erguidos – reforçados. Peitos mais erguidos ainda – complementados. Pele facial hirta – paralisada.


Atendeu o celular. Notei que havia um esgar lateral mais forte do lado direito. Ela se esforçava - acho eu - na adaptação do novo e provavelmente invejado preenchimento labial.

 

Fosse a minha avó viva chamaria logo de beiçola e estava resolvido o assunto. Mas esta palavra também não cabia num Lugar como aquele.


Percebi que ela me olhou e olhou para o outro lado dela. Daí notei que tinha uma outra mulher sentada. Esta sim - com proporções bem expansivas. Sem nenhuma avareza em termos de dobras por sobre a calça que usava. Tentava disfarçar com uma blusa preta e mais solta. Mas o tecido foi mais avaro que as formas - e muito ficou exposto.

 

Parecia um pouco tranqüila. Até quando olhou para a mulher de cabelos com fios de cobre e em maiúsculas distribuidas pelo corpo. Dai modificou a expressão. E tentou se acomodar melhor na cadeira. Me pareceu que queria sumir. Difícil.

 

A mulher dos cabelos de cobre que minha avó teria praticado a desfeita terminológica, após olhar para um lado e outro, (entenda-se a moça das sobras de um lado e eu que era só faltas do outro) deu um sorriso tranqüilo e feliz. Estava maravilhosa.

 

Sentada - com a coluna ereta - desconsiderou um encosto bem acolchoado do sofá de couro e abriu um livro. Vi o titulo. Procedia.

 

Olhei para a minha frente. Lá estava sentada uma outra moça magrinha. Tinha o rosto recoberto por uma pasta branca. Pensei. Esta será responsável por muitas noites minhas de insônia. Me auto-recriminei. Não se faz assim com quem está muito mais disposto que exposto. Ou vice-versa.


Escutei meu nome.


Era chegada a minha vez. Uma mocinha sorridente me orientava o caminho. Lembrei da letra de uma música antiga. Algo como “talvez a derradeira noite de luar”. Pensei tudo isso em segundos. Subi as escadas e fui atender ao tal chamado divino que até meu nome já sabia.

 

Diante deste novo Deus, que modifica o que o outro insistiu em fazer, e que recria sem quebrar costelas nem multiplicar pães, me sentei. Falei o que me incomodava.

 

Modesta eu.


Porque ele foi rápido. E apontou - olhando o meu rosto. E com a avidez de um tomógrafo. E parecendo pasmo com a minha modéstia foi perguntando. E ali, e lá e mais aquilo e mais isso não lhe incomodam.

 

Me vi diante de um rosto que não podia ser o meu. Não me vi diante porque sequer me arrisquei a me olhar. Melhor dizer que me imaginei.

 

Levantou. Eu o segui com o olhar. Era alto, elegante. Mas o que mais me chamou a atenção foram os sapatos. Belos. Só me distrai dos sapatos porque notei a testa. Fronte lisa. Como se diria isso em latim - pensei. Porque a testa dele merecia uma citação em Latim. Ou Grego. Na impossibilidade desta tradução me contive e me detive. Ou me abstive de qualquer comentário.

 

Não importa. Importa que - apenas com o olhar - ele já havia me desfeito e me refeito. E eu mal me sentara diante dele.

 

Foi incisivo. Nada de cosméticos mais resolveria. Ousei citar um outro método também utilizado. Quase riu.

 

De nada adiantaria. Era cirúrgica a questão. E nada de poupar áreas. Todas estavam comprometidas. E muito. A gravidade cumprira muito bem seu propósito. Teria salvação. Mas só com a reconstrução.


Pegou um papel, fez contas. Anotou números. E me entregou. E me deu um conselho. Passe a noite olhando para o seu rosto.


Olhei para o dele. Olhei para os olhos. Para a testa sem citação em Latim nem Grego. Para os sapatos dei só uma passadinha de leve. E respondi.

Se passar noite olhando para o meu rosto - pela manhã troco de especialista. Procuro um psiquiatra.


Agradeci. Sorri. Desci. Olhei a sala. Os pacientes.


Era um novo planeta. Um novo Deus. Criador e criaturas ao alcance de um papel com números.

 

Este dava um papelzinho com números. O Outro podia até ter errado - mas ao menos não me deu um papelzinho. Talvez mais sábio. Vai lá saber o que pode fazer um insatisfeito.


Decidi. Ainda não. Por enquanto vou ficar no mesmo planeta. Vou recorrer as alternativas. Lembrei da amiga que me disse um dia que eu adoro alternativas. Estava certa. Está certa.


Quem sabe daqui a alguns anos - se a gravidade me permitir ao menos enxergar.

 

Sorri.


Joguei o papel fora e voltei para casa.

 

Não sei se triste, resignada ou feliz. É preciso um tempo maior que uma noite para se saber. Mas - pelo menos - voltei sem a tal aconselhada tarefa noturna.


Brindei às habituais.

 

 

publicado por Lêda Rezende às 10:23

Dezembro 27 2009

 

Já estava pronta para sair.

 

De repente notou uma luzinha vermelha. Piscando. Pela fresta da bolsa. Por certo um recadinho. Resolveu ler de uma vez.

 

Estava lá. Escrito. Hoje foi suspenso o atendimento. Teve um problema com os computadores. Uma falha técnica mais complicada. Outro com a luz. Não precisa vir. Será feito um re-agendamento parcializado.

 

Atendimento suspenso. Re-agendamento parcializado.  Achou o máximo.

 

Comparou a uma figura de linguagem. Ou a uma obra literária.

 

Mas quase pulou. Primeiro de susto. Era a primeira vez na vida que fazia um pedido e acontecia. Literalmente. Inacreditável.

 

Acordara com sono. Como sempre. Daí pensou. Bem que hoje podia ser cancelado o atendimento.  E eu poderia dormir mais um pouco. Mas imagina. Se me aconteceria uma maravilha desta. Nunca. Acelerou e foi cuidar de obedecer as ordens do relógio. Cruel objeto. Pensou entre os dentes. Mas prosseguiu.

 

Mal acabou de ler o recadinho - se auto-conferiu.

 

Checou – estava viva.  Correu para um espelho. Deveria estar iluminada. Não estava. O espelho mostrou o habitual. Optou por reler o recadinho. Vai ver fora uma alucinação. Não foi. Lá estava.

 

Que belo recadinho. Que lindíssimo texto. Desdenhou dos poetas. Nenhum faria uma composição tão emocionante quanto aquela. Riu. Riu de novo.

 

Tudo bem. Pediu perdão aos poetas. Por precaução. Vai ver que os deuses que cuidem deles poderia se aborrecer. Não queria mais surpresas. Aquela estava já perfeita.

 

Pensou. Fosse a Idade Média e já sabia onde iria parar. Mas não era. Pelo menos a da cronologia da Humanidade. Idade Média só a dela. Particular. Riu dessa bobagem também.

 

Se primeiro quase pulou de susto – de segundo pulou de alegria.

 

Olhou para a bolsa com o material. Para os papéis. Para a roupa que vestia. Em especial para o relógio no braço. E se despediu. Deles. De todos estes – adereços.

 

Mas se o pedido foi atendido – a vontade vinculada foi descartada.

 

Que dormir que nada. O sono foi-se como mágica. Deveria ser isso. Era o Dia da Magia. Ela que não tinha conhecimento. Riu de si mesma de novo. Estava se sentindo já uma humorista. De primeira categoria.

