Blog de Lêda Rezende

Fevereiro 12 2010

 

Trabalhar em Hospital como Pediatra da Emergência nos abre um mundo onde todas as possibilidades são viáveis.

 

Todos os pensamentos, por mais absurdos e sonhadores que possam parecer, sempre acabam minimizados diante da realidade criativa de um paciente ou de acompanhantes de paciente de Pronto Socorro!

 

Num plantão de 12 horas, que começa das 7h da manhã e vai até as 7h da noite, ao final do dia não tem médico que já não esteja esgotado e torcendo para que nada de mais grave dê entrada pela porta de vai-e-vem que dá acesso à sala de emergência.

 

Mas ...qual o que! É justamente no final do dia que tudo se avoluma. E a tal porta nem bem vai, já vem!

 

É sempre nos últimos minutos do segundo tempo, como diria um bom apreciador dos esportes, que lá se vem a porta.

 

E eis uma família composta por pai e mãe, uma ajudante babá, e um bebê de 2 aninhos de idade.

 

Todos reswidentes numa casa de dois andares comunicados através de uma escada que desemboca, digamos assim, na sala de estar.

 

Os adultos - auxiliados por um decorador - decidem fazer uma decoração extravagante em sua sala de estar.

 

Na lateral da escada colocam uma enorme pedra, sabe-se lá com que intuito decorativo. Talvez fingir que se vive numa montanha? Fingir que é a Idade da Pedra? Afastar maus olhados? Desconfortar visitantes indesejados sugerindo que nela – na pedra – se acomodem? Difícil saber a intenção.

 

Ou teria ele – o decorador - o nome de Herodes e estava praticando sua atividade profissional disfarçadamente?

 

Enfim, não se sabe nem se soube ao certo. O fato é que o bebê decide ele mesmo, por sua conta e autoria, descer as escadas sozinho. Sozinho no ato como o foi na decisão de descer.

 

E desce. Quase conseguindo quando, de repente, escorrega nos três últimos degraus. E cai. E bate a cabecinha onde? Na pedra. Sim, não tinha uma almofada. Ali, tinha uma pedra!

 

Um objeto inanimado de decoração. Aliás, um duro objeto inanimado de decoração.  

 

E lá se pôs o bebê a chorar, expondo assim a sua dor, como protesto indignado do propósito desconhecido do tal decorador.

 

Cena seguinte: bem no final do plantão médico de 12 horas.

 

Todos da família da pedra, aflitos, invadem como avalanche a porta de vai-e-vem, se esbarrando na que vem e recebendo de volta a que vai. Atrapalhados a correr e a pedir ajuda.

 

O bebê, sacudido na correria, carregado de qualquer jeito, apenas observa.

 

Em meio ao “vôo com turbulência” que faz do colo do pai para o colo da mãe, ele mexe os olhinhos – tranqüilo. Talvez numa tentativa de decorar, não a sala da casa como os adultos já o fizeram, mas decorar na memória todos os cenários e falas à sua volta.

 

Os adultos tentam explicar o que aconteceu. Tentam explicar a pedra. A escada. O susto. A decisão mal informada do bebê. Tentam explicar.

 

Não conseguem se dar conta do inexplicável de um acidente evitável.

 

Com seu pequeno “galinho” na testa, já sem choro e sem grito, ele, o portador efetivo do trauma decorativo, observa este mundo tão cheio de atrativos e emoções dos adultos.

 

Desprotegido por certo pelo decorador, mas protegido com certeza absoluta pelos Anjos, ele tenta entender se aquilo é um festejo ou um desespero.

 

Aprende bem cedo que entre um e outro a linha é bem tênue.

 

E quando vai fazer os exames específicos para resguardá-lo de algum risco, ri. Ri. Dobra a risadinha.

 

E todos acabam rindo também. Uns de alívio. Outros de cansaço. E ele, provavelmente e piedosamente, de todos.

 

Eram 7h da noite, fim de plantão  da equipe do dia na Emergência Pediátrica.

Quem eram as crianças?

 



Fevereiro 07 2010

 

Impossível. Algo deve estar errado. Deixa-me colocar outra vez.


É verdade. Confere. Pela quarta vez.


Nem boletim meteorológico seria tão rigoroso em relação à temperatura.
E ainda acrescento que a visibilidade está péssima.


Agora entendo o que significa não poder se mexer. Não consigo mover nem o globo ocular. Doeu só de pensar em globo. Lembrei daqueles globos giratórios. Girar é a última coisa que me arrisco a sequer imaginar.


E eu que me julgava tão imune. Agora aqui estou com esse calor todo. Vasodilatação acho que seria o termo correto. Quando me olho no espelho só esta palavra cabe. Vasodilatação. Doeu de novo. Porque dilatar implica em movimento.

 

Olhar no espelho. Até parece que tenho feito isso. Só se aqui tivesse um daqueles espelhos “motelianos”, no teto. Aí sim, eu poderia me ver. Com esse “motelianos” deu pra sentir que estou nada bem. Mas graças aos céus que pensar não precisa de movimento físico. Senão nem isso faria mais.


Pior é ficar aqui imóvel. Recordando todos os tipos de movimento existentes no mundo. Deve ter algo a ver com Sade essa situação toda. Lembrei dos malabaristas. Trapezistas. Comedores de fogo. Contorcionistas.


Acho que estou com delírio circense. Era só o que me faltava. E nunca gostei de circo.


Agora é só o que me ocorre. Nada mais interessante para pensar.


Ele está tão angustiado. Por me ver assim. Rubra-tórrida-imóvel.
Ele fica acordado quase toda a noite para ver se preciso de alguma ajuda. Está muito sem saber o que faz. Finge que está tudo bem. Até mais do que eu. Que estou fingindo que nem está acontecendo. Que a minha imobilidade é opcional. Ele nem sabe mais por onde começa o dia nem acaba a noite. Ou o contrário.


Sei lá mais eu.


E essa coisa de pensar em tempo também doeu. Lembrei dos movimentos dos ponteiros do relógio. Só não quero mesmo é ter que me mover. Estou fazendo agora um estilo hindu. Buda e eu estamos na mesma. Sorri meio amarelo. Mas - ao menos - sorri.


Lembrei do Egito. E pensar que sempre adorei o Egito. Região cheia de mistérios. Estilo megalomaníaco. A maior Biblioteca. Os maiores enfeites de deserto. O mais belo rio. A mais bela rainha. Tanta admiração. Tanta sabedoria. Não posso negar. Continuam na mesma linha. É verdade. Repensando. Nada mudou. Algo tão pequeno. Causando efeito tão estrondoso. E com sobrenome egípcio. Só pode mesmo ser da mesma linha de lá.


Acho que vou colocar de novo. Já estou viajando longe - e na imobilidade. Viva a memória e a imaginação. Quarenta. Quarenta graus. É. Agora está mais que explicado.


Temperatura e estilos egípcios. Só espero não virar múmia.
Consegui rir de novo. Essa de virar múmia foi terrível. Quarenta graus são mesmo complicados.


Nem vou contar a ele isso. Ele saiu tão preocupado. Melhor dizer que tudo está na mais perfeita e antitérmica ordem.


Estou mesmo preocupada comigo. Isso é lá metáfora que preste.


Mas como me dói tudo por aqui. Se me pedissem - mostrava um por um dos componentes do meu esqueleto. Todos estão a me dizer “estou aqui”. Os ossos. E como sinto. Sinto os músculos que os recobrem. Também um por um. Nem sabia que tinham tantos.


Agora até da mega-bela-rainha me lembrei. Ela e sua escrava fingida. Depois ela e sua escrava fiel. Depois ela e sua picada de cobra.


Melhor esquecer um pouco do Egito. Lá tem camelo. Não deve ter nada que sacuda do que subir num camelo. Agora sim. A dor não vai passar com este pensamento.


Tanto antagonismo é mesmo surpreendente. Uma letrinha e pronto. Mudança de dócil à dor. Um inseto. Um país inteiro ao dispor. Tantos músculos e ossos a compor um corpo. E a imobilidade é o que mais se consegue próximo a conforto. Isso está parecendo poesia de repentista.

 

De “repentista” aqui só o sono - que está chegando forte.


Já está na hora dele voltar para casa. Quando ele voltar vou estar acordada.


Vou me consertar na cama. Arrumar as ataduras. Digo - camisola. Guardar a tocha. Digo- termômetro. E sorrir bem tranqüila.


Quando ele voltar quero estar melhor. Bem melhor.


Com as letrinhas no lugar certo. E as idéias e a temperatura menos áridas. Digo - tórridas.


Ele odeia deserto. Gosta do mar. Quando ele voltar vou estar com jeito de praia.


Que barulho estranho.


Quando ele voltar... eu ... vou ...

 

 

publicado por Lêda Rezende às 13:51
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Fevereiro 05 2010

 

Por que será que me dá sempre vontade de escrever quando estou no trânsito. Um borbulhar de idéias.


E o pior é que o trânsito está mais que lento.

 

Não inventaram volante com micro acoplado. Apertava o botão e eis um teclado feliz aguardando ser tocado.


Teclado tocado foi até interessante. Não falei. Só tenho idéias no trânsito. Quando chego num lugar que posso expor some tudo. Parece mágica. Nem uma ideiazinha vem à mente.

 

E o teclado que poderia ser tocado fica solitário de dedos.

 

Ele pensa mesmo. Acredita. Que pode passar entre dois carros neste espaço tão exíguo. Desconsidera. O que falou que dois corpos não podem ocupar um mesmo espaço ao mesmo tempo. Não lembro. Mas quem falou se horrorizaria com o erro. Está me parecendo que não só dois corpos podem como três. Ao menos é o que procura demonstrar imediatamente. O rapaz da moto. Pronto. Lá se foi o retrovisor. Do carro ao lado. Odeio brigas.


