Blog de Lêda Rezende

Janeiro 18 2011

 

Como é difícil lidar com o Tempo. Tanta ansiedade. Tanta espera. E o Tempo lá.

 

Faltavam seis semanas.

 

Pensou - qualquer um diria que passa rápido. Respondeu a si mesma em tom irônico - qualquer um inexperiente ou comprometido no racional e emocional. Porque o tempo só passa rápido quando ninguém se importa com ele. Aí ele acelera. Mas se alguém passa a medi-lo - ele se diverte. E quando chega o durante - ele se prepara para correr. O antes é sempre lento. Eis uma relação verdadeira quando vista de frente para trás. Teve uma súbita compreensão do pensamento do mestre francês. Ele que falava em todos os seminários da questão do - logo depois. Procedia. Foi o que concluiu numa tarde de temporal.

 

E o que não faltava neste período era tarde de temporal. Se as conclusões dependessem do temporal – teria muito em breve um livro publicado só sobre conclusões. Todos os dias ao final do dia o céu escurecia. Os raios cruzavam com intimidade de um lado ao outro – qual um passeio familiar dominical. Os trovões pareciam sempre a postos - amontoados e espremidos em fila de espera. Apressados - nem davam o devido respeito à lei do som e da luz.

 

E numa tarde de forte temporal – sob raios e trovões – discorreu sobre o Tempo. Criou até uma nova terminologia. Com nome e sobrenome. Há o Tempo Preguiçoso. O Tempo Maratonista. O Tempo Indiferente. E o pior de todos - o Tempo Sádico.

 

Inventava e recriava com uma facilidade impressionante em situações de ansiedade ou de temor. Não que tivesse algum valor as tais invenções ou recriações. Era um estilo de defesa. E desta vez usava para suportar a espera da viagem com toda a fleuma possível. Fingia-se de desentendida consigo mesma. Eis uma guerra que tentava vencer batalha a batalha. Nem deixava a memória se espalhar. Ficasse pensando o quanto teria de prazer quando lá chegasse diante do mar – entraria em estado letárgico. E a rotina dela exigia concentração. Só nas idas e vindas é que inventava as tais terminologias. Sobre trilhos e sob temporal.

 

E assim apontava uma despreocupação com o Tempo. Talvez uma vingancinha no estilo esquizofrênico. Vá lá que fosse. Mas persistia. Cada um sabe por onde – e como – se defende.

 

A parte do batismo do Tempo foi numa manhã de aflição. Em meio ao percurso os trilhos pareceram segurar os vagões. E tudo parou. Nomeou de Tempo Torturador. O relógio não se fazia solidário e o risco do problema técnico aumentava a tensão de quem ficara retido dentro das portas lacradas. E lá estava ela. Fisicamente lacrada - mas ainda bem - mentalmente dispersa. Ainda bem. Decidiu que pensar em nomear o Tempo podia acalmar. E entre a Gramática e a prisão metálica – ficou confundindo o Tempo.

 

Quando finalmente foi liberada dos tais trilhos naquela manhã - todo um novo roteiro Linguístico havia sido criado. Descobriu aliviada que não há medo ou solidão que vença o poder da imaginação. Eis o Tempo Privatizado. Deve ter sido a única que desceu sorrindo quando as portas foram abertas e o aprisionamento desfeito.

 

Enfim. Nada a fazer.  E muito a fazer. Eis a ambiguidades do tempo de espera. Se fosse imediato - a liberdade seria lida de forma até precária. Vai lá saber.

 

Optou por prosseguir com o cotidiano de forma asséptica. Sem permitir muitos delírios. Se tudo já estava acertado – agora era apenas o caso de aguardar. Esta decisão surgiu enquanto caminhava de volta. Já se despira dos trilhos. Agora descia caminhando por uma pequena ladeira no sentido de casa. Com as nuvens escuras sombreando os prédios coloridos.

 

Simples. Concluiu enquanto descia mais pulando do que andando.

 

Mas era a fase de muito pensar. E um pensamento sempre arrasta outro. Sem dúvida. Este também tinha um nome e sobrenome. Pensamento Encobridor. E era o que mais tinha como alternativa para não se angustiar muito. Evitava contar as tais seis semanas que a separavam do prazer garantido.

 

E a palavra – simples – veio em auxílio do propósito. A palavra – simples – remeteu a um amigo antigo. Nunca mais o vira. Uma noite ele brigara com ela e se despedira. Foi objetivo. Você simplifica tudo. E simplificar nada tem que ver com a realidade da Vida. Não combinamos. A princípio acreditou ser uma observação filosófica. Depois viu que era verdadeira e material. Ele disse adeus. Ela disse – que seja. E nunca mais se viram. Lembrava que ele era muito tenso. Fumava. Reclamava tanto do trânsito que um dia deixou de dirigir. Contratou um serviço de taxi para atendê-lo a qualquer hora e em qualquer dia. Quando o taxi demorava – ele se irritava. Riu. Ele tinha razão - não parecia tão simples.

 

Enfim. Retomou de onde parou. Simples ou não – era o que tinha a fazer. Aguardar.

 

Quando entrou em casa o telefone tocou. Era a amiga de lá. Queria saber se ela gostaria de passar o Ano Novo lá. Viajaria para o velho e bom continente e o apartamento estaria à disposição deles. Ficaria feliz se aceitassem.

 

Deve ter feito um instante de silêncio. Deveria agora ser o Tempo Iluminador. Em toda esta etapa de decisão e passagens - esquecera de contatar os hotéis. Mesmo com uma distância de seis semanas - na época que iriam seria bem complicado hospedagem.

 

Ela continuou falando de lá – já que não tinha resposta de cá. Ofereceu. Confirmou. Avisou das facilidades. Convidou a todos que estivessem com ela. Espaço não faltava. E ficariam tranquilos quanto à locomoção. O carro também ficaria à disposição deles.

 

Desta vez foi um Tempo Santo.

 

Só não se beliscou porque odiava sentir dor. Mas custou a crer que tudo estivesse tão bem selecionado. Como se um destino uma vez estabelecido – o resto funcionasse sozinho. Independente. Destino com piloto automático. Parecia coisa de novela. De opereta. De – sabia mais lá o que. Mas era uma mágica favorável.

 

Ela de cá - aceitou. Agradeceu. Adorou.

 

Ela de lá respondeu – ótimo.  Estamos combinadas. Não nos encontraremos fisicamente. Quando vocês chegarem – eu já fui. Quando eu voltar – vocês já foram. Mas estaremos presentes de uma outra forma..E fico muito feliz por recebê-los em casa.

 

Desligou. Parecia a manhã que conseguira as passagens. Só que desta vez estava sozinha em casa. Caminhou para todos os lados. Sorrindo. E com uma mão apertando a outra. Desta vez não foi o habitual auto abraço. Desta vez se deu as mãos. Estava se sentindo acolhida. Esta era a sensação mais forte. Acolhida.

 

Telefonou para eles e contou. Riram. Concordaram com a sensação de acolhimento dela. Do mais místico deles ao mais pragmático – acharam uma comunhão de coincidências. E ratificaram a positividade da escolha. Entenderam como o momento certo no Lugar certo. Perfeito.

 

Ainda caminhando e organizando a rotina para o dia seguinte – fez mais uma nomeação. A do nome e sobrenome. Desta vez riu leve e sentou-se no sofá da sala. Soltou as mãos e os ombros relaxaram simultâneos.

 

Era um Tempo Altruísta.

 

publicado por Lêda Rezende às 22:05

Gostei.
Caravaggio a 16 de Novembro de 2011 às 23:30

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