 

Mas enfim – dormir seria desdenhar do pedido inicial. Jamais faria isso. Poderia ser visto como um menosprezo. Estava com muito zelo em relação aos deuses amigos. Mais uma vez riu.

 

Despiu-se da proposta inicial e vestiu-se da adquirida. Sim. Iria à praia. Desceria a serra. E iria ver o mar.

 

Perfeito. Idéia de gênio. Foi mais uma vez se olhar no espelho. Deveria estar iluminada mesmo. Riu para o refletido. Que devolveu à altura.

 

Quando se compreendeu – já estava lá.

 

Em pé na areia. Diante do seu tão amado mar. Pontinhos prateados aqui e ali brilhavam na água docemente salgada. Faziam quase um cortejo de pequenas luzes. Lindo.

 

Algumas mesinhas de cimento ficavam na areia. Com banquinhos em volta. Escolheu um deles e sentou. Para uma alegria tão grande - alguns rituais.

 

Ficou um tempo apenas olhando. Brincava com a chave do carro entre os dedos. Deixou que o sol escolhesse os pontos da pele que iria tocar.

 

Depois com muita calma foi em direção à água. Estava morna. Pequenas ondinhas deixavam a espuma branquinha na borda. Que sumiam com delicadeza.

 

Mergulhou. Pulou. Brincou. Jogou água para cima. Para baixo. Riu. Viva o Dia da Magia.

 

Lembrou o tempo em que seguia as definições do mestre austríaco. Mas desta vez se colocou mais à parte. Nada de passagem ao ato. Como o mestre definia atitudes intempestivas.

 

Fez o habitual brinde e – rindo - informou. Para o Universo. Que me perdoe o Mestre. Mas este foi Além do Princípio do Prazer. E muito além dos Atos Falhos. Sem Homem dos Lobos.  Sem Totem ou Tabu. E principalmente sem Perturbações Psicogênicas da Visão.

 

Este foi um verdadeiro Ato de Passagem. Passagem feliz. Até o mar. Diante do mar. Num dia em que um erro da tecnologia cedeu espaço à realização plena de uma fantasia.

 

Foi a vez do impossível vencer o possível. E mergulhou – mais uma vez.

 

Voltou no começo da tarde - muito feliz. 

 

Amanhã retomarei a tal agenda parcializada. Perfeito. 

 

 


Dezembro 21 2009

 

 

E lá estávamos a caminho do mar.  

 

Eles nos levaram. Também iriam para uma outra viagem. Seria a chance de desejar - mais uma vez - mais felicidades. Para o Novo que ia começar.   


Últimos atos – corretos. Horário - correto. Local – correto. Documentos – correto. Todos os corretos em ordem correta de aprovação.

 

Feito a parte protocolar. Com toda a calma. Direto para um cafezinho. Nada como um pouco de cafeína. Em cima da adrenalina. Rimos. Deliciosa aquela doce sensação. Do pré-embarque. Já superada a fase de preparatória. Agora já estávamos dentro. Do campo. Perfeito. 

 

Enquanto caminhava lembrei dela. Me avisou que iria para o mesmo lugar. Ver os fogos na praia. Ver a virada no mar. Sentir os grãos da areia na pele. A água espumante tocar a alma. Até imaginou se nos encontraríamos. Concluímos que seria não muito fácil.  

 

Ficaríamos em lados opostos. Da agulha da bússola. Até ri quando lembrei do chiste. Entre a mutante a a imitante. Muitas palavras se construíram.   

 

Lembrei da minha avó. Muitas vezes lembramos do que está bem perto, menina, muitas vezes lembramos do que está bem perto.  

 

Foi assim. Lembrei dela. Lembrei a minha avó. Virei e ela estava lá. Não a minha avó. Ela. Inacreditável.

 

Os mais místicos diriam – procede. Os mais incrédulos diriam – viável. Os mais tendenciosos diriam – possível. Os mais céticos diriam – invenção. Os mais alheios diriam – combinado. 

 

Não importa. Ela estava lá. Pela segunda vez. Ela sozinha. E nós ali. Como que para acolhê-la.  

 

Nos conhecemos num cenário parecido. Todos viajando. Também pelo ar. Um vôo dentro e fora de nós mesmos. Nas idéias. Pelas idéias. Na tecnologia. Da possibilidade virtual para quase impossibilidade de um real. Todos se identificando. Tímidos. Mas conscientes. Dos limites e da falta deles. Afinal há um mundo onde só idéias dominam.  

 

Em volta de um outro onde as imagens limitam. Assim foi nossa apresentação. Ela sozinha - a amiga faltara. Solitária em meio aos participantes. Não os conhecia. Juntou-se a nós. Aí começaram as surpresas. Descobrimos tantos amigos em comum. E tão queridos. Também em comum. Ele também se apresentou. Tinha vindo de longe. Também tímido. Eles dois ainda estavam juntos. Foi uma noite de solicitação.  

 

De um para outro. De todos para um. Até de um para todos. Embora nem nos déssemos conta disso na hora. Quase sempre é assim. Primeiro solicitamos. Depois nos apresentamos. Tolice pensar que é o inverso.  

 

Agora estava ali. No cafezinho. No lugar da tal cafeína por cima da adrenalina. Quando escutou seu nome levantou a cabeça. Quando nos viu, gritou. Abriu a boca. Abriu os olhos. Rimos. Nos abraçamos. Em meio aquela multidão. Aqueles inúmeros possíveis traslados. Estávamos na mesma hora. No mesmo lugar. Indo para o mesmo destino.  

 

Ela sozinha. A amiga estava em outro local. A mesma amiga da outra vez. A que faltou. Havia um chiste. Sensação mística pode dar em consulta. Com o psiquiatra. Rimos. Lembramos da consulta. Deveria ser agendada. O mais rápido possível. Rimos mais. De repente, a pergunta básica. Um pouco temerosa. Pela resposta. E a resposta veio certa. Certeira, como diriam de onde ele veio. Os mesmos números. Sequenciais. De assento. Vizinhos de assento. Quase ligamos para o psiquiatra ali mesmo. De imediato. Consulta de emergência. Antes da virada. Sem fogos. Sem ondas. Nada de alma resfriada. Rimos.   

 

Ela tranquila - questionava. Ele solidário - registrava. Eu atenta - aguardava. E nós todos  compreendemos. Assim são os permeios da vida. Lá um dia nos vemos diante de uma nova situação. De uma nova coincidência. Que não sabemos os motivos. Mas entendemos a  mensagem.  

 

E essa é a magia da vida. A magia que rege o Universo.   

 

Conversamos durante a travessia. Pela primeira vez todos nós falamos. De nós mesmos. De nossas histórias. Uma sinopse. De nossas vidas pessoais. Mas nem por isso menos particularizada. Das necessidades de mudanças. Das certezas dos pedidos. Da torcida pelo atendimento. Ela enfática. Iria fazer uma lista. De tudo que planejava. E ia seguir. À risca. Com ou sem risco. Rimos mais uma vez. Só não perguntei se tinha lembrado. Da tal agendinha. E do lápis.  

 

O tempo cumpriu seu prazo. Sentimos a terra firme. Seguimos as  nossas bússolas.  

Ou – vai lá saber - as nossas bússolas nos seguiram.

 


Dezembro 19 2009

 

Não imaginava que fosse assim.