Ele adora brigar no trânsito. Diz que não. Mas já vi de perto. Ergue os braços. Fala alto. Fica sério. Não fossem os vidros fechados e a dificuldade que ele tem em encontrar o botão elétrico certo, uma nova linhagem teria já sido publicada. Parece do juizado. São tantos os filhos que ele denuncia como de mães perdidas. Parece que a paternidade foi abolida de vez. E as Instituições para deficientes mentais. Muitas mais seriam construídas. Além do juizado ele também é do serviço de psiquiatria. Reconhece e dá o laudo em segundos. E isso dito em voz de tenor. Convence até ao relutante diagnosticado.


Sorri solta. Me arrependi. O motorista do lado me olhou. Temeroso e seduzido. Vai ver está pensando que sorri para ele.


E eu não quero sorrir para ninguém. Só quero um teclado acoplado ao volante. Para não perder a minha chance criativa.


Ele fala que sou criativa. Adoro quando ele fala isso. Me sinto genial. Vem rápido a vontade de escrever. De me publicar.


A fila está enorme para atravessar a avenida. Não entendo porque. O trânsito parado. Tantos esperar o sinal ficar verde.
As pessoas estão sempre esperando sinal. Para tudo. Para sentar. Para levantar. Para perguntar. Para responder.
Podem avançar, recuar. Mas vivem trocando os sinais.


Agora lembrei de mim. Costumo fazer isso. E ainda chamo de desobedecer ordens.
Me faço de rebelde em atividade. Ri de novo. Desde quando desobedecer ordens é trocar os sinais. Isso daria uma boa questão filosófica. Para ser escrita.


Como não tem micro aqui no carro vou acabar esquecendo.


Micro acoplado em volante nem opcional deveria ser. Deveria já fazer parte. Como pneus. Freios.


Ele me contou que dia desses estava dirigindo e pensando. Na auto-biografia. E em Inglês. Detalhava o passado em meio ao idioma estrangeiro. Talvez como estrangeiro se sentisse. Na revisão da própria vida.


Todos nós acabamos estrangeiros. Diante do nosso passado. Melhor pensar nisso com mais calma. Quem sabe está nascendo um novo texto. Que falta que está fazendo o micro no trânsito.


Que desperdício de pensamentos.


Comecei a rir de novo ao lembrar dele. E da auto-biografia. Nada a ver com a Lingua-mãe.
Essa coisa de rir no carro está ficando complicada. Ele me olhou de novo. Só falta agora pedir meu cartão. Ou me dar o dele.


Meu cartão agora tem o sobrenome dele. Deu para enganar ao mundo. É repetição. E agora me pego lendo o meu próprio cartão só para ver o nome dele ligado ao meu.

 

Acho que estou ficando com problema de lugar. Ri. Estou ficando. Quando foi que não tive. O problema. Não o lugar. Lugar sempre foi meu problema. Quanta confusão. Tudo porque não tenho micro aqui.


Ainda bem que o trânsito deu uma melhorada. Posso acelerar para chegar em casa. E ir correndo escrever. Todas as minha idéias.


Se elas se disfarçarem em silêncio, ou o silêncio se disfarçar em idéias, vou ficar muito brava.
Vou acender um incenso. Pode ser que o Universo me ilumine.


A conta da luz!


Acabo de lembrar. Não paguei. Pronto. Belo pulo que dei no carro. Ele agora deve estar pensando que faço sexo em banco vibratório. Já até me olhou diferente.


Estou no carro. Na rua. Com o trânsito parado. Vou querer trocar. Um banco vibratório em vez do volante ao micro, Serviria mais. Para esse outro tipo de idéia que está me ocorrendo.


Enfim o trânsito andou e ele sumiu. Deve ter virado a esquina. Hoje terá assunto para comentar com a mulher. Sim. Tinha a maior expressão de homem casado. Que busca assunto na rotina para se fazer novidade.
Coitado. E ela deve escutar pensando.
As novidades dela - ela não pode contar.
Sim. Ele também parecia com isso.


Ri de novo pelo pensamento maldoso.


Ri na hora errada.
Ou o pensamento é que estava errado.


Não fui eu quem estava desatenta. Foi ela. Veja bem o estrago que fez. Já é a terceira vez que fazem isso. Nestes dois meses.


Lógico que a senhora vai arcar com os custos. Ainda me chama de desaforada. Já me disseram, obrigada. Vou ligar sobre o orçamento.


Só me faltava essa.
Lá se vai agora uma semana de carro em oficina.
E eu sem as minhas idéias transitórias!

 

 


Fevereiro 01 2010

 


Como fui fazer isso. Sou mesmo imprudente.

 

Sempre me disseram isto. Minha avó me aconselhava. Prudência acima de tudo, menina, prudência acima de tudo. Mas nada. Estou sempre esquecendo os bons conselhos. Ao menos conheço muitos seguidores deste tipo de esquecimento. Mas agora não é hora para estatísticas. Estatísticas de nada servem. Só apontam. Não solucionam.


Não era ele. Mas como eu iria adivinhar se ele é quem chega esta hora e toca a campainha.


Ele tem a chave. Mas sempre toca a campainha. Deve ser para me escutar correndo pela casa. E abrir a porta sorrindo. Ele e a vizinhança toda. Sim. Corro bem rapidinho. Fazendo barulho para ele escutar.

Mas não era ele. Como explicar. Nem sei. Com a quase falta das roupas veio a quase falta das palavras. Bem existencialista. Pensamento cru. Nu. Ri da analogia.

 

Não é só o pensamento que está nu. Ou quase nu. Já é uma forma de vestir. Quase - veste muitas vezes - muito mais. Mas se não é hora para estatísticas, imagina para filosofia. Ri. Acho que ri. Correndo pela casa. Enrolada numa toalha. E abrir a porta.

 

Foi um dia tão árduo. Acabei de voltar do cumprimento do juramento. Hipocrático. E essa me acontece. Que situação. O olhar dela. Parecia que estava vendo um fantasma. Ele. Mal me falou de tanto que ria. Ele tem bom humor. Ou já se acostumou com meu jeito. Não desse jeito. Mas não complicou.

Tudo já estava complicado. O suficiente.  Ela ficou séria. Perguntou se eu estava com algum problema. Lógico que estou. Alguém sem problema sairia correndo pela casa para abrir a porta de toalha sem nem querer saber quem poderia ser. Não falei. Pensei. Não estava com este fôlego todo. Hipócrates ficou com a maior parte. Do meu fôlego.

Lembrei da frase dele – cada uma que se escuta.

Sorri educada. Educada. Esta palavra está em total desacordo. Com a situação. Ela deve estar com medo que seja algum mal de família. Ela sempre repete aquela frase. De por um levar todos. Ou por todos levar um. Já não sei mais. Deve ter também uma toalha em meu cérebro agora.

E tinha que acontecer logo com ela. Justo com ela. Sempre julgando. Analisando. Conferindo. Decidindo. Sempre séria. Humor difícil. Bom humor difícil. Vive apreensiva. É o que me parece. Mas não estou em condições de muita apreciação. Neste momento. Nestas horas é que discordo do pensamento do austríaco. Muitas vezes é exatamente como parece.

Lembrei daquele outro dia. Também mal tinha retornado. Já atendi ao telefone me nomeando propriedade de quem estava do outro lado da linha. Eu. Sua mulher. Falei assim. Em alto e bom som. E um riso anexado.

 

Onde já se viu. Nem esperei escutar direito a voz. E já fui com a oferta. E o sujeito entendia nada. Nem eu. Foi um suor. Esta é a palavra exata. Eu e o desconhecido a tentar adivinhar quem estava errado. Ou se havia mesmo um erro a ser detectado.

 

Isso sem falar num cliente. Chamei de meu amor. Novamente pelo telefone. Ele nem sabia mais se era meu cliente. Ou pior. Que tipo de cliente ele queria ser. Devo estar ficando compulsiva. Por telefone. Por estranhos. Ri.

E ele riu muito quando soube. Ele ri feliz porque só penso que é ele.

Não sou só imprudente. Sofro de mania de surpresa. Outra conclusão sábia. Só é imprudente quem sofre de mania de surpresa. Genial. Ele tinha me dito que só viria muito tarde. Mas eu achei que faria uma chegada inesperada. E lá se fui correndo dando asas e pés à imaginação. Só devia ter colocado uma roupa. Para não passar esta vergonha. Agora ficou parecendo letra de bolero antigo.

Conclusão rápida e certeira. Imprudência é estrutura. Quem é imprudente é no ato e no pensamento. Não entende a palavra combinado. Não existe combinado não alterável. Esse é o pensamento do imprudente. Vive de inesperado. Abre portas à toa. Nem sempre dá certo. Nem sempre o final é feliz. E sempre repete que vai mudar. E quebra o combinado consigo mesmo. Só não decidi se sofre mais ou menos que o prudente. Esse é um pensamento para outra ocasião. Com menos toalha envolvida.

Ela me mandou ficar à vontade. Não iriam demorar. Como assim eu ficar à vontade. Mais. É verdade. A falta de humor conduz ao pouco raciocínio. Isso deveria já ser um axioma. Ela sempre séria. Pouco ri. Também parece não escutar o que fala. Se me colocar mais a vontade que farei. A palavra escalpelo me veio. Ri. Dela. Lógico.

Muita observação. Para quem está na situação que estou. E na sala. No sofá da sala. No velho e bom sofá da sala. Qualquer dia escreverei. Sobre este bom amigo. Acho até que já escrevi. Só não sei onde está. O texto. O sofá e a toalha eu sei. Ainda. Sim. Com licença. Acho que este é o pedido inflacionado. Universalmente. Pedir licença. Pede-se licença. E, muitas vezes, pede-se a nada. Ou para nada. Nova descoberta.

