Blog de Lêda Rezende

Julho 22 2014

                                                  II   

 

 

 

E ao aviso se seguiu o concordo.

 

Um novo espaço foi criado – mas não medidos em metros quadrados. Um espaço criado internamente. Havia muita expectativa e as oscilações emocionais se confundiam tanto que acabou beirando  que sempre beira nestes casos: o exagero. Não havia dia ou hora que eu não dissesse a mim mesma que fiz bobagem. Não há linhagem na madeira. Em seguida tudo era apagado e surgia a certeza de que havia feito o correto. Estava objetos e pensamentos tão ligados que mais parecia uma construção do que uma reconstrução.

 

Mas no mundo das finalizações e negociações materiais – nada é repensado. Ato feito – ato concluído. O que se de uma lado pode parecer obstáculos – de outro facilita a dissolução da insegurança. Viva a materialidade – repetia eu nos momentos onde a dúvida se instalava forte.

 

E lá um dia com aviso prévio de 24 horas chegou a casa da minha avó - casa a dentro.

 

Pode não haver linhagem na madeira – mas há muita madeira na linhagem.

 

A mesinha do meu avô me fez voltar sabe-se lá em que lugar da memória. Consegui me rever bem criança sentada ao lado dele naquela mesma mesinha enquanto ele organizava os números da contabilidade de algum cliente. Passara a vida entre números e somas. Por certo entendia o Universo lendo como se um sinal que unia ou separava.  Mas eu jamais saberia - nunca perguntei a ele.

 

A mesa redonda da sala da minha avó se fez verdadeira quando me vi repetindo um gestual dela que olhei sem enxergar por toda a infância. A cada farelinho que caía na mesa – ela unia com uma mão e aparava com a outra que aguardava na bordinha da mesa. Fiz isso. Fiz. Nem sabia o que fazia até que as mãos me mostraram o caminho do suposto esquecido.

 

As cadeiras de assento de palhinha me levaram até um velhinho que ia de tempos em tempos na casa dela com uma escova e uma latinha de cera. E ali ele repetia o vai e vem como se a ele nada importasse – nem o vai muito menos o vem. Durava horas. O olhar dele era muito mais vazio que os buraquinhos da palhinha trançada. E ao final do dia ele recebia o pagamento e saia. No mesmo silêncio que o vai-e-vem compunha a tarefa.

 

Foi tanto pensar e lembrar que ao final do primeiro dia de móveis da avó – eles já estavam envelhecidos na nova casa. Como se nunca tivessem habitado entre outras paredes que não estas brancas e cheias de telas coloridas.

 

Lembrei dos móveis que retive durante tantos anos. Lembrei da despedida pragmática.

 

Brindei à estrutura.

 

Sem associações livres e sem questionamentos detalhados – sem sonhos nem interpretações – me vi cercada mais uma vez de pés e tampos. Lógico que alguns hematomas surgiram nas pernas – mas desta vez poderiam ser evitados se um pouco mais de atenção fosse acrescida ao caminhar pelo espaço. Muito mais que um aprendizado – foi esta nova conceituação quase filosófica. Nem o caminhar na própria em casa é isento de limites. E nunca se sabe mesmo quem esbarra acidentalmente ou quem esbarra intencionalmente.

 

Quis pensar um pouco sobre que marcas eu buscava provocar em mim – mas passando as mãos pela madeira escura e já tão secularmente vivida – achei que minhas marcas nas pernas não tinham mesmo nenhuma importância.

 

Arrumei rendas e flores. Vasinhos e enfeites. Brinquei de casinha.

 

Um dia enquanto trocava mais uma vez flores e paninhos de renda - de volta do trabalho rotineiro – fiz um novo brinde!

 

Vivas à Estrutura e à Repetição. Nem sei por que nem para que gastei tanto tempo tentando me livrar de ambos. Como a Vida ficaria sem graça se seguida corretamente. E neste mesmo dia por cima da mesinha coloquei num belo porta retrato uma foto nova. Lá estava eu sentada diante dos móveis que se foram. Não lembro quando foi tirada – mas semelhante às marcas nas pernas – também não tinha a menor importância datar a lembrança.

 

Uma das minhas noras me falou algo certa vez sobre correr atrás do próprio rabo. Como algo errado a se fazer pela Vida afora.

O que ela ainda não sabe é que a distância até o próprio rabo é enorme – e pode durar uma Vida inteira até ser alcançado. E - ao contrário de ser um erro – ser alcançado ou não é uma questão puramente trivial. A cada um cabe a busca e a corrida a ser celebrada ao final. É a Vida se fazendo valer dentro de cada um e de cada estrutura.

 

Arrumei  a casa. Olhei os móveis. Olhei a foto. Sorrindo – fechei a porta e sai para a minha rotina. Quando me dei conta cantarolava no carro uma música antiga. “...o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações ...”

  

Parada no sinal vermelho ri de mim mesma e de minhas lembranças e memória.

 

O sinal verde me fez prosseguir apressada. Estava atrasada.

 

 

 

 

 

publicado por Lêda Rezende às 01:28

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