 

Tão cansativo. Deveriam mudar o termo. De preparativo para preparatório. Parece o mesmo. Mas não é. Como todas as palavras parecidas - não querem dizer a mesma coisa. O mesmo significado. Nunca pensei. Ou já esqueci. Esqueço fácil o que é complicado. Como é cansativo. E emocionante. Por isso é um preparatório.

 

Essa olimpíada de véspera. De viagem.

 

Lembrei da minha avó. Ela sempre me alertava. Todo prazer tem antes e depois, menina, todo prazer tem antes e depois.

 

É verdade. Não sei como não observei isso antes. Observar é o termo certo. Porque foi só o que fiz. O dia todo. Hoje. E o dia de observar deveria ser amanhã. Porque é o dia da viagem. E ainda tem quem diga que o bom são os preparativos. Ou preparatórios. Vou orientar quem me disser isso - a procurar um especialista. Em doenças do psicológico.

 

Isso já é complicado. Uma só pessoa. Dois tempos. Não pessoais. Ambientais. Um de lá. Outro de cá. No tempo de cá estou me sentindo naquela tal cidade. A da neblina. Porque é só o que vejo do terraço. Paisagem bucólica. Enevoada. Brumas. Há uma semana - brumas. Quando modifica - relâmpago. Quando ele se encerra – brumas. Depois – relâmpagos. Uma roda viva de névoa e luz. Uma calma e outra acelerada. Como a urbanidade.

 

Não posso negar. E sempre vale lembrar. Com brumas. Ou com relâmpagos. Eu amo esta cidade.

 

Mas vou lá. Para o tempo de lá. Lugar de sol e mar. Praia. Areia. Pés ao vento. Cabelos ao sol. Não importa se resseca. A pele. O cabelo. Sei lá. As unhas. Não importa. Tanto tempo que não sinto - o mar. O cheiro do mar.

 

Até contei para aquele meu amigo distante. Que mora em frente a outro mar. Vai ver nem ele sabe. Que o mar tem cheiro. É preciso algum distanciamento. Para que depois se possa surpreender. Com o cheiro do mar.

 

Arruma daqui. Lembra dali. Ajeita mais um lugarzinho. Isso sim. Isso não. Absurdo. Sem isso não vou. Não vai caber. Vai sim. Tem que caber. Agora já não sei. Melhor tirar. Melhor deixar. Não. Basta uma. Não. Não vou me mudar para lá. Certo. Então concordo. Mas duvido. Não se preocupe. Sei como resolver. Certo. Então você resolve. Combinado. É verdade. Nem me lembrava. Acho que ainda cabe. Está bem. Retiro.

 

De repente – parei.

 

Me dei conta. Aliás, verbo quase certo. Fiz conta. Uma semana. Sete dias. Cento e sessenta e oito horas.  Sentei. Em meio ao isso-sim-isso-não. Que faria. Que farei. Como lidar com a falta do meu acesso diário. Das minhas leituras. Das minhas releituras. Dos comentários. Nunca senti uma verdade mais fisicamente do que neste momento. Toda escolha tem uma perda. Procede.

 

Crises de abstinência. Imaginei mil cenas. Letras gigantes nas paredes rindo. Gritando meu nome. Frases inteiras aparecendo e sumindo. Em meio às ondas. Nomes de autores se auto-escrevendo na areia. Meus dedinhos se movendo sem minha ordem. Eu tremendo ao passar por qualquer loja de informática.

 

E piorou. Se isso fosse possível. Mas foi. Possível. Possibilidade é persistente. Não sai fácil. Nem bem eu tentava entender. A possibilidade da tal crise de abstinência - e outra se instalou. Crise de carência. E a pergunta veio. Crua. Fria. Congelada. Em meio às brumas e envolta em relâmpagos imaginários. Será que notariam. Será que perceberiam.

 

Quase se somou mais uma. Mais outra. Crises seqüenciais. Crise de ausência - não vou mais. Crise de presença - vai sim. Crise de superioridade - deixa para lá. Crise de tecnologia - vou levar junto. Crise de obediência - é só uma semana. Crise de relatividade - cada um tem seu tempo.

 

O que não faltava em crise, sobrava em temeridade. Como a individualidade.

 

Lembrei dela. Disse que também iria para lá. Coincidência. Sim. Também. Adoro. Ver a tal queima de fogos. A virada do Ano na praia. Até imaginou se nos encontraríamos. Quem sabe. Tomara que sim. Ela é bem mais mutante. Do que eu. Avisou que ia levar um caderninho. E um lápis. Assim. Simples. Mutante e adaptante. Admirável.

 

O jeito será virar imitante. Certo. Poderei anotar. Rabiscar. Não perder a idéia central. Algo por aí. Mas não poderei enviar. Agora só na volta. Dos sete dias. De retirante a viajante. Agora uma nova espera. Retornante.

 

Crise é assim. Endoidante.

 

Certo. Cabe. Coube. Nada mais. Enfim. Fechou. Fechou. Vamos sim. Não é bom chegar em cima da hora. Principalmente nesta época. Estou. Peguei. Tranquei. Vamos. Desliguei sim.

 

Ainda bem que aqui tem este tipo de lojinha. Quem diria. Sim. Poderia me dizer quanto custa. Certo. Quero sim. Sim. Com esta tela - pequena - melhor ainda. Levo dentro da bolsa. Nada de desertar desejos de posse - no outro. É verdade.


Agora sim.


Viva a certeza do acesso. Viva a possibilidade do accessível. Vamos logo. Estão chamando para o embarque.


 


Dezembro 17 2009


Não dá tempo.

 

Esta ficou a frase oficial. Tomou como acessório. No final do ano. Entre o trabalho e as férias dela. Dela. Mais uma vez tivera esta idéia. Não aprendia mesmo. Já era a terceira vez que dava férias a ela nesta época. Devia ter um traço masoquista. Pensou. Melhor agendar um especialista nesse tipo de patologia. Porque só poderia mesmo ser uma patologia.

 

Mas enfim. Agora não tinha mais jeito. Era fazer de conta. De conta que não estava cansada. De conta que daria conta. De conta que sozinha se faz mais rápido. De conta que não queria chorar de arrependimento. Tanto fez de conta que acreditou. Não reclamou. Sequer comentou.

 

E lá se foi organizar a festa. Quase chorou. Não dava mais tempo para a árvore. Nem um só lugar tinha mais. Para vender. Alugar. Até emprestar.

 

Imaginou mil soluções. Mas todas dentro do inviável. Nada de arrancar galhos das ruas. Muito menos das casas. Ou sair correndo com as árvores das vitrines. Ou tirar da sala da vizinha. Não sabia como fazer.

 

Lembrou da avó de uma amiga. Só na falta brota criatividade, menina, só na falta brota criatividade. E resolveu usar a própria. Criatividade.

 

Nada de sair por aí pegando a dos outros. Aliás, nem pode. Nem serve. Criatividade é igual uma impressão digital. Cada um com a sua. Até para copiar tem que ter criatividade.   

 

Caminhava há um tempo. Em busca da tal solução criativa. A falta estava já em posição antagônica. Porque era o que mais sobrava. Estava até com vontade de se zangar com a avó da amiga. Mas seria uma briga desleal. Desistiu.

 

Vai lá saber por que, virou-se para a vitrine daquela lojinha. Assim. De repente. De forma despretensiosa. Até poderia dizer desesperançada. Em meio à avenida. Em meio ao tumulto. E viu. A solução para sua festa de Natal. Até olhou para o céu. Ou para o espaço que os prédios permitiam - para ver o céu. Olhou. Deu uma piscadinha. Agradeceu.