 

Sou uma filósofa quando estou abraçada a uma toalha.


Chega. Ordenei ao meu cérebro. Sossega. Chega. Já me basta a bizarra situação.

 

Melhor colocar uma roupa. Sem correria. Mais conveniente ir andando. Bem devagarinho. Até o quarto. Como se uma lady antiga fosse. Pensei em falar algo bem profundo. Uma explicação bem profunda para a situação ficar desculpada. Vieram mil idéias. Estava lendo Filosofia Alemã e esqueci de vestir a roupa. Estava pensando em fazer uma meditação zen budista e nem deu tempo de vestir a roupa. Escutei a campainha tocar e achei que era ninguém e vim confirmar.Mas nenhuma destas frases me parecia adequada. Ao inadequado da situação. Mais existencialismo. Se falar muito acabo é internada. Interditada. Algo por aí. Melhor dosar bem as palavras. Já basta a tal toalha.

Já vão. Tão rápido. Não. Já tomei banho. Quer dizer, ia tomar banho. Não. Estava saindo do banho. Nossa. Quanta confusão. De repente me parece que o mundo gira em torno de uma toalha. Está bem. Voltem sempre que quiserem. Adoro ver vocês por aqui. Que bobagem. Não precisam avisar.


Estava aguardando seu telefonema. Eu estou ótima. Só com um pouco de calor. Vou tomar um banho. Já que a toalha está tão à mão. Não. Esquece. Depois explico. Melhor usar a chave de agora em diante. Ou vai ficar na porta. Esperando eu me arrumar. Com direito a salto alto e blazer. E passos suaves. Nada mais de correria. Prudência, prudência acima de tudo. Meu novo lema. Como assim não está entendendo a minha fala? Ri. Depois vai entender.

 

publicado por Lêda Rezende às 20:44
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Janeiro 25 2010

 

Nem acredito no que estou vendo.


Não é que é ele ali?

 

Nunca venho aqui e justo hoje tivemos que vir os dois. E ainda tem esta fila que não anda. Nem a minha nem a dele. Queria saber mais geometria.

 

Estamos num paralelo ou numa perpendicular? Já esqueci disso tudo. Também vê se isso é lá pensamento para me deter. Pior é encontrá-lo aqui, assim, ao vivo e de corpo inteiro. Sempre o vi pela metade.

 

Será que o mundo foi construído no tempo em quem um caixa digitava as compras?

 

E pensar que nem Roma foi construída em um dia! Devia ter caixa e computador lá também. E duas, provavelmente.

 

Ele continua olhando. Será que me reconheceu ou está pensando que sou outra pessoa? Ou pensando que sou outra e se também vizinha dele?

 

Deve ter mais vizinhas que ele fica olhando, afinal, tem que revezar o turno e as pessoas.

 

Todos trabalham, acho que só ele não.

Será que aquela senhora vai demorar muito retirando as compras do carrinho? Talvez eu devesse ir ajudá-la, mas vai lá que ele pensa que eu estou desfilando para ele.

 

Deve ter mil taras, sempre soube que uma tara puxa outra.

 

Ainda bem que aqui está bem cheio de gente, se ele se atreve a alguma coisa dou um escândalo.

 

Ele iria adorar se soubesse que enfim eu dei um escândalo por me sentir ameaçada.

 

Mas será que eu daria mesmo? Acho que as ameaças acabam por me paralisar. Belo diagnóstico: ela sofre de paralisia de ameaça. Ridícula mesmo eu. Na minha idade e com uma paralisia destas. Devia era me envergonhar.

 

Ele está olhando de novo, agora sinto o olhar em meu cabelo. Que vontade de passar a mão na cabeça, mas ele vai achar que estou sabendo para onde ele está olhando. Tenho mania de pegar meu cabelo. Desde pequena faço isso.

 

Ele tem razão quando fala que não cresci.
É verdade. Ou cresci conservando o que não devia. As manias, os medos.
Queria que ele estivesse aqui comigo, mas ele não viria, não quer que sejamos vistos fazendo compras como casal casado. Mas bem que eu gostaria de mostrar a ele o tal vizinho.

 

Essa fila parece que vai durar a vida toda. Ele está agora bem atras de mim, acho que de uma perpendicular...ou seria uma diagonal? De nada adiantou estudar tanta geometria, numa emergência de descrição, sumiu tudo.

 

Quem mandou aquela moça desistir do lugar? Agora sim, estamos mesmo perto.

 

Será que tem algo de errado com meu sapato?
Ou será que a outra tara dele é podofilia?

 

Será que não tem gerente aqui? Alguém tem que vir ver o que se passa com este computador. Será mesmo tão difícil vencer de uma máquina?

 

Então ele gosta de comer saladas, não é? Só tem salada naquele carrinho, parece a selva. Deve ser para não engordar e não cair da janela.

 

Quase ri agora pensando nele gordo se espremendo na janela para olhar a vizinhança.

 

Sim, porque agora tenho certeza de que ele faz isso com toda a vizinhança.
É um tarado público. Um tarado com olhar promíscuo.

 

Pronto, agora ri mesmo.

 

Ele nem vai acreditar quando eu contar que fiquei tão perto do vizinho. Pior que vai me perguntar como o reconheci tão rápido se é ele quem me olha e não eu para ele. Agora ele está ficando meio ciumento. Ou finge, não sei. Ele é tão seguro.

 

Acho que vou desistir desta fila. Mas sempre tem aquela coisa de quando se troca de fila ela anda e a que vamos para. Ele agora está também olhando para o meu carrinho. Vai pensar que sou alcoólatra, porque só tem bebidas. mas estavam na oferta e não quis perder, afinal o inverno está chegando.

 

Mas o que estou eu fazendo? Me explicando para ele em pensamento? Compro o que eu quiser e que cada um pense o que quiser.

 

Ele iria dizer que sou desaforada. Adoro quando ele me diz isso. Me sinto tão corajosa. Acho que ele fala para me estimular, ele bem sabe que sofro daquela paralisia que não quero repetir o nome nem em pensamento mais.

 

Até que enfim a fila começou a andar. A dele ainda não. Ótimo, assim saio antes dele e desapareço. Ele não vai saber por onde vou. Que bobagem. Se ele sabe onde moro por que iria querer saber um simples roteiro de acesso?

 

Adorei meu Português agora. Preciso falar sempre assim.

 

Mas que azar o meu. Agora é ele que está na frente.
Pronto.
Ele já se vai agora.
Vou fingir que não vi que ele está olhando para trás.
Pronto.
Se foi.

 

Voltou. Voltou? Porque será que voltou?

 

Ah! Esqueceu um pacote. Está falando com a moça do caixa.
Ficou de frente para mim.
Me olhou. Devolvi um olhar bem sério.

 

Mas... não acredito no que estou vendo, todo esse tempo eu aqui indignada e:
o “vizinho” não é o vizinho!

 

 

publicado por Lêda Rezende às 23:59

Janeiro 23 2010

 

 

É. Estou muito cansada.


Tanta coisa a fazer e não consigo me mover daqui. Deitada na cama, janela aberta.

 

Olha o que descubro. Bem ali. Pendurado e disfarçado. O vizinho.

 

Esgueirado. De olho em meus movimentos. Como se algum movimento eu fosse fazer. Vai ver está esperando eu mudar a roupa. Eu que nem consigo trocar sequer a perna de lugar.

 

Vai ter muito que esperar.

 

Algo se moveu. Será que o vizinho percebeu. Movi os músculos do rosto pensando: é essa “ansiedade bancária”. Toda vez que vou ao Banco, lá se vai mais cansaço. Duplo. Com direito a juros.

 

E a gerente. Ela vai começar a fumar dia desses. Vive esperando depósito e só recebe expósito. Expósito foi perfeito. Sorri de novo.

 

Desta vez acho que ele viu porque levantou um pouco o corpo. Vai ver acha que tem mais alguém aqui alem de mim. Aguarda alguma sessão de sexo explícito.

 

Já estou começando a ter pena dele. Está em pior situação que a minha. Eu, ao menos, sei porque estou aqui imóvel, rindo e pensando. Ele depende de mim para se mover, rir ou pensar.

 

Depende do espaço da janela e do alcance da visão. Vive da expectativa da oferta do outro. Que nem para ele é!
Coitado.

 

Lembrei dele. Será que está pensando onde estou. Me supondo a descer e subir de prédios. E eu aqui. Deitada. Com vontade de fazer nada.

 

Ri novamente.

 

Ele e o vizinho estão a esperar meus movimentos. Nunca pensei que um dia alguém iria esperar os meus movimentos. Justo os meus. Eu que nem dançar bem sei.

 

Até um frango morto espera meus movimentos. Está lá. Esperando os temperos para se re-transformar.

 

Aquela pia da cozinha está me irritando já. Pratos e copos se espremendo. Cheiro de alho. Facas. Hoje tudo está a depender dos meus movimentos. Assim vou acabar paranóica.

 

Ainda bem que o telefone avisa que tem zero recados. Se ninguém se movimentou para mim, não preciso me movimentar para os outros.

 

Quero me arrumar. Para quando ele chegar à noite. Gosto quando ele chega. Vai me pedir um vinho e vai me dizer que o serviço está cada dia pior. Aí vou rir solta. Vou levantar e trazer a taça com aquele líquido que tem a cor do calor do deserto. Ri de novo: eu a as minhas metáforas. Desde quando calor de deserto tem cor.

 

Pena que a esta altura, quando ele chegar, o vizinho já se foi.

 

E se ficou, vai se assustar. Vai pensar que de tanto eu ficar aqui deitada nasceu barba e pelos nas minhas pernas.

