Blog de Lêda Rezende

Janeiro 17 2011

 

Quando todos combinaram ir para lá para o Ano Novo – apenas escutou. Desta vez não iria. Questões de ordem prática e funcional. Assim explicou.

 

A reclamação foi ampla e geral. Todos se amotinaram. Como assim não iria. Todos estariam lá. E justo ela que amava a festa e forma de festejo dos de lá. Ela estaria lá também. A amiga d’além mar. Viria para o Natal e depois todos viajariam para a cidade de origem – onde dizem até que é doce morrer no mar. Ou cantada em versos lentos a beleza de passar uma tarde ao som do mar. Insistiram. Mas ela confirmava. Desta vez não irei.

 

Estava firme na decisão. De inicio até optou pelos opostos. Iria para o Sul. Todos se espantaram mais uma vez – mas ajudaram. Se era o que desejava – que assim fosse. Indicaram agências confiáveis. Ela telefonou. Explicou. Sugeriu. Avisou. E de consulta a agente de viagem a consulta a agente de viagem – o Sul ficou rapidamente para trás.

 

Concluiu carregada de nova suposta sabedoria. Ficarei em casa. Aqui mesmo onde moro.  Ou quem sabe em algum restaurante de hotel. Vou me cercar de urbanidade. Gosto do que é concreto. E deu o assunto – por encerrado.

 

Descobriu que há nada melhor do que uma manhã chuvosa de domingo cercada pela referida urbanidade – para que uma decisão se faça totalmente desperdiçada.

 

Acordou e viu nuvens. Muitas nuvens. O céu acinzentado sugeria que o dia já estava avançado. Confirmou a hora com o relógio. Nada. Era meio de uma manhã de domingo. O dia mal começara e as nuvens já quase o davam por finalizado. Uma chuva forte complementava a paisagem.

 

A cortina natural que oscilava entre o branco e o cinza - a fez virar-se para ele de um golpe só.

 

Ele – calmo lia as noticias do dia. Recostado na poltrona digitava as páginas dos jornais e escutava música. Uma tranquilidade serena – para ser bem enfática. O dia parecia seguir uma rotina sem maiores novidades. A chuva se servia do terraço como posseira. O barulhinho das gotas volumosas no vidro da escada fazia um eco com a sala. E parecia só aumentar. Uma música invasiva desafinada que não atendia a controles remotos. Ela se aproximou da porta da varanda. Olhou a chuva. Ficou um pouco na pontinha dos pés para ver algo mais adiante. Olhou o céu. A rua deserta. Os prédios mais distantes ficaram com os contornos apagados. Tudo parecia uma massa só. E um ventinho mais frio entrou pelas frestas das portas e janelas que a fez sentir um súbito arrepio. Abraçou a si mesma – percorrendo os braços dos ombros até os dedos e refazendo o trajeto no corpo. Talvez em busca de algum calor mais externo do que interno.

 

Quem a visse e a conhecesse saberia que algo mudara. Cada vez que surgia este auto-abraço, podia-se assim denominar – uma mudança interna se operava. E muito mais intensa do que quando apertava apenas uma mão contra a outra. Mas enfim. Não estava sob análise - fez o gestual. E deve ter se compreendido. Ou incompreendido. Vai lá saber as leituras que um domingo de chuva possibilita.

 

Foi assim que a cortina natural que oscilava entre o branco e o cinza - a fez virar-se para ele de um golpe só.

 

Caminhou até ele sem formalidades ou pisar sorrateiro. Olhou para a varanda mais uma vez e virou-se para dentro da sala. De costas para a chuva. Sob o barulho das gotas volumosas no vidro da escada. De pé - falou em alto e claro som. Teria que vencer o tal barulho do vidro da escada. Não queria equívocos – desta vez. Já bastava o inicial da decisão entre o Sul e o urbano.  Não que desgostasse de um ou de outro. Mas era verão. Festas de final de ano. Era sobre o mar de lá que falavam. E todos estariam lá.

 

Com o uso pleno e resgatado - na íntegra - do sotaque do destino a ser solicitado falou objetiva. Fina como um estilete cortou o barulho na escada e a chuva com a frase - todos vão para lá menos nós dois. Gostaria de ir. Muito. É onde quero mudar o Ano.

 

Habituado ao estilo dela – ele riu. Só questionou superficialmente o por quê de não ter falado antes. Mas não aguardou a resposta. Não considerou mais necessário. E os dedos já trocaram notícias por companhias aéreas.

 

Ela aguardou. Silenciosa. Ia e vinha de sala a quarto. De varanda a cozinha. De livros a filmes. A exposição máxima da ansiedade quase pueril. Temeu por não conseguir. Estava já em cima da alta temporada. Deixou que ele resolvesse. E cuidou de se acalmar olhando a chuva. Mas só piorava. Alinhou e realinhou até os enfeites da mesinha de centro. Mais um pouco e teria pintado a sala. Ou escovado os tapetes.

 

Riu quando ele ergueu os olhos da tela para ela. Disfarçou um desinteresse. Um tanto faz. Uma precaução – talvez.

 

Ele rindo confirmou - fica tranquila. Já temos nossas passagens. Vamos logo depois do Natal.

 

Ficou feliz. Exultante talvez fosse o termo mais coerente com a expressão dela. Deu pulinhos. Beijinhos. Organizou horários. Reviu a agenda profissional. Fez e refez o calendário muito mais vezes do que deve ter feito o gregoriano criador da divisão dos meses e ano.

Telefonou para todos. Avisou que também iriam. Que já estava com passagens compradas e datas fixadas. Tudo resolvido. Comemoraram. Avisaram imediatamente à amiga d’além mar que de lá riu numa surpresa não muito convincente. Conhecia bem o funcionamento dela. Não negava que se surpreendera apenas pela demora na retirada de uma decisão e na tomada da outra. Até brincou. Deve ser o resultado dos anos passando.

 

Só conseguiu dormir muito tarde. A emoção estava maior que a razão. Desconsiderou a rígida hora de despertar - na manhã da segunda. Quando por fim o cansaço venceu - dormiu e sonhou com o mar. Com a areia. Com o sol quente na pele. Com letras de música. Com o dourado das comidas. Sonolenta - afastou na madrugada lençóis e edredons. Jurou sentir o calor de um vento morno com cheiro de maresia durante a noite – mesmo com a insistência da chuva ainda batendo no vidro da escada.

 

Acordou com o toque do despertador. Ainda chovia. Estava escuro.  Foi logo refazendo a véspera. Estava tudo correto. Não fora um sonho. Iria logo depois do Natal. Desceu as escadas cantarolando sobre coqueiros e pescadores – e seguiu o ritmo habitual.

 

Ainda faltavam três semanas.

 

 

 

publicado por Lêda Rezende às 23:09

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