 

Saiu de lá feliz. Não saltitou porque o cansaço não permitia. Mas a emoção saltitava pelo corpo. Muitas vezes isso funciona. E muito bem. A emoção faz o que o físico já não obedece.

 

A sacola não era grande. Nem pesada. Mas cabia toda uma festa dentro dela. Esta foi outra coisa que aprendeu. Naquela hora. Naquela situação. De imediato.  Volume e finalidade cumprida não são sinônimos.

 

Já em casa nem deixou o tempo passar. Logo iniciou sua tarefa. Foi tão divertido que nem assim denominou. Dividiu por todo o ambiente. Colocou em lugares nunca dantes imaginados. Não faltou cantinho. Pontinha. Cabeceira de cadeira. Pé de mesa. Abat-jour. Moldura. Porta retrato. Corrimão de escada. Puxador de porta. Até torneira de lavabo. Castiçal. Fio de telefone. Galhinho de planta.

 

Com calma organizou - o jantar. Já nem se cobrou pelas férias dela.

 

Quando eles chegaram - só riam. Adoraram. E cada um descobria em mais um lugar bizarro. Mais um. Que o outro não tinha visto.  

 

Concluíram. A sala toda era uma árvore de Natal. Contaram sessenta lacinhos vermelhos. Com miolinho dourado. Por toda a sala. E sorriram felizes com a surpresa. A cada momento se escutava um gritinho. E uma risada. Com decibéis de surpresa acoplados.  Avisando – mais um ali. Mais outro lá. Ele achou maravilhosa. A idéia. E a composição da idéia. Ganhou muitos abraços e beijinhos. Pelo ato. Pelo fato.

 

No circular pelo ambiente teve uma sensação. De escutar um “eu não disse”. Nada comentou.

 

Olhou a casa toda. Achou linda. Gostou. A mesa posta. O colorido vermelho. A alegria de todos em volta. A cumplicidade. A solidariedade. A afetividade. Brindaram felizes. Sorriu satisfeita.

 

Feliz Natal. Disseram todos. Entre abraços e risos. Feliz Natal. Respondeu. Sorriu. Também em direção onde supôs escutar a advertência.

 

Acrescentou um brinde aos amigos.Palpáveis. Virtuais. Recentes. Antigos. Presentes. Ausentes. Distantes. Próximos.

 

Feliz Natal!

 

 


Dezembro 15 2009

 

O jantar fora maravilhoso.

 

Eles vieram cedo. E desde cedo a alegria estivera instalada. E circulando. Nos sofás. Nas cadeiras. Nas poltronas. Pela varanda. Pelo terraço. Incrível como as sensações funcionam. A alegria é objeto de qualificação. Não de quantificação.

 

Alegria faz murmúrio, como um roçar de tecidos finos. Como o passar de dedos em cristais trabalhados.  Um doce e suave murmúrio. Só quem a sente - entende. Foi o que todos descobriram na noite. Feliz. Felizes.

 

Distância foi outra descoberta. A rapidez como ela se anula. Ele estava distante. Ela junto com ele. Entre serras. Mas na hora dos brindes estavam ali. Juntos. Mais uma vez não se pode negar. Viva a tecnologia. Que permite dar um som ao coração.

 

Não resistiu. Fez mais um brinde.  À inteligência que permitiu a evolução. Algo por aí. Depois do pipocar discreto de bolhinhas nas taças não se pode exigir muito mais. Até riu. O espaço incluído. Incluindo. A distância foi vencida pela alegria. Pela afetividade.

 

No dia seguinte tinha mais. E os da serra estariam presentes. Corporalmente.

 

Lembrou a avó da amiga mais uma vez. Toda festa tem as próprias cores, menina, toda festa tem as próprias cores.

 

E foi cuidar das cores da dela.

 

Arrumou a mesa. Organizou o serviço. Colocou os presentinhos no lugar. Catou papel. Dispensou o dispensável. Organizou o indispensável. Ele só elogiava. Notou uma sutil diferença no olhar dele. Como se estivesse vendo algo novo nela. Que não vira antes. Não decifrou muito bem. A etiologia como diziam alguns. Mas gostou do que viu. No olhar dele para ela. E ficou ainda mais feliz na elaboração.

 

Todos reunidos. Sempre quis assim. Reunião por união. Não por datas. Ou por prioridades outras. Mas por união. E assim eles eram. Todos. Por isso a alegria era tão delicada. E, ao mesmo tempo, tão exposta.

Começaram as surpresas. As trocas. Os beijos. Os abraços. As boas intenções. As pluralizadas idéias. O toque de cada um. No conjunto para todos. Olhou em volta e pensou. Palavras não dão conta. Fotos não explicam. Aquarelas não dimensionam. A real emoção.

 

A Arte tenta. A cada tentativa, uma nova busca. Passam-se os anos. Modificam-se os estilos. De cavernas para os museus. De clássico para cubismo. De impressionismo para expressionismo. Olho em testa. Gritos em pontes. Grafites. Textos antigos com roupagem nova. Textos novos com leitura antiga. Não importa. A procura é de literalidade. De decifração da emoção. Mas isso só existe mesmo dentro de cada um. Cada um tem sua leitura. E sua memória. Baseada em seus códigos. Por isso não se consegue a transcrição perfeita.

 

A coletividade na Arte é mais uma tentativa. De dar conta da falta de coletividade. Para que se torne sustentável. A existência de cada um.

 

Foi em meio a esse pensamento - vindo sabe-se lá de onde - que escutou seu nome e o dele.

 

E entregaram uma caixa. Verde. Linda. Toda de etiquetas. Com os nomes deles. Abriu.

Esqueceu da delicadeza da alegria. Nada mais de roçar de sedas ou cristais. Abandonou toda a recém criada teoria da Arte. O mais novo conceito de coletividade. Qual o que.

 

Tivesse um cristal perto e teria se espatifado o coitado. Com o grito de feliz surpresa que ela deu. Ali estava o que ela queria há tanto tempo. Havia até pesquisado nas lojas. Mas achou que ainda não era o momento adequado.

 

Tinha fila. E a fila tinha que andar. Aprendera esse controle. Em meio ao seu descontrole habitual. Na hora do controle nem se entendeu. Mas se obedeceu. Pode-se assim dizer.

 

E agora estava ali. Nas mãos deles. Nas mãos dela. Adorou. Muito. Repetiu tanto isso. Até avisou que só conseguia pensar nisso. A partir daquele momento. A única coisa que falou com objetividade foi da cor. Do objeto desejado e recebido. Vermelha. E brincou. Adorou. Estava numa fase rubra.

 

Todos riam com a expressão dela. Porque ela só falava e repetia. Que maravilha. Adorei. Adorei. E repetia.

 

Colocou no lugar devido. Era uma preciosidade. Pela forma da entrega. Pelo critério da escolha. Todos eles se juntaram. Combinaram. Decidiram. Fizeram acontecer. E ela ali. Feliz. Repetindo. Adorei. Adorei. Ele olhava para ela e ria. Compreendia. O pensamento por trás do pensamento dela.

 

Ela sempre carinhosa. Ela que colocara os adesivos. Com tanto cuidado. Eles todos assinaram. Era muito mais que um presente. Era toda uma composição. Todo um trajeto. Até que chegasse às mãos deles.

 

E o mesmo foi feito entre eles. Cada um recebia sua caixa elaborada. Uma troca. Com a surpresa-do-desejado dentro. Mais um pouco e nasceria outra teoria sobre a Arte. Ou sobre a Coletividade.