 

Ri de novo e desta vez olhei sério para ele.

 

Deixa só ver quando der com a testosterona substituindo a inércia.

 

Acho que eu deveria colocar uma música. Nada me ocorre agora além de um canto gregoriano. Não consigo encontrar. Também vivo trocando disco e capa. Que nem faço com a vida. Quando uma coisa pode ser encaixada, falta a caixa. Quando acho a caixa, a coisa já se foi.

 

Caixa me lembra o austríaco, objeto bem feminino.

 

Ele quer me dar uma caixa de música. Adoro caixa de música. Mas ainda não me deu. São tantas as caixas que já tenho sem nada para colocar dentro. Pelo menos esta já viria com a música colocada.

 

Bom, mas isso não dá pra resolver agora. Ainda tem o frango. O vizinho. O canto gregoriano. As pernas para mover.

 

Depois decide-se o que mesmo se coloca dentro. Ou se deixa de fora. Anda tenho que escrever um texto. E nem quero pensar em arrumar letras e frases. Citar filósofos. Imaginar o outro lendo. Me submeter ao olhar do outro com humildade mais que cristã.

 

Será que existe essa humildade. Talvez menos que cristã seja mais que cristã.
Pronto. Nem eu entendo mais o que penso.

 

O vizinho ainda está lá. Agora que vejo que ele não é tão jovem.

 

Trocamos de posição. Eu que o estou a observar. Tem cabelos grisalhos. A camisa colorida até que dá a ele um brilho de movimento. Ele se incomodou com a troca de posição. Está desconfortável e disfarça.

 

Mas vou ter mesmo que ir fazer o frango ficar feliz. Lamento, vizinho, mas um frango ficará feliz por ter morrido para ser comido gostoso e você vai ficar infeliz por ser deixado sem gosto em meio à vida.

 

Parei em meio ao levantar: coitado do frango. Precisou morrer para ser comido gostoso. Bom, melhor ir cuidar da felicidade do frango e deixar as digressões para depois. Já está na hora dele chegar.

 

E aí quem vai ficar feliz e bem viva sou eu.

 

 

publicado por Lêda Rezende às 12:21

Janeiro 16 2010

 

Tomei a decisão de uma sentada só. Vou sim. Vou fazer uma reforma radical. Facial.

 

Indicaram um cirurgião, daqueles que só se vê em cinema, quero dizer, que são para as atrizes de cinema. Famoso. Excelente. Respeitado. Acho que até condecorado. 

Coragem. Agendei.


Lá estava eu sentadinha na sala de espera. Tinha planejado ir bem arrumada, salto alto, blazer, tudo que dá o toque mágico e acesso direto para sentar num lugar daqueles.


Não deu certo. O trânsito emperrou, o tempo voou e lá se fui do jeito que estava trabalhando. Com a realidade explicitamente estampada na face e na roupa.


Após me identificar arrumei um lugarzinho mais discreto a aguardar o chamado.

Já me senti - de imediato - diante de um possível chamado divino. era de maravilhar a imponência do lugar. Melhor até dizer Lugar. Ali nada cabia em minúscula. E quase ri quando pensei nisso.


De repente - em minha direção - veio uma mulher alta. Formas voluptuosas - como diriam os italianos caso a vissem. Usava uma calça justa preta. Botas de salto alto. Blusa também preta e curta - com um decote que ratificava a correção do meu pensamento anterior. Nada ali era para ser citado em minúsculo.


Olhei para ela enquanto ela escolhia um lugar, digo, Lugar. E escolheu bem ao meu lado.

 

Pensei cá comigo: mas com tanto espaço por que eu teria que servir de contraste. Mas tudo bem . Passou. Foi só um pensamento fugidio.


Aliás - eu deveria ter agido igual ao pensamento e ser eu a fugidia. Muito mais me esperava.

 

Ao meu lado sentou-se a enfim a tal mulher alta. Os cabelos longos eram enfeitados com alguns fios cobre. Uma farta franja recobria-lhe a testa.

 

Mas - eis que mudou de idéia. Levantou-se e foi até uma maquina de cafezinho. Não - foi engano. Voltou.

 

Era um novo tipo de mulher. Mulher atual. Lábios grossos – preenchidos. Glúteos erguidos – reforçados. Peitos mais erguidos ainda – complementados. Pele facial hirta – paralisada.


Atendeu o celular. Notei que havia um esgar lateral mais forte do lado direito. Ela se esforçava - acho eu - na adaptação do novo e provavelmente invejado preenchimento labial.

 

Fosse a minha avó viva chamaria logo de beiçola e estava resolvido o assunto. Mas esta palavra também não cabia num Lugar como aquele.


Percebi que ela me olhou e olhou para o outro lado dela. Daí notei que tinha uma outra mulher sentada. Esta sim - com proporções bem expansivas. Sem nenhuma avareza em termos de dobras por sobre a calça que usava. Tentava disfarçar com uma blusa preta e mais solta. Mas o tecido foi mais avaro que as formas - e muito ficou exposto.

 

Parecia um pouco tranqüila. Até quando olhou para a mulher de cabelos com fios de cobre e em maiúsculas distribuidas pelo corpo. Dai modificou a expressão. E tentou se acomodar melhor na cadeira. Me pareceu que queria sumir. Difícil.

 

A mulher dos cabelos de cobre que minha avó teria praticado a desfeita terminológica, após olhar para um lado e outro, (entenda-se a moça das sobras de um lado e eu que era só faltas do outro) deu um sorriso tranqüilo e feliz. Estava maravilhosa.

 

Sentada - com a coluna ereta - desconsiderou um encosto bem acolchoado do sofá de couro e abriu um livro. Vi o titulo. Procedia.

 

Olhei para a minha frente. Lá estava sentada uma outra moça magrinha. Tinha o rosto recoberto por uma pasta branca. Pensei. Esta será responsável por muitas noites minhas de insônia. Me auto-recriminei. Não se faz assim com quem está muito mais disposto que exposto. Ou vice-versa.


Escutei meu nome.


Era chegada a minha vez. Uma mocinha sorridente me orientava o caminho. Lembrei da letra de uma música antiga. Algo como “talvez a derradeira noite de luar”. Pensei tudo isso em segundos. Subi as escadas e fui atender ao tal chamado divino que até meu nome já sabia.

 

Diante deste novo Deus, que modifica o que o outro insistiu em fazer, e que recria sem quebrar costelas nem multiplicar pães, me sentei. Falei o que me incomodava.

 

Modesta eu.


Porque ele foi rápido. E apontou - olhando o meu rosto. E com a avidez de um tomógrafo. E parecendo pasmo com a minha modéstia foi perguntando. E ali, e lá e mais aquilo e mais isso não lhe incomodam.

 

Me vi diante de um rosto que não podia ser o meu. Não me vi diante porque sequer me arrisquei a me olhar. Melhor dizer que me imaginei.

 

Levantou. Eu o segui com o olhar. Era alto, elegante. Mas o que mais me chamou a atenção foram os sapatos. Belos. Só me distrai dos sapatos porque notei a testa. Fronte lisa. Como se diria isso em latim - pensei. Porque a testa dele merecia uma citação em Latim. Ou Grego. Na impossibilidade desta tradução me contive e me detive. Ou me abstive de qualquer comentário.

 

Não importa. Importa que - apenas com o olhar - ele já havia me desfeito e me refeito. E eu mal me sentara diante dele.

 

Foi incisivo. Nada de cosméticos mais resolveria. Ousei citar um outro método também utilizado. Quase riu.

 

De nada adiantaria. Era cirúrgica a questão. E nada de poupar áreas. Todas estavam comprometidas. E muito. A gravidade cumprira muito bem seu propósito. Teria salvação. Mas só com a reconstrução.


Pegou um papel, fez contas. Anotou números. E me entregou. E me deu um conselho. Passe a noite olhando para o seu rosto.


Olhei para o dele. Olhei para os olhos. Para a testa sem citação em Latim nem Grego. Para os sapatos dei só uma passadinha de leve. E respondi.

Se passar noite olhando para o meu rosto - pela manhã troco de especialista. Procuro um psiquiatra.


Agradeci. Sorri. Desci. Olhei a sala. Os pacientes.


Era um novo planeta. Um novo Deus. Criador e criaturas ao alcance de um papel com números.

 

Este dava um papelzinho com números. O Outro podia até ter errado - mas ao menos não me deu um papelzinho. Talvez mais sábio. Vai lá saber o que pode fazer um insatisfeito.


Decidi. Ainda não. Por enquanto vou ficar no mesmo planeta. Vou recorrer as alternativas. Lembrei da amiga que me disse um dia que eu adoro alternativas. Estava certa. Está certa.


Quem sabe daqui a alguns anos - se a gravidade me permitir ao menos enxergar.

 

Sorri.


Joguei o papel fora e voltei para casa.

 

Não sei se triste, resignada ou feliz. É preciso um tempo maior que uma noite para se saber. Mas - pelo menos - voltei sem a tal aconselhada tarefa noturna.


Brindei às habituais.

 

 

publicado por Lêda Rezende às 10:23

Janeiro 15 2010

 

Ela precisava de ajuda.

 

Morava em cidade de grande porte. E do referido Primeiro Mundo. Assim. Com iniciais em maiúscula. E ainda tinha uma função prioritária de chefia. Em um Banco só de alto e altíssimo escalão. Mundial. E de empréstimos concedidos a empréstimos impedidos – chegou a vez dela.

 

Não em termos de empréstimo material. Nada relacionado a juros. Muito menos a taxações. Sobre este aspecto ela sempre esteve do outro lado da mesa. Com outro tipo de caneta nas mãos. Até com outro rigor nas mãos. Longe de tremores e solicitações. Enfim. Disso ela estava acima.

