A frase veio com néon. Assim ficou. Penduradinha. Brilhando. Questionando sem pudor. Nem constrangimento. E com insistência.
Sim. Outros pensamentos vieram - mas ela não saia. A tal frase. Não respeitou ordem. Não aceitou um mais tarde. Muito menos um logo depois.
Até um desapareça foi ensaiado.
Nada resolveu. Ficou.
Parecia decidida a ter uma resposta. Ou uma conclusão. Alguma solução teria que ter. Mas dali não se retirava.
Ficara o dia todo. Desde o despertar. Até deve ter sido a causa do despertar. Foi começando meio sem brilho, meio enevoada. Formulada em sílabas separadas. Com o despertar completo parece que se incorporou. Encheu-se de força e poder. Sim. Muito poder. Só este excesso de poder para vencer as abstrações. Aliás, só um excesso de poder para desconsiderar constrangimentos.
Podia-se até recordar as palavras do mestre Francês. Ele dizia que não entendia. Como se sabia que o pensamento vinha de dentro. E não de fora.
Eles são assim. Só jogam o indecifrável. O mestre austríaco queria desnudar a alma feminina. O mestre francês queria desacreditar o pensamento.
Enfim. Nem mestre austríaco. Nem mestre francês. Nada afastou a tal frase. Continuou ali. Brilhando a sua pergunta. A interrogação parecia bem maior que a frase.
Lembrei a minha avó. Ela sempre repetia isso. Como um alerta. Não tem pergunta que a formulação seja maior que a interrogação, menina, que seja maior que a interrogação.
Em determinados momentos a interrogação se destacava. Em outros a frase sobressaia. Mas olhando atentamente. Não havia uma frase com uma interrogação no final. Na realidade havia uma interrogação arrematando uma frase. Pode parecer igual. Mas não é.
Como se faz para des-impregnar a retina.
Esta a pergunta. Esta a interrogação.
Passa-se a vida toda impregnando. De imagens. De cores. De situações. Todo um novo conceito apreendido. E fixado na retina.
Começa-se por imagens. E por imagens se termina. Mais ou menos assim.
Em meio a elas permeiam as letras. As cores. Os brilhos. As nuances. Os adereços. Mas as imagens sempre lá. Tudo o mais gira em volta delas. Das imagens. Nomes. Endereços. Até números de registro. Estilos. Sons.
Inclusive o da voz. Quantas vezes se repetem. Posso até ver. Quando fala assim - sei bem o jeito. Até quem não pode ver. Vê pelo tato. E compõe a imagem. Sabe quem é pela imagem táctil. Mãos e retina se fundindo num só arquivo.
A imagem autoriza. Desautoriza. Repete. Há uma genética envolvida. Uma exacerbação. Um desafio. Não se lembra de mim. E a resposta sempre vem rápida. Sim. Mas você mudou tanto.
Há todo um referencial pela imagem. Ela vai acompanhando, na retina - as mudanças. Ou a retina vai gravando as mudanças – na imagem. Como um jogo de slides. Mas personificado. Para cada um – seu estojinho de slide.
Para cada um – a retina individual faz seu álbum.
Como se faz para des-impregnar a retina.
Se a imagem desapareceu. Como ensinar a retina a não mais procurar. Como se apaga um entalhe cinzelado. Como se treina ao contrário uma retina.
A pergunta ficou. E ficará. Por um tempo. Como a busca da imagem.
Mas introjetará algum dia. Por certo. Assim se espera. Neste dia a frase apagará o neon. O poder se fará compreensão. E a interrogação se fará um ponto. Final.
Com mais tranqüilidade a retina aceitará. A resposta.
A impregnação é para sempre. Mas não para o cotidiano.