 

Riu meio de cantinho. Mas não explicou.  

 

Eis o valor. Entendeu a fala da avó. É verdade. Toda festa tem mesmo cores próprias.E repetiu mais uma vez. Adorei. Ele existe.

 

 


Dezembro 07 2009

 

Cedo já fui cuidar das organizações.

 

Mas antes o cuidado de conferir. Temperatura e chuva. Nada de alarmante. E hoje então. É a data de início da nova estação. Do ano. Esta sim. Desde ontem já bastante festejada.

 

Não pude deixar de lembrar a minha avó. Trate a véspera sempre como véspera, menina, trate a véspera sempre como véspera.

 

Afoita – fui logo festejando. Descrevendo. Nomeando. Vai lá mais saber o que. Passei a véspera adiantando o dia. Mais ou menos assim. Talvez um velho hábito. Ou uma tola pressa em viver. Mas só agora me apercebo deste meu estilo. Vai ver ofendi uma florzinha aqui ou ali. Enfim. O que está feito está feito.

 

Agora vou ficar mais atenta. Acho. Talvez.

 

Subimos juntos na ladeira. Os meus espirros e eu. Uma sociedade imbatível. Solidária. Nem sei quem era mais fielmente parceiro. Os espirros comigo. Ou eu com eles.

 

Sim. Lá vinha outra gripe com força total. Daquelas que já pulou a classificação 1. Já deve estar na 3.

 

Um horror. Ossinhos rebeldes. Nariz que humilharia qualquer plantador de tomate. Olhos piores do que a recomendação do colírio. Ou dos óculos escuros. Um pisar especialmente criado para a ocasião.

 

Lembrava um daqueles filmes onde a roda da carruagem girava em sentido contrário à direção que segue. Sim. Efeito caleidoscópico. Eis uma descrição verdadeira.  

 

E viva a segunda feira. Nada de reclamar.

 

Mas não encerrava aí. A chuva se fez presente. Uma chuva forte. Objetiva.

 

Se é para inundar – pode deixar comigo. Inundou. A temperatura caiu. O frio veio rápido fazer seu papel de figurante. E estava assim instalado o Teatro do Possível.

 

Tudo estava lento. As paradas se sucediam. O fino deslizar do freio sobre os trilhos dava arrepios intermináveis. Mal acabava um ramo dos arrepios – outro já se iniciava. Melhor ficar logo arrepiada de uma vez. Pensei num milésimo de aborrecimento.

 

Mas continuei. E o dia se fez dentro do mais ou menos programado. Entre espirros e tosses. Mas também não foi assim tão monótono. Teve febre. É preciso sempre acrescentar. Nada de minimizar.  

 

Incrível. Não podia ser diferente. Na saída. Ao termino da atividade – mais chuva. E o frio já se fez mais. Virou protagonista. O ventinho vinha certeiro cortando e atravessando a pele. Nunca tinha escutado sobre arrepio de ossos.

 

Mas existe. Vai ver não prestei atenção.

 

Mas estava na hora de por um fim. Resignada – vim feliz para casa. A cada pensamento – em pouco tempo já estarei aquecida - vinha um contraponto. A porta abria. E o frio entrava direto para me cumprimentar. Ou aos meus espirros. Enfim. Para evitar mais os tais contrapontos – parei de pensar. Pensando ou não – estaria em casa logo.

 

E assim aconteceu. Não sem tomar a minha dose correta de chuva.

 

Com a gripe fazendo um percurso nada sorrateiro – decidi por um chá quente. Um daqueles maravilhosos concentrados de chá verde. Um presente para um dia de transtorno. E completei com um banho fervente.

 

Água. Devo ter algum problema grave com água. E sobre isso nunca a minha avó falou. Lembrei do dia da banheira. Hoje foi o dia do chuveiro.

Até quis pesquisar. Quem inventou o chuveiro. Um gênio. Aquela água quente a descer pelo corpo - maravilhoso. Fiquei um pouco mais. Sai. Do Box.

 

Pisei. Na água. De novo – pensei.  Acho que já vivi isto antes. Não dá para rir no Teatro da Repetição.

 

Todo o banheiro estava inundado. A água saiu do chuveiro e aceitou o ralinho interno. Mas vai lá saber por que - desdenhou o ralo externo. E - farta de si mesma - transbordou.

 

Vi que nadava um desavisado fiozinho de cabelo. Um desgarrado. Merecido pensei. Alguém tinha que ser punido. Melhor punir o tal fio desgarrado. Quem mandou cair.

 

De repente - me preocupei. Estava eu ali espirrando e em meio a uma enchente doméstica – a brigar com um fiozinho de cabelo. E com o dedo em riste.

 

Dei ordem de calma. A mim mesma. E me obedeci. Desde o dia da banheira nasceu um aprendizado. O pescoço é giratório. Foi um presente anatômico divino. Pode-se sempre olhar em outra direção.

 

Foi o que fiz. Deixei fiozinho, tapetes e sandálias à própria sorte. Não sou Comandante. Ou Almirante. Posso – com tranqüilidade - ser a primeira a abandonar o navio.

 

E assim fiz. E me deitei. Optei por prestigiar meus espirros. Estes sim – não me deixaram nem um segundo.

 

Melhor dormir. E ceder ao Teatro do Onírico.

 

Amanhã tem mais.

 

 


Dezembro 06 2009

 

O amanhecer fora suave. Ainda bem.

 

Sem muito sol. Nenhuma chuva. Nem muitas nuvens. Com leve azul. Um dia para ser seguido de acordo com a vontade de cada um. Cabiam todos os gostos. E estilos.

 

Pode se conhecer um pouco mais os habitantes de uma cidade - pela atitude da cidade em torno deles. Pela forma como é construída. Pela forma como é concluída. Ou mais ainda – pela forma como acolhe a demanda de cada um dos seus moradores.

 

Nas ruas e nos jardins as flores já se antecipavam ao calendário sazonal. Os tons variavam entre amarelinhos, rosas e roxinhos. Assim enfeitavam aqui e ali. Com uma delicadeza que dava prazer de olhar.

 

Até o Parque já mudara seus tons. Surgiu um festival de cores. Muito lindo.

 

No dia que avisassem – é hoje – já estavam em pleno acordo. Viva o tempo da Primavera. Nada mais de cinza. De preto. De marrom. De botas. De corpos recobertos. Do pudor excessivo do inverno.

 

Agora todos estavam coloridos. Sandálias percorriam rápidas as calçadas. Os gramados. Bermudas liberam os que os agasalhos por tanto tempo recobriram. O chão já não tem mais o brilho frio da garoa.

 

Não há mais temor no esbarrar. Já não há tanto caminhar de cabeça baixa. As pessoas olham para cima. Para quem passa.  Cruzam e entrecruzam as ruas e as vitrines. Mais expostas. Menos pudorosas.

 

Até os comerciais mudaram.

 

Nada mais de feira de linha. De lã. De malha. De couro. De vinho.

 

Agora é protetor solar. Mil marcas e ofertas. Cervejas. Refrigerantes. Frutas.

 

Já não há mais toldos. Aquecedores. Janelas fechadas. Nos bares - mesinhas nas calçadas. Nos restaurantes - cardápios giram em torno de saladas e bebidas frias.

 

Nunca notei. Até me surpreendi. Mas é verdade. Ri-se muito mais diante do Sol.