 

Mas precisava. Eis o que não há dispensa em momento algum da vida. Seja em que número de mundo for. Não importa. Sempre há esse tal de precisar.

Fosse unir todos os avisos de - precisa-se - e mil volumes não dariam conta.

 

Neste momento parece que o teto desaba. Ao menos o teto da auto-suficiência. Desaba e expõe os pedacinhos. Ou em pedacinhos. Para que possa ser lido sem desculpas. Auto- suficiência não existe. Este aviso sim. Cabe na palma da mão. Não se faz necessário sequer um mínimo volume. Quando o aviso se pendura diante de algum incauto – o susto é proporcional.

 

Ela que nunca havia sentido a sensação – desta vez sentiu. Há sempre algum precisar. Daria até uma letra de música. Com refrão e tudo.  

Ficou pasma. Apavorada. Preocupada. Tivesse ela com uma daquelas canetas nobres nas mãos e teria - talvez – tremido. Talvez mais a caneta que as mãos. Vai lá saber.

 

Mas concluiu. Preciso. Se não – impossível continuar.

 

Mais uma vez deu de encontro com as ideias. Não o tão intelectualizado Mundo das Ideias. Este ela também dominava. Desde sempre.

Desta vez era mais conclusivo em atos e fatos que em pensamentos e elucubrações. Sem cavernas nem mitos. Sem ágapes e encômios. Eram simplesmente as ideias do mundo. Prático.  

 

Fosse um mundo de primeira. De segunda. Reciclado até. Não importa. Pode mudar a cor da pele dos habitantes. O idioma. O sotaque. Pode vir com o mais fino gestual. Ou o mais desavisado levantar de braço. Importa menos ainda.

 

Uma mulher. Um cargo. Uma função. Perfeita em tudo. E filhos. Claramente – duas filhas. E férias escolares. Alguém tem que ficar com as crianças. Este o primeiro postulado que entendeu de uma só tacada. Sem revisão de literatura. Sem mestrados ou doutorados. Precisa-se de.

 

Iniciou o processo reflexivo. De onde. Por onde. Até onde. Não faltaram interrogações. Desta vez do lado dela da mesa.

 

Para ela que vivia a responder interrogações com exclamações e pontos finais – eis uma etapa complicada a ser vencida. Poderia até dizer - aprendida. No sentido de aprendendo.

 

Mas conseguiu. Com todas as referências positivas - contatou com ela. Residente em um Mundo já com outra numeração.  

 

Como dizia uma certa avó amiga. Todo ato tem sempre duas faces, menina, todo ato tem sempre duas faces.

 

E ai foi a vez da face do outro lado.

 

Morava no tal Mundo de numeração desfavorável. A casa ficava num local que dificilmente chamariam de bairro. Tias. Primos. Todos disputando o pouco ou o muito de liberdade espacial. Nem tudo é realmente como parece. E lá nada parecia com o tal realmente.

 

Enfim. Foi convidada. Gostaria que viesse me ajudar com as meninas.

 

Aceitou.

 

Nunca havia escutado sequer outro idioma. Muito menos sentido frio. Frio de verdade. Com neve até os tornozelos. Assustaram. Imploraram. Falaram dos mil e um perigos daquele tal Mundo de numeração privilegiada.

 

Mas ela não era de se assustar muito fácil. Concluiu com a sabedoria do experiente.

 

Se lá tem gente viva – por que eu não poderei também viver.

 

E arrumou o pouco que tinha dentro de uma mala enorme. A única que conseguiu. Vai ver para caber um pouco da coragem. Esta sim – transbordava.

 

E lá foi. Trocou de avião três vezes. As escalas e conexões eram já no tal idioma desconhecido. Mostrou papeis com números e siglas. Apontou. Se fez de surda. Se fez de muda.

 

Se os surdos-mudos viajam – também poderia ser surda-muda por algumas horas.

 

E de conclusão em conclusão - chegou.

 

De um lado - lá estava ela em pé. Solta em meio ao saguão. Uma mala enorme. Vazia de pertences. Mas com excesso de feliz orgulho próprio. Vencera. Sozinha.

 

De outro lado – lá estava ela meio em pé. Encostada numa coluna. Uma pequena valise. Lotada de documentos. Mas com falta de feliz cumplicidade. Lutara. Sozinha.

 

Pela primeira vez ela se viu do outro lado da mesa. Da tal mesa do Banco. Onde ela passava todo o dito horário útil. E observava rapidamente as pessoas à espera de uma exclamação. Agora parecia uma troca. Sentiu-se do lado de quem pede. E reverenciando o lado de quem concede.

 

Apresentaram-se e abraçaram-se. Seguiram para casa. Antes encontrariam as meninas na escola.

 

Estava iniciada a nova função de uma. E a manutenção da antiga função da outra.

 

Nevava. Cada qual parecia em estado de tranquilidade com seus pensamentos e palavras. As obras - talvez estivessem por conta dos lados da mesa.

 

Uma precisou e pediu. A outra arriscou e concedeu. Ambas vivendo um inaugural em suas vidas. A ordenação dos Mundos desconsiderada. Uma nova compreensão - construída e assimilada.

 

E a mesa – subitamente – pareceu ficar redonda.

 

 

publicado por Lêda Rezende às 10:53
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Janeiro 11 2010

 

Ele aceitou de imediato.

 

Vamos sim. Há muito não jogo. Devo estar fora de forma. Mas recupero. A quadra está bem escolhida. Aceito sim. Certo. Hoje excepcionalmente no final da tarde. Os três. Combinado. Mas fica então este outro horário uma vez por semana. Perfeito.

 

Seguiu-se um rápido processo de escolhas. Compra de material necessário. Os velhos equipamentos envelhecidos pelo desuso – não mais aceitavam ordens. Digamos assim. Carregados de entusiasmo - compararam. Selecionaram. Esta marca é ótima. Este tamanho está adequado. Este horário fica então reservado.

 

E o que era apreendido num dia a dia de insone tensão - se reverteu em tranquila programação. Da cumplicidade. Da lúdica contradição com a própria lógica.

 

E lá veio o dia exato. Já com o processo estabelecido. 

 

Pela primeira vez em muito tempo conferiu - expectante - a meteorologia.

 

Nada de chuva. Frio é o de menos. Acesso é um tanto faz. Não importa. O horário. Este sim – privilegiado. Já começou ganhando. Chegou cedo. Antes do agendado. Procedia.

 

Iniciou rindo e rindo continuou. Concentrou. Desconcentrou. Perdeu. Ganhou. Assim. Compromissado consigo mesmo. Um jogo compartilhado – mas solitário nas decisões. Mas nem por isso menos dividido. Uma magia.

 

O local ficava no alto de um prédio. A vista era espacial e especial. Tão especial como o recém adquirido entusiasmo. Parecia que céu e terra se moviam a favor. E deixavam que o corpo brincasse com a posse da nova sensação.

Entre saltos e braços erguidos. Entre saques e rebaixamentos. O mundo traduzia – inocente - as condições normais de temperatura e pressão. Uma filosofia se fez requerida – e respondeu presente. Perfeito.

 

O formal e o ritual se fazendo e se desfazendo. Dentro de cada tempo. E de cada um. Quase nivelado num mesmo simbólico. Compartilhado num mesmo real. O Imaginário tratado como deve ser tratado.

 

Combinado. Semana que vem tem mais.

 

Impossível não observar.

 

Vai ver foi o excepcionalmente. Muitas vezes uma única palavra pode produzir muito mais que centenas de atos seqüenciais. Ao menos foi o que pareceu. Ou ficou sugerido. Dava até para relembrar o mestre austríaco. Ou o mestre francês.

 

Impossível não questionar.

 

O que provoca um riso especial.  Mais que o riso. Sobre o riso já tem tratados suficientes. O que provoca um entusiasmo. Ai sim. Uma questão quase mítica. O que faz alguém - de repente - entrar numa sincronia de festa. Num ritmo de projeção.

 

Pode-se até não saber por onde começa. Mas entende-se por onde percorre.

 

Percorre toda a força da emoção. E se instala no corpo. Quase um enlaçamento. Mas como algo do instante. Subitamente. E sincronicamente.

E no instante exato o corpo sabiamente acolhe. Numa obediência de rebeldia desconhecida.

 

Diferente de um corpo a caminhar correto e linear - ele se expande. E se proclama.

 

Impossível não compactuar.

 

Ele sempre cuidadoso. Atencioso. Muito mais do que se comportava - assim se portava. Rigoroso. Executante. E sempre ativado. Censor e sensor de si próprio. Órfão auto-imposto de desculpas e perdões.

 

Mas desta vez foi diferente.

 

Desde o momento em que o convite foi formulado. Desde a primeira sugestão. Escutou.  Aceitou. Assim. Simplesmente. Sem maiores ou menores comprometimentos.

 

Como requisitado de fora de si mesmo. Ou adequado para dentro de si mesmo. Não importava.

 

O riso se fez claro. O projeto se fez objetivo. E a participação se fez efetiva.

Reorganizou a rotina. Revirou a memória. Aqueceu os músculos. Reconsiderou os limites. Dispensou banalidades. Repensou no já sabido. Recusou acertos com a estrutura.

 

Saiu - ao final de mais um dia de trabalho - dono de si mesmo.

 

E lá se foi junto com eles. Vai lá saber quem primeiro ergueu o braço. E deu o primeiro saque. Depois de tantos anos. Despertando antigos referenciais. E rindo dos erros e acertos - cada um se fez Presente. Passado. Futuro.

 

Estava confirmada mais uma nova etapa.

 

Se Alguém num acesso de curiosidade olhasse lá de Cima – certamente iria desejar descer. Entre raquetes e risos a Vida parecia regida de forma coerentemente perfeita. 

