Blog de Lêda Rezende

Fevereiro 01 2010

 


Como fui fazer isso. Sou mesmo imprudente.

 

Sempre me disseram isto. Minha avó me aconselhava. Prudência acima de tudo, menina, prudência acima de tudo. Mas nada. Estou sempre esquecendo os bons conselhos. Ao menos conheço muitos seguidores deste tipo de esquecimento. Mas agora não é hora para estatísticas. Estatísticas de nada servem. Só apontam. Não solucionam.


Não era ele. Mas como eu iria adivinhar se ele é quem chega esta hora e toca a campainha.


Ele tem a chave. Mas sempre toca a campainha. Deve ser para me escutar correndo pela casa. E abrir a porta sorrindo. Ele e a vizinhança toda. Sim. Corro bem rapidinho. Fazendo barulho para ele escutar.

Mas não era ele. Como explicar. Nem sei. Com a quase falta das roupas veio a quase falta das palavras. Bem existencialista. Pensamento cru. Nu. Ri da analogia.

 

Não é só o pensamento que está nu. Ou quase nu. Já é uma forma de vestir. Quase - veste muitas vezes - muito mais. Mas se não é hora para estatísticas, imagina para filosofia. Ri. Acho que ri. Correndo pela casa. Enrolada numa toalha. E abrir a porta.

 

Foi um dia tão árduo. Acabei de voltar do cumprimento do juramento. Hipocrático. E essa me acontece. Que situação. O olhar dela. Parecia que estava vendo um fantasma. Ele. Mal me falou de tanto que ria. Ele tem bom humor. Ou já se acostumou com meu jeito. Não desse jeito. Mas não complicou.

Tudo já estava complicado. O suficiente.  Ela ficou séria. Perguntou se eu estava com algum problema. Lógico que estou. Alguém sem problema sairia correndo pela casa para abrir a porta de toalha sem nem querer saber quem poderia ser. Não falei. Pensei. Não estava com este fôlego todo. Hipócrates ficou com a maior parte. Do meu fôlego.

Lembrei da frase dele – cada uma que se escuta.

Sorri educada. Educada. Esta palavra está em total desacordo. Com a situação. Ela deve estar com medo que seja algum mal de família. Ela sempre repete aquela frase. De por um levar