 

E foi diante deste cenário que ele sugeriu o lugar. Perfeito. Depois ainda poderíamos caminhar um pouco. E presentear a retina com as alamedas floridas. Estava iniciado o fim de semana.     

 

Ela chegou. Já devia estar na oitava década.

 

Bonita. Elegante. Uma blusinha fina de cor verde recobria um conjunto bege. A pele clara. Os cabelos grisalhos bem arrumados. Um sutil ar de segurança dava o arremate final.

 

Escolheu a mesa. Sentou-se com cuidado. Olhou em volta com pouca curiosidade. Parecia estar muito bem acompanhada. Com ela mesma. Olhou em direção ao céu algumas vezes. Logo que chegou. Talvez para conferir as possibilidades. Confiante na própria conclusão - acalmou-se.

 

Quando o garçom lhe entregou as opções - foi decidida. Iniciou com um vinho branco. Um comportado convidado – digamos assim. Servida – pareceu se deliciar com a escolha.  Daí em diante o mundo ficou bem particular. Comeu com parcimônia.

 

De vez em quando girava o olhar pelo ambiente. E dele também se servia. Mas nada que apontasse para algum tipo de busca. Mantivera a curiosidade. Mas já dispensara a ansiedade.

 

Ela estava só. Mas não solitária. Parecia brindar algum tipo de vaidade. De orgulho. Havia algum pecado capital em torno dela. E, certamente, festejado. Disso não havia dúvida.

 

Manteve todo o tempo uma expressão de tranquilidade. Fosse o que fosse que aprendera na Vida – dera-lhe boas alegrias. Algo por aí. Difícil entender a ideia atrás do gestual. Mas ela - mesmo discreta - era exposta. Ao menos o suficiente para permitir este risco de avaliação.

 

Com a mesma objetividade que se serviu – deu por encerrado. Recebeu um discreto cumprimento de quem a atendia. Devolveu na mesma medida.

 

Quando saiu deixou a taça ainda com um pouco de vinho. O guardanapo realinhado. A cadeira cuidadosamente recolocada na posição. Mesmo na ausência – deixou marcada sua sóbria elegância. Como um sinal de respeito – por onde passava. E se comprazia.

 

Olhei para as mesas em volta. Alguns conversavam animados. Outros mais cuidadosos como temendo ser escutados. Um casal trocava beijinhos carinhosos. Um senhor reclamava do trânsito constante.

 

Solitário é quem não participa. Ou se conclui dependente por antecipação. Quem assustado - se recolhe. Ou temeroso de se expor por si mesmo – se afasta da vida.

 

Eis o que ela me ensinou. Com sua taça de vinho e sua tranqüila elegância por companhia.

 

Comentei com ele enquanto caminhávamos pelas alamedas com florzinhas recém brotadas. 

 

 

 


Dezembro 03 2009

 

Lá se iam encerrando - os dias plenos de escrita.

 

Ou para a escrita. Com feliz dedicação total. O tempo se esgotava. Retomaria a atividade da rotina – dia seguinte.

 

Ficara afastada por quinze dias. Acordava cedo. E já se transferia para o teclado.

 

Até sonhava com os textos. Podia falar dela. Ou dele. Ou daquele ato. Ou colorir aquele fato. Podia se sentir dentro do mundo. Mesmo estando isolada de tudo. Só. No quarto. Caberia até uma placa na porta da frente. Em recuperação.

 

De pele ao olhar – percorria os encobrimentos da memória. Muito a ser explorado. E - talvez - conquistado.

 

Desconsiderara Oceanos. Turbulências. Aderências. Convenções. Se sentiu como pisando em uvas. E vendo o sumo do vinho se fazer. Escutou música. Trocou mensagens. Relatos. Contou um pouco da vida. Acolheu dores distantes. Recebeu flores. Cores. Até amores.

 

Riu quando leu um recadinho. Ela escrevera. Aliás, pelo que escreve, parece que acontecem mais coisas na sua vida do que na vida dos outros! Ou você observa melhor! Assim. Com duas exclamações. Sentiu-se emocionada. Era um elogio e tanto.

 

Os motivos causais poderiam fazer temer. Mas as consequências foram só prazer. Eis uma rima que deu certo. E outra que se perdeu. Ainda bem. Dor rimou com nada. A dor ficou para trás. Vencida e sem par. E ela ficou com flor. Com cor. E com um doce sabor de calor.

 

Inegável. Foi uma beleza de hiato.

 

Lá se iam e vinham as ideias. Sem hora marcada. Sem pressa na construção. Corrigidas. Emendadas. Procriadas. Malcriadas. Educadas. Estava a viver o tal ócio que sempre ameaçara.

 

Mas fez uma pergunta. Talvez - tola. Onde estaria o ócio. Precisava de uma definição lógica. Sobre a exata localização do ócio. E pode rir de si mesma. Afinal – se nem tudo é perfeito, nem tudo também é o que parece.

 

Estava até dedicada aos provérbios. Lembrou de uma frase dele. Crescera com a frase envelhecendo junto com ela. Quem está perto do fogo é que se esquenta.

 

Optou por uma pausa nas frases.

 

Como dizia a avó de uma amiga. Não são frases que formam textos, menina, não são frases que formam textos. Procedia.

 

E nesse estado de letras – concluiu. Navegar é Preciso.

 

Restavam ainda algumas horas. Poucas. Mas seriam bem aproveitadas. Até a última badalada. E nada de perder sapatinhos. Ou alucinar abóbora. Ou brotar caninos. Esta é umas das possibilidades fantásticas da escrita. As horas avisam as badaladas. E não o contrário.

 

E quando o tempo é marcado – a espontaneidade se acelera. Corre. Percorre. Fica até tonta.

 

Mas ainda há tanto a fazer. Como assim. Já tem que sair. Que ligar o despertador. Que sentar sobre os trilhos. Que caminhar apressada em corredores.

 

Riu.

 

Apressada em corredores já denunciava. As ideias estavam assustadas. Como se arrancadas de um doce balançar de uma redinha. De súbito. E – afoitas – atropelavam os últimos retoques.

 

Assim se sentia. Deu uma rápida olhada em direção ao Universo. Olhou de forma circular. Se é que isso é possível. Fez um leve ar de birra. Quase perguntou se não compreendera. Mas achou inconveniente. Duplamente. E se controlou.

 

Desceu. Iniciou o processo da retomada. Qual uma obediente comandada. Organizou o material. Carimbo. Caneta. Os funcionais. Os profissionais. Incluiu os ocasionais. Nesse sobe e desce - recordou uma música antiga. Uma Viola. Enluarada. Assim estava se sentindo. Quase como uma despedida. Sempre dramática.

 

Mas seguiu o que tinha que ser seguido.

 

Houve uma simultaneidade. Assim. Sem mais nem por que.

 

O telefone tocou. Era ela. Com a voz suave e pontual - informava. Sua agenda de amanhã está completa. Bom retorno. E no mesmo instante um aviso. Chegou via tecnologia. Escrito na tela. Leremos na mesma Rádio. Mais uma história da sua autoria. Em tal hora. Em tal data.

 

Olhou para o Universo. Repetiu o olhar circular. Até ergueu as mãos. Sorriu. Desta vez lembrou a canção italiana, Ma che bello questo amore.

 

E retomou – tranqüila – a reorganização da rotina. Quem quer passar além do Bojador...

 

 


Dezembro 01 2009

 

Lembrara do sábio Poetinha camarada. Era claro e objetivo. Por isso mesmo um Poeta.