 

 


Janeiro 07 2010


A decisão foi ótima.

 

Sim. Café da manhã ao estilo oriental. Nada do habitual ocidental. Sem horários e sem tarefas. Maravilhoso. Um contraponto à realidade da rotina. Com o passaporte imaginário de turistas. Pelo menos esta a intenção.

 

Perfeito. Viva a Liberdade. E com a cidade esvaziada. Tudo bem mais fácil e bizarro. Como uma excursão dentro de casa. Mais ou menos assim. Vamos ver os contornos como dificilmente o fazemos. Rimos. A Filosofia realmente é dependente do nada-braçal. Assim ele arrematou o discurso.

 

Já acordamos comemorando a temperatura. Sem mangas compridas. Sem botas. Sem casacos. Uma verdadeira libertação. Ao menos de braços e pernas. Rimos e saímos.

 

Já na descida sentimos o ambiente modificado. A ladeira vazia. Só um ou outro passinho provocava eco. Muitas lojinhas abertas. Poucos visitantes lá dentro.

 

Descemos para o nosso percurso sobre trilhos.

 

Desta vez não estava lotado. Assentos vazios se dispunham como ofertas simbólicas. Em todos os espaços. Era um final de feriado prolongado. Por certo muitos haviam saído da cidade. Trocas se fizeram. Lotaram as estradas. Os aeroportos. Os caminhos de subida e descida. E deixaram os da rotina esvaziados. Procede.

 

Tudo se passou com a rapidez de um virar de cabeça. E invejei ferozmente os artistas plásticos. Um mínimo de dom. E poderia repassar toda uma emoção.

 

Por que aquela composição merecia uma tela.  Até um óleo sobre tela.

 

Ela parecia bem envelhecida. Muito mais que a cronologia. Sentada - diante de si mesma. Uma sacola preta – parecendo pesada - estava aos pés dela.

Talvez amparando mais do que amparada. Usava óculos de lentes mais espessas. Os cabelos iam até os ombros. Lisos. Desalinhados. Fios brancos cruzavam através de fios tingidos. Sem maquillage. Não parecia sofrer deste dito grande problema. A mal falada vaidade.

 

Vez ou outra arrumava a bolsa preta - também envelhecida – no colo.

 

Desconfiada talvez do clima - portava um cachecol. Leve no tecido - mas pesado na cor. Azul escuro. Caia sobre uma blusa branca com botões pretos. A saia preta se unia ao preto gasto dos sapatos. Assim estava ela. Sentada.  

A expressão era misteriosa. Não sei se feliz. Se preocupada. Ou se até ausente em pensamento. Apenas estava sentada. E cuidava dos poucos pertences. Mas também de forma algo displicente. Não parecia cuidadosa. Nem consigo mesma. Nem com os objetos.

 

Ele estava sentadinho ao lado dela. Deveria ter talvez oito anos. Magrinho. Cabelos castanhos cortado bem curtinhos. Mas que não impedia que uma franjinha de raros fios lhe caísse pela testa. Talvez ainda não conhecesse a prudência da desconfiança. Estava com uma bermudinha vermelha. Uma camisetinha de mangas curtas branca. Um tênis. Meias curtas branquinhas.

 

Foi um instante especial.

 

Ele olhava em frente. Caladinho. Mas notei que ergueu um pouco os olhinhos. Como se uma lembrança boa o tivesse visitado. Um possível pensamento surpresa. Naquele especial instante.

 

Abriu mais os olhos. Acomodou-se melhor no assento. Virou-se para ela. Que continuava olhando para frente. Mesmo que na frente nada pudesse ver. Só uma janelinha que passeava pelo percurso escuro.

 

Mas ele a olhou. Deu um sorriso leve. Sorriso de criança. Feliz.

 

Passou o braço por dentro do braço dela. Se amparou um pouco. Fez uma expressão especial. Um sorriso. Um meio sorriso. Não sei. Como se a proteção do mundo estivesse definida. Ali. Com seu pequeno bracinho por entre o braço dela. Com a cabeça encostada nela. Numa diagonal de afeto encontrado.

 

De repente foi como se o mundo tivesse uma nova rotação. De paz. De tranqüilidade absoluta. De segurança. Impossível descrever em palavras uma emoção. Lembrei até o poeta. Ele estava certo. As verdadeiras emoções ocorrem em um terreno onde uma palavra jamais pisou.

 

Não sei se a palavra foi antes. Ou se viria depois. Ou se poderia ser dispensada. Nem importa.

 

Mas não lembro ter visto nada parecido. Com a expressão dele. Com o gesto do abraço lateral. Confiante no ombro certo. Sim. Tudo ali parecia certo. Perfeitamente certo.

 

E se há uma avaliação isenta de erros – é a avaliação da infância. Ao menos enquanto a infância é infância.

 

Ela parecia ter voltado. Olhou para ele. Deu um sorriso leve enquanto cedia o braço. E também se aconchegou. Já não dava mais para saber quem se sentia seguro com quem. De onde vinha o amparo.

 

Nossa parada chegou.  Antes da deles. Mas não resisti. Olhei para trás. Ela parecia rejuvenescida de repente. A atitude descuidada se modificara. Estava agora em parceria. Talvez assim reconhecida.

 

Sorri para ele. Que me devolveu o riso. Olhou mais uma vez para ela.

Apertou mais ainda o braço. Parecia orgulhoso. E ela parecia feliz.

 

Desci dispensando o tal passaporte imaginário de turista. 

 

 


Janeiro 05 2010

 

Ao final do dia - o cheiro invadiu a casa.

 

Lembrei do livro. O autor - já bem vivido - explicava. O paladar começa pelo nariz. Perfeito. Nunca li nada mais adequado. Nem importam os dados da Fisiologia. Ou da Anatomia. Muito mais vale a Filosofia. Não existe órgão do sentido excludente. Eis uma táctil e aromática verdade.

 

Já acordei assim. Como guiada pela manufatura. Ou pela ansiedade das mãos.

 

O dia amanhecera um pouco silencioso. Diante de um frio insistente em ficar. E de uma garoa persistente em desobedecer. Nada de espaço primaveril. Mas as estações devem ter lá um próprio manual de instruções.

Que sigam - de acordo. E que nós daqui nos adaptemos – sem acordo.

 

Enfim esta não é a minha tarefa.

 

A minha daquele dia já havia sido definida. Há trinta e dois anos. Agora era uma questão apenas operacional.

 

E desde cedo comecei os preparativos. Mas não sem uma organização. Coloquei música. Em um sequência que surgiu de repente. Nada muito programado. Mas acatado. Como um ritual. Talvez seja assim a arte da manipulação dos alimentos. Muito mais que facas e pratinhos. Um ritual especial - por si só - se estabelece e se confirma. Alheios a nós. E tantas e tantas vezes sequer percebemos.

 

Desta vez foi especial. Fiz como que compactuando. Ao menos dentro do possível de uma racionalidade.

 

Corta. Amassa. Desfolha. Enfeita. Acrescenta. Separa. Destaca.

 

A música se fez sábia. Sim. Nada do que foi será igual ou do jeito que já foi um dia.

 

As mãos e ingredientes se fizeram um só. Difícil até saber quem comandava quem. Ou o que.

 

Mas lá fiquei. Entre músicas e memórias. E aí foi impossível não lembrar a minha avó. Ela repetia com muita segurança. Cozinhar e viver - é a arte de saber dosar, menina, cozinhar e viver - é a arte de saber dosar. Procede.

 

Corta. Amassa. Desfolha. Enfeita. Acrescenta. Separa. Destaca.

 

Olhei para o colorido dos ingredientes. Para a disposição deles em panelas e pratos. Parecia uma rosa dos ventos. Ri. Vai lá saber de onde saiu esta idéia.

 

Vai ver foi da música que tocava. Amanheceu o espetáculo. Como uma chuva de pétalas. Ri e continuei dando toques e retoques. Afinal – não é só de boa intenção que sobrevive o paladar.

 

A esta altura já estava misturando mais ingredientes que os da realidade culinária. Tentei me acalmar. Deve ser assim que se cozinha. Uma pitada de história. Uma ponta de saudade. Um ramo de alegria. Uma colher de nostalgia. Uma dose de contradição. E por aí vai. O importante é estar em sincronia com o processo. Um erro em cada parceria – uma pitada que seja – e lá se vai o doce sabor do proposto.

 

E foi em meio a tantos rituais e conclusões – que ao final do dia - o cheiro invadiu a casa.

 

Delicado. Independente. Intenso. Surpreendente. Delicioso.

 

Saiu de dentro dos continenti e se espalhou. Pela cozinha. Pela sala. Por todas as varandas. Subiu as escadas. Passou pelo terraço. Mexeu com os deuses.

Sorriu para o Banquete. E voltou – completo - para dentro de onde saíra.

 

Ao final da tarde – parei. O dia cabia dentro da noite que chegava.

 

Na cozinha os sinais de guerra estavam já apagados. Tudo parecia composto de magia. E não deixava de ser. Não havia sinal de ato braçal. E sim de ato manual. Pode parecer semelhante – mas não é.

 

Continuei. Agora caminhando e olhando em volta. Gostei do que vi. A mesa posta em tons suaves. Tudo em azul e branco. Num canto discreto orquídeas cor-de-rosa. Penduradinhas em seus cachos faziam o contraste mais belo. As taças altas pareciam sair de pedestais. A sala se enfeitava com efeitos múltiplos de um festejo conquistado.

 

A campainha tocou. Eles chegaram. Parecia até nome de filme. Seis à mesa.

 

Ri. Os brindes foram feitos. Votos renovados. Fotos atualizadas.

 

A música continuou. Parceira simbólica dos gestos e falas. Godiamo, la tazza e il cantico la notte abbella e il riso.

 

Estava confirmada a comemoração. E já parte da história de todos nós.

 

 


Janeiro 03 2010

 

Eis uma lição que não aprendia.

 

Mesmo com a advertência da avó. Sempre tratava a véspera como se o dia marcado já fosse. Enfim – este o estilo dela. E algumas vezes - dava bem certo. Vai ver por isso persistia.

 

E desta vez não foi diferente. Lógico. Desde a véspera estava em torno do festejo.

 

Ontem. Tudo acontecera ontem.

 

Casualmente pudera sair mais cedo da atividade. E lá se foi bem feliz. Animada - até se diria.  Planejara com cuidado o trajeto. O meio para seguir o trajeto. Tudo bem adequado. O objetivo já estava definido.

 

A temperatura caiu. Estava com ares de primavera. Ela. Mas a temperatura não. O vento do inverno viera sabe-se lá de onde fazer parceria com uma consistente chuva.

 

Mas não se incomodou. Muitas vezes é bom caminhar no frio. E na chuva. Desdenhou e seguiu. Perfeito.

 

Lá chegou. Olhou. Virou. Mexeu. Rondou. Escolheu. Ou melhor - confirmou o que já havia escolhido há alguns meses.

 

Sim. Ele iria adorar. Eis mais uma certeza diante de si. Conhecia bem o jeito dele. Afinal ela o ensinara desde bem pequeno. Conforto em primeiro lugar. Para que os instantes de preguiça sejam bem tratados. São especiais esses instantes. E muitas vezes se esquece de agradá-los com o acolhimento que merecem.

 

Tudo muito bem. Resolvido. Restava apenas um detalhe. Mínimo. Aliás - de mínimo só o tal detalhe. Por que o presente não. Era grande. Poderia ser medido em cúbicos. E vinha dentro de uma linda – e enorme – sacola vermelha. De uma elegância de dar gosto. Mas este o detalhe mínimo que esquecera. Fora sobre trilhos.

 

Mas aguarda mais um. O próximo. Depois desse. Só mais uma chance. Algum deverá vir mais vazio. Eu e minhas ideias. Mas enfim. Somos mesmo uma boa dupla. Minhas ideias e eu. E lógico. Agarrada à minha bela sacola vermelha. Já somos quase um trio. Tudo bem que até lembra um trio carnavalesco. Bem que poderiam ter criado uma cor mais discreta. Um volume deste ficaria melhor num tom bege. Café com leite. Ocre. Sei lá. Mas usaram e abusaram da iluminação.

 

Foi pensando assim. Com muita calma e parcimônia – que deu certo.

 

Conseguiu chegar de volta em casa. Com sua bela sacola vermelha. A esta altura – já do agrado.

 

Já estava quase acendendo as velinhas e comendo o bolo. Riu.

Sentou-se diante do excesso de rubro. E de repente não estava mais ali. Ela.

 

Lembrou do dia. Daquele dia há trinta e dois anos.

 

Um dia mágico. Pela primeira vez saberia o que é este sentimento. Lembra de alguém lhe arrumando os cabelos. Pediu que fizessem uma trança. Os cabelos eram longos. Uma voz saltou rápida. Quase um grito. Não. Parem já. Trança não pode. Os índios dizem que não faz bem nesta situação. Não entendeu bem o que os índios faziam ali. Mas nem tentou questionar. Acatou. Acataram. Soltaram o trançado de imediato. E alguém lhe fez algo que deveria ser um-sei-lá-o-que.

 

E assim foi. Deitada na maca. Assustada. Mas feliz.

 

Escutou o primeiro tom de comunicação dele com o mundo. Um chorinho surgiu em meio aos movimentos de médicos e enfermeiras. E os fez parar e compartilhar da emoção.

 

Fixou em todos – sorrisos. Escutou algumas observações. Tudo bem. É perfeito. É lindo. Ele veio - com ele enroladinho. Ainda chorando. Colocou deitadinho sobre o tórax dela.

 

Olhou. Jamais esqueceria esta imagem. Jamais esqueceu.

 

Tocou na pele macia. Ainda úmida. Passou a mão pelos cabelinhos. Ele pareceu se aconchegar. E parou o chorinho. Um conhecimento e um reconhecimento se estabeleceram. De imediato. E para sempre.  

 

E entendeu o amor materno. Neste instante. Diante de alguns. Diante de si mesma. Dentro de uma sala gelada. Tremendo de frio. E de alegria. Uma emoção impossível de se transcrever. Uma emoção que tão-somente se inscreve. E dentro de cada um.

 

Chorou. Sentiu o coração bater mais forte.

 

Disse-lhe um bem vindo. Baixinho e emocionado. Eu amo você. De agora em diante não saberei mais o que é Vida sem você.

 

O telefone. Quase deu um pulo quando escutou o toque. O som a tirou de lá. E a trouxe de volta para cá. Não estava deitada na maca. Mas sentada no sofá da sala. E bem em frente - a sacola vermelha.

 

Mas sorriu ao escutar a voz. Era ele.

 

Queria contar sobre a surpresa de um presente. Quase caíra de costas. Era o que queria. A cor era azul. E tinha uma lista branca na lateral. Por dentro bege. Bem esperto. Riram. Festejaram.

 

Combinaram como seria o dia seguinte. Este sim. O dia exato.

 

Quando desligou continuou rindo. Lembrou uma frase muito comum. Mas nem por isso menos verdadeira. Simples e objetiva como toda sabedoria.

 

Quem herda aos seus não degenera.

 

Lá estava ele comemorando também de véspera.  Perfeito.

 

 


Dezembro 31 2009

 

Nunca saíra daquela pequena cidade.

 

Nascera e se tornara adulta no mesmo bairro. Toda a vida circulara diante dos mesmos códigos.

 

O bairro onde nascera portava uma simbologia. Vinha de um tempo de escravos. Mas se chamava Liberdade. Havia música pelas esquinas. Havia danças. Rituais ecléticos preenchiam de esperanças os corações. A comida era vendida nas ruas – o que dava um cheiro peculiar.

 

Tudo funcionava como se fora um universo particular. Girando não sei se dentro ou fora – do universo social.

 

Ali fora alfabetizada. Orientada. Vinha de um núcleo familiar pequeno. Apenas mais uma irmã. Cedo conheceu o parceiro. Cedo casou. Mudaram-se com os poucos pertences e presentes para uma casa pequena. Próxima da família de ambos. E lá ficaram por toda a vida.

 

Um dia avisou. De um ímpeto só. Escolhera mais um outro futuro. Trabalharia na área da saúde. O marido se surpreendeu. Desde quando. Por que. Para que.  Melhor ficar a fazer o que tem em casa.

 

As perguntas foram muitas. As insinuações mais ainda. Desconsiderou uma por uma. Continuou apenas informando a composição da decisão.

 

Vai lá saber o que despertou nela. Nunca soube ao certo a causa. Mas lidou muito bem com as consequências.

 

Estudou com dificuldade. Precisava trabalhar para completar o curso. Precisava de livros. De roupas brancas. De material próprio. Mas na mesma proporção das dificuldades – encontrou soluções. Não tinha a quem solicitar. Se é assim – concluiu – solicito a mim mesma.  

 

Trabalhou. Noite e dia. Intercalando livros com cuidados da casa e do filho recém nascido. Amamentou com ele no colo e o livro na mesinha ao lado. Assim estudava. Lavou e passou roupa recitando nomes e técnicas de procedimentos.  

 

Decorou pequenas fórmulas. Revisou contas.  

 

Enfim concluiu o curso. Fez um concurso. Público. Aprovada- entrou para o seu primeiro emprego. Feliz. Conseguira.

 

E lá está há quarenta anos. Quarenta anos. Neste mesmo emprego. Sem faltas. Sem atrasos. Sem queixas. Muitos entraram e saíram. Muitos chefiaram. Muitos outros desistiram. Mas ela continuou.

 

Decisão é parceira da existência. Uma vez conquistada – para sempre priorizada.    

 

O filho cresceu. O marido mais apressado - se foi numa noite depois de algum sofrimento. Cuidou dele até o final. Chorou. E foi guardando as lembranças nas dobras do lencinho.  

 

Assim poderia ser contada a vida dela. Desse jeito linear. Mas nem sempre a vida entende que pode assim ser vivida. E surge uma contramão aqui ou ali. Um desvio.

 

De tanto cuidar – descuidou de si mesma. E o corpo não perdoa descuidos. Cobra. Aponta. Expõe.

 

Fez a cirurgia. Chorou quando lembrou o tempo que amamentava. Chorou pelo passado. Pelo presente. E pelas perdas. E duvidou – pela primeira vez - do futuro. E talvez pela primeira vez na vida toda – reclamou. Desaprovou.

Mas sabia fazer rimas. E continuou. Lutou.  

 

E durante essa poesia que inventou – surgiu uma oportunidade. Única. E para ela. Que nunca de lá saíra. Que nunca atravessara outros mares. Nem terras. Nem sotaques. Para ela o Mundo era muito maior que um globo. Ou um planeta. Era de uma imensidão que assustava. E quando pensava assim – segurava o portão da casa com força.

 

Mas recebeu um convite. Talvez até uma ordem. Vou mandar lhe buscar. Você ficará um mês aqui. Com todos nós. Desde que saímos daí sonhamos com esse dia.  Agora o dia chegou. Vai passear pela cidade. Vai descansar. Vai conhecer onde moramos. Vai escutar outros sons. Virá de avião. Nada de estrada.

 

Eis uma imagem inesquecível. Ela sozinha. Com uma roupa branca. Um casaquinho bege sobre os ombros. Uma pequena valise nas mãos. Um sorriso tão feliz que – incontido - saiu dela e iluminou todo o saguão.