 

Nada como o tempo para passar.

 

Esta frase ficou guiando o amanhecer. Repetiu-se muitas vezes. Autoritária. Persistente.

Procedia. Já se fazia quinze dias. Desde aquela tarde.

 

Ficou com alguns lapsos solidários aos lapsos da consciência. Lembrava da injeção. Lembrava das mãos dele apertando as dela. Lembrava que nevara no sétimo andar. Riu. Aquela risadinha lúdica por entre os lábios. Por isso adorava as defesas da emoção. A neve fora muito companheira. O local era frio. Melhor um deslocamento. Correto.

 

Passara estes dias em casa.

 

Deitada - no início. Parecia que nunca mais se moveria. Devia ser algum Festival de Gemidos. Deveria estar participando de um deles. E vai ver não lembrava. Fora inscrita – sem autorização. Até sem solicitação. Mas enfim.

 

Não fugia ao estilo dela. Eis algo inegável. Era dramática - mas se divertia com o libreto. Ocasionalmente gemia. E deitada ficava.

 

Foi assim que lembrou o Poetinha.

 

Foi mais rápido do que o previsto. Se sentiu como renascida. Foi até o espelho. Se confirmou.  Daí em diante o ritmo mudou. Sentou. Caminhou. Desceu. Subiu. Participou.

 

Viu a chuva do terraço. A cor cinza dominava a paisagem. Enevoava a visão. Obstaculizava os detalhes. Encobria as mil e tantas janelinhas. Desordenava os mil e tantos prédios. À sua frente apenas uma cortina de água.

 

Teve de tudo. De garoa a temporal. Raios e trovões. Depois o céu azul. O calor. A brisa. O clima parecia seguir uma ordenação. Dentro do caos absoluto. Fosse um pouco mais paranóica e acharia que tudo era com ela. Mesmo que a favor. Riu de novo.

 

Mas o mundo gira na posição correta. Principalmente quando há um calor a mais. Como se as Leis da Física se tornassem viáveis. Quase compreensíveis. Tudo parece mais nobre. Nem sabia se este era o termo correto. Mas foi o primeiro que veio à mente. Obedeceu.

 

Recordou desde o dia da decisão. Desde o agendamento.

 

Ele acatara. Acolhera. Que seja assim então. Sem nenhum apesar de. E ela se sentiu bem. Muito bem.

 

Antes. Muito antes. Desde há dez anos. Ele sempre compactuando. Na singularidade das rotinas. Nas parcerias das definições. Presente. Mesmo – se - não corporalmente. Dedicado. Cuidadoso. Não faltavam mimos. Nem gracinhas. Nem ombro. Na ausência física - telefonava.

 

Mas a partir daquela tarde - ratificou. Entendeu letra por letra - o significado da palavra companheirismo.

 

Nada tem a ver com solidariedade. Com preocupação. Com certidão.

 

Companheirismo é uma atitude. Uma emoção. Maior que um ato. Menor que um fato. Acima de um contrato.  

 

Expõe-se no olhar. Na modulação da voz. Nas sugestões mais simples. Surge por inteiro. E compõe a própria tela – aos pedacinhos. Não é invasivo. Nem acidental. Pode até carregar alguma temeridade. Mas é pleno de afetuosidade. É sutil. Mas inflexível. É doce. Mas perspicaz. Não compartilha com nenhuma outra filosofia nem mandamento. Vive a exclusividade do gestual.

 

Companheirismo é da ordem da precedência. Antecedência. Tem um tempo particular. Que desarticula proposições e mediações. E vive num espaço próprio. Não questiona parcialidades.

 

Descobriu – surpresa - que não é uma opção. Não sabia bem o que era. Vai ver a chuva também interferia na nitidez. Das conclusões. Até riu.

 

Olhou para dentro do terraço. Viu a casa. Os quadros. Os móveis. As fotos nas mesinhas. Parecia tão iluminada. Perfumada. Entrou. Continuou consigo mesma. Quase numa dialética enviezada. Não achava a saída. Se fosse um mérito – era minimizar o ser. E fazer dele um estar. Não era bem isso. Era muito além - disso.

 

Teve enfim uma mágica sensação de percepção. Riu. O telefone tocou. Era ele. Perguntou pelo cansaço. Pelo descanso. Pelo dia. Pela rotina mudada. Pela planejada. Até pela dispensada. Riram.

 

Entendeu. Companheirismo é ligação. Ergueu um brinde metafórico – às metáforas tradutoras da Vida.

 

Jogou um beijo em direção a ele.


 


Novembro 19 2009

 

Não podia ser denominada de decisão. Talvez nem de escolha.

 

Mas não. Discordava de si mesma. Foi uma escolha. Sim. E uma decisão. Sim. Era só uma questão de ordenação. E isso não é lá muito fácil. Enfim. Estava já ali. Deitada. Aguardando.

 

Procedimentos são assim. Uma vez deflagrados - seguem seus ritmos. E se tornam libertos. Independentes das vontades. Pelo menos das dela. Se de um lado sobrava autoridade - do outro sobrava – obediência.

 

Agora não era momento de rebeldia. Conclusão que a acalmou. Incrível. Mesmo sendo ela.

 

Lembrou da avó de uma amiga. Às vezes é preciso ceder para acceder, menina, às vezes é preciso ceder para acceder.

 

Não entendera esta frase antes. Naquele momento menos ainda. Sentia-se um pouco confusa. E o Tempo parecia se misturar. Mas apenas lembrou. E deixou lá. Estava realmente obediente.

 

Agora era enfrentar. E eis algo que sempre fez. Enfrentar. Poucos sabiam dos medos.

 

Muito se espantou quando ela comentou. Eu sei que você é frágil. E que tem pequenos e grandes medos.  Mas sei que finge bem – para muitos. E riu ao falar isso.  E com total e absoluta desenvoltura. Bem ao estilo. Sem preocupações eufêmicas.

 

Deve ter feito aqueles olhos de desenho animado. Devem ter saltado longe das órbitas. Se surpreendeu. Desde quando ficara transparente. Até se aconchegou com os cobertores. Assim. Como um reflexo medular. Mas não discordou. Ela a conhecia bem. Seria perda de tempo. E já estava com bastante problema de mistura de Tempos. Era suficiente.

 

Ela entrou. Foi avisando. Ordenando. Vai sim. Vai subir após este procedimento. São orientações a serem seguidas. Não um tema em discussão.

 

Aplicaram. Intramuscular. Doeu. Muito. Puxou para si o tal lençol branco. Avisou que ia ceder rápido. Sedada cedente. Este o último chiste. Para ele que a olhava – amorosamente - pálido. Muito pálido. E muito amorosamente.

 

Sentiu a mão dele - apertar a dela. Pensou no milésimo de segundo que restou. Há um especial “apiedamento” enlaçado com o amor. Ou o contrário.

 

Olhou para o lado. Tudo mudara.

 

Que terrível engano. Estava nos Alpes. O branquinho era da neve. Não tinha lençol. Que confusão que fizera. Deveria ser por causa da altitude.

Olhou para os pés. Os sapatos eram de solado grosso. Uma segurança. Evitaria que caísse. Estava com meias grossas. Sentia isso entre os dedos.

Olhou para baixo. Subira a três mil metros de altura.

E olhava o mundo do alto - envolta em silêncio. Absoluto. Sentiu uma paz enorme.

 

Quase reclamou. Foi um barulho forte.

 

Ali também se corrompia o silêncio. Surgiu um teleférico. Procurava ver de onde saíra. Mas não dava. Era longo. Percorria uma trilha estreita. A altitude tinha mesmo mexido com ela.

 

Agora estava dentro do teleférico. A cabine era ocupada por seis pessoas. Seis. Contou e recontou. Mas não sentavam. Ficavam de pé. Ela não conseguia ficar de pé. Somente ela. Obedeceu. A paisagem era linda.

 

Havia uma luz forte. Diante dela. A cada espaço branco – surgia um amontoado verde. As árvores brincavam na neve.

 

Estava há quatro mil metros. Mesmo não entendendo de números – sabia que estava muito distante. Do chão. Do lá embaixo. Mas se segurou numa gradinha. Como fora esquecer as luvas. A gradinha estava tão fria.

 

Sentiu um abalo. Alguém informou. Vai mudar de cabine. Não entendeu bem. Ia dizer que não queria. Sentiu que a mudaram. Ninguém parecia se importar com o querer dela. Enfim. Deve ser o estilo Alpino. Tentou rir.

 

Seu próximo texto seria sobre a altitude. Nunca imaginara sentir algo assim. E ainda disseram que era normal. Não sabia mais quem dissera. Mas registrara o comentário. E buscava entender o tal normal avisado.

 

Quase deu um pulo. O celular caiu. E junto com ele a câmera fotográfica. Que pena. Foi só o que pensou. Não teria como demonstrar. Não teria prova documental. Só das palavras.

 

Notou uma placa de cor marrom num ponto alto da montanha. Leu o que estava lá escrito. Este teleférico foi construído há cinqüenta anos. Alguém acrescentou - numa plaquinha ao lado. Em cinqüenta anos – apenas um acidente. Fatal. Para todos. Mais outro aviso. Este local está a quatro mil metros do nível do mar.

 

Ficou tentando compreender. Que mar. De que mar as pessoas falavam.

 

Sentiu um frio súbito. Escutou algumas vozes. Não compreendeu o que falavam. Devia ser algum idioma codificado. Coisas das alturas. Tentou rir. Ou riu. Não tinha certeza.

 

Viu que ele vinha de lá. Caminhando em direção a ela. E sorria - um riso solidário.Tentava lhe dar a mão mais uma vez. 

 

De repente - abriu os olhos. O lençol branco a envolvia. Ele a olhava - corado. E rindo.

 

Ela perguntou. Há quantos mil metros de altitude nós estamos.

 

Ele riu. Estamos no sétimo andar. Deixa de ser exagerada.

 

Deu-lhe um beijo. Ele disse. Com expressão de alívio conquistado. Ou Bem recebido. Felizmente acabou.

 

E aconchegou-lhe a mão – ainda um pouco fria – com carinho.

 

Ela nada contou. Ainda estava com muito sono. Mas sorriu ao ver um floquinho de neve passar - disfarçado - janela abaixo.

 


Novembro 15 2009

 

Nem acreditava.

 

Tantos anos sem praticar a  impulsividade. Teve um tempo que era atleta nessa modalidade. Ao menos assim considerava. Estilo medalha de ouro. Por certo não perderia uma maratona – caso houvesse uma. Ou restasse concorrentes.

 

Houve um tempo de ponderação. E nesse tempo a razão fez a regência.

 

Vai lá saber o que deu nesse dia. Uma revirada. Não diria reviravolta porque parecia não ter a tal volta. Vai ver foi um sonho cubista. Algo assim. Bem fora do habitual-recente. Provocou um momento de atenção. Um insight.

 

Quem sabe fez lembrar o tempo que escorre - por entre muros e dedos. Ou fez despertar para o meio tempo que a vida corre -  entre planos e promessas. Enfim. 

 

Nem lembrava mais do  estilo construído. E constituído. Havia esquecido esta parte. Sim. Antes era diferente. Sempre agia em comum acordo - com a  vontade. Mas já fazia tanto tempo. Nem dava para datar mais quando fora a ultima vez. Quando o impulso fora um ato realizado. 

 

Mas não importa. Nem o tempo surrealista escorre pra trás. Nem o para trás escorre no tempo realista.

 

Desta vez retomaria de onde parara. Seria - sem recuos. Melhor conceder um pouco de autoridade à ideia. Mas também não foi sem esforço.

 

A situação fez lembrar um dos conselhos da avó. E' sempre tão contraditória a manutenção das decisões, menina, é sempre tão contraditória a manutenção das decisões. Estava certa.

 

Acordar com a ideia. Decidir  como se decide um sonho. Sem a interferência do consciente. Eis um processo por si só - comprometedor. 

 

Mas ato e fato estavam destinados a uma parceria. Ao menos desta vez. Depois veria o que fazer. Caso surgisse algum tipo de impedimento. Ou de restrição. O depois deve ter sido inventado justamente para ser usado. Perfeito.

 

Conclusão definida.

 

Este o mês de aniversário dele. Desde o primeiro dia do mês fizera surpresinhas. Presentinhos. Colocados em lugares e horários especiais. Para tornar ainda mais especial a data. Todos sempre faziam piadinhas. Do quanto é bom fazer aniversario no final do mês. Mas para quem lhe conhece. Destacavam rindo. Tem muitos e muitos dias de presentinhos e pequenos mimos.

 

Enfim. Mas desta vez o desfecho será diferente. No dia exato estaremos lá. Comemorando lá.

 

Cedo telefonei para ela. Expus a direção. Ela foi logo avisando. Deixa comigo. Farei a parte braçal do plano. Desligamos rindo.

 

Não nego. Por um segundo o pensamento circulou pela cabeça. Um frio percorreu coluna vertebral. Não. Vou avisar que desisti. Que foi um acesso banal de insanidade. Temporária. Já estou curada.

 

Acho que ela lê pensamento. Mesmo à distância. Fui pegando o telefone para informar - já fui atendendo. Era ela.

 

Consegui tudo. Fica tranquila. Uma beleza de ideia. E a muito baixo custo. Perfeito. Anota o número do vôo. E imprime também o voucher do hotel. Boa viagem. Divirtam-se.

 

Sentei. Estava deflagrada a retomada da impulsividade. Que vengam los nuevos dias. Ri.  Três dias de festejos. Em terras para ele ainda desconhecidas. Uma festa diferente.

 

Mas sempre se sabe. Nada é perfeito. Aprendi rapidamente um novo axioma. Pelo menos - novo para mim. Rotina - tem este nome por que não admite surpresas. Nem perdoa impulsos. Assim. Simples.

 

Não teve opção. Agenda adiantada. Horários acrescentados. Jornada triplicada. Nada é depois. Outro axioma. Rotina entende até de antecipação. Mas nunca de adiamento. Foi um tal de acelerar e pré-estabelecer como nunca dantes imaginado.

 

E o corre daqui. Acelera dali. Retoma de lá. Aceita de cá.

 

Vencidas. A rotina. E eu.

 

E foi de repente que anunciei. Assim. Com ar de quem apenas sugere. Falei contendo o riso.

 

Este ano será estilo cumpleaños. Não. Não em casa. Será no Caminito. Quizá a Media Luz. Riu. Acho que até duvidou da própria escuta.

 

Entreguei os impressos. Riu de novo. Mas com olhos bem abertos. Adorou. Celebrou.

 

As malas já estão prontas. Como diz a canção: de tarde, té con masitas. De noche, tango y cantar.

 

 


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