 

Veio. Abraçou um por um que a aguardava. Escaparam lagriminhas emocionadas. E falou. Então é assim. Então estou aqui. E só demoraram duas horas e vinte minutos. Pensei que fosse tão longe.  

 

E o mês se fez alegre. Trocou de Liberdade. E celebrou também a nova. Fez-se de econômica a consumidora. De curiosa a integrada.

 

E como na Vida não existe Matemática nem lógica – quando retornou – repetiu os exames. Estava curada. Já não temia. Aprendera sobre distâncias e espaços. Sobre limites e infinitos.

 

E nunca mais segurou - assustada - o portão da casa com força.

 


 


Dezembro 27 2009

 

Já estava pronta para sair.

 

De repente notou uma luzinha vermelha. Piscando. Pela fresta da bolsa. Por certo um recadinho. Resolveu ler de uma vez.

 

Estava lá. Escrito. Hoje foi suspenso o atendimento. Teve um problema com os computadores. Uma falha técnica mais complicada. Outro com a luz. Não precisa vir. Será feito um re-agendamento parcializado.

 

Atendimento suspenso. Re-agendamento parcializado.  Achou o máximo.

 

Comparou a uma figura de linguagem. Ou a uma obra literária.

 

Mas quase pulou. Primeiro de susto. Era a primeira vez na vida que fazia um pedido e acontecia. Literalmente. Inacreditável.

 

Acordara com sono. Como sempre. Daí pensou. Bem que hoje podia ser cancelado o atendimento.  E eu poderia dormir mais um pouco. Mas imagina. Se me aconteceria uma maravilha desta. Nunca. Acelerou e foi cuidar de obedecer as ordens do relógio. Cruel objeto. Pensou entre os dentes. Mas prosseguiu.

 

Mal acabou de ler o recadinho - se auto-conferiu.

 

Checou – estava viva.  Correu para um espelho. Deveria estar iluminada. Não estava. O espelho mostrou o habitual. Optou por reler o recadinho. Vai ver fora uma alucinação. Não foi. Lá estava.

 

Que belo recadinho. Que lindíssimo texto. Desdenhou dos poetas. Nenhum faria uma composição tão emocionante quanto aquela. Riu. Riu de novo.

 

Tudo bem. Pediu perdão aos poetas. Por precaução. Vai ver que os deuses que cuidem deles poderia se aborrecer. Não queria mais surpresas. Aquela estava já perfeita.

 

Pensou. Fosse a Idade Média e já sabia onde iria parar. Mas não era. Pelo menos a da cronologia da Humanidade. Idade Média só a dela. Particular. Riu dessa bobagem também.

 

Se primeiro quase pulou de susto – de segundo pulou de alegria.

 

Olhou para a bolsa com o material. Para os papéis. Para a roupa que vestia. Em especial para o relógio no braço. E se despediu. Deles. De todos estes – adereços.

 

Mas se o pedido foi atendido – a vontade vinculada foi descartada.

 

Que dormir que nada. O sono foi-se como mágica. Deveria ser isso. Era o Dia da Magia. Ela que não tinha conhecimento. Riu de si mesma de novo. Estava se sentindo já uma humorista. De primeira categoria.

 

Mas enfim – dormir seria desdenhar do pedido inicial. Jamais faria isso. Poderia ser visto como um menosprezo. Estava com muito zelo em relação aos deuses amigos. Mais uma vez riu.

 

Despiu-se da proposta inicial e vestiu-se da adquirida. Sim. Iria à praia. Desceria a serra. E iria ver o mar.

 

Perfeito. Idéia de gênio. Foi mais uma vez se olhar no espelho. Deveria estar iluminada mesmo. Riu para o refletido. Que devolveu à altura.

 

Quando se compreendeu – já estava lá.

 

Em pé na areia. Diante do seu tão amado mar. Pontinhos prateados aqui e ali brilhavam na água docemente salgada. Faziam quase um cortejo de pequenas luzes. Lindo.

 

Algumas mesinhas de cimento ficavam na areia. Com banquinhos em volta. Escolheu um deles e sentou. Para uma alegria tão grande - alguns rituais.

 

Ficou um tempo apenas olhando. Brincava com a chave do carro entre os dedos. Deixou que o sol escolhesse os pontos da pele que iria tocar.

 

Depois com muita calma foi em direção à água. Estava morna. Pequenas ondinhas deixavam a espuma branquinha na borda. Que sumiam com delicadeza.

 

Mergulhou. Pulou. Brincou. Jogou água para cima. Para baixo. Riu. Viva o Dia da Magia.

 

Lembrou o tempo em que seguia as definições do mestre austríaco. Mas desta vez se colocou mais à parte. Nada de passagem ao ato. Como o mestre definia atitudes intempestivas.

 

Fez o habitual brinde e – rindo - informou. Para o Universo. Que me perdoe o Mestre. Mas este foi Além do Princípio do Prazer. E muito além dos Atos Falhos. Sem Homem dos Lobos.  Sem Totem ou Tabu. E principalmente sem Perturbações Psicogênicas da Visão.

 

Este foi um verdadeiro Ato de Passagem. Passagem feliz. Até o mar. Diante do mar. Num dia em que um erro da tecnologia cedeu espaço à realização plena de uma fantasia.

 

Foi a vez do impossível vencer o possível. E mergulhou – mais uma vez.

 

Voltou no começo da tarde - muito feliz. 

 

Amanhã retomarei a tal agenda parcializada. Perfeito. 

 

 


Dezembro 24 2009

 

Ela leu e comentou. Não negou. A surpresa. Leu o texto.

Ler também é uma forma de simbolizar. Uma cena. Um pensamento. Uma idéia que seja. Não importa. Importa o que  fica simbolizado. Porque disso dependem as ações. Presentes. Futuras. Para que possa ser entendido até um passado. Muitas vezes ler cria mais possibilidades do que escrever. Tudo depende da forma que se permite que venha uma simbolização. Por isso depende de cada um. Da individualidade proposta.

 

Ler é muito mais difícil que escrever.

Como dizia minha avó. Desperdice nada do que ler, menina, desperdice nada do que ler. 

 

Fez um comentário. Ri. Para o comentário. Persistiu com o chiste. Precisava do número do telefone do amigo psiquiatra. Encontros imprevistos. Pensamentos semelhantes. Histórias parecidas. Amigos circulando. Estava tudo místico demais. Muito mais do que falou o inglês sábio. Estava parecendo que havia muito mais. E muito mais mesmo. Do que a vã filosofia previa. Daí brincou. Só agendando. Queria o número.

 

Nada de virada. Queria mesmo era uma coordenada. Isso sim. Estava parecendo imprescindível. Só não perguntei se isso estava na listinha. A tal listinha que ela estava organizando. De tarefas e sonhos para serem cumpridos. Na virada. Depois da virada. 

 

E lá estava ela de frente para o mar. Num recreio. Nome de desbravamento. Igualando a si mesma. Desbravamento. Do mundo. Do entorno. Do contorno. 

 

Sempre é bom se estar atento. Ondas remexem areias. De certa forma cimentadas. Na ilusão. Na solidão. Na aparência. Agora lembrei dela. Está certa. Podem virar pó. É sempre do pó que se chega na poesia. Sábia.

 

As ondas têm poder. Ou causam efeitos. Tanto faz. Efeito é como adereço. Cada um usa como quer. Utiliza onde prefere. Nega como agrada. Vê como consegue. A olho nu ninguém enxerga. É da própria história que constrói e se des-constrói as lentes do lidar com o efeito. Seja da onda. Seja do vento. Seja da turbulência. Tudo faz parte do interno. Embora pareça tão externo.   

É preciso coragem para ver o reflexo. Como um espelho. Das ondas interiores. Bem ali. Ao alcance de uma olhadinha que seja. Uma espiadinha de leve. Mas não vejo maior motivo para festejo. Para comemoração.

 

Lembrei que contou da sua posição. Só ela. Uma menina. Eles três. Meninos.

 

Depois falou. Que expunha as emoções. Com alguma facilidade. Não sei. Mas se falou – acredito. Procede. Se não aprendesse a expor – sumiria. E me pareceu que adotou esta mesma posição - diante da vida. 

 

E se fez. Se construiu com o que aprendeu. Uma emissão de voz - plástica - delicada e firme. Um olhar que não desviava - fosse qual fosse a situação. Um caminhar reto - que denunciava decisão. Mesmo que nao soubesse para onde ir. Ninguém nunca o saberia.  Caminhava. Decidida. Olhando para a frente. Séria e firme. Aprendeu isso também. E dera muito certo. Porque trocou de lugar. De conhecimento. Para um outro lugar. Com outro tipo de conhecimento.

 

Saiu dos que não sabem dizer o que sentem. Dos que dependem do outro para falar das suas dores. Ou dos seus amores. Dos que não estão na Linguagem. E foi para o lugar onde só se diz o que se sente. Para os que lidam justamente com a Linguagem. Mesmo que não se fale das dores. Nem dos amores.


Ela que tão bem lia as entrelinhas. Agora lê os entretantos.  

 

Em meio a tudo isso sabia levar um caderninho. Um lápis. E sabia ordenar pedidos. Perfeito. Escolheu ficar escrevendo a listinha. Só com um Participante. Só Ele leria. Ao menos é a pretensão. Ou intenção. Em tempos de virada – nada é definitivo. Por isso escreve-se com lápis. 

 

Que venha a virada. Sem consulta. Com consulta. Não importa. Mas com muita força. E muita alegria. Para os que pedem. Para os que esperam. Até para os que temem.

 

Que venha a virada. Com algumas certezas e muitas dúvidas. Para que se possa continuar. Em busca. Como as ondas.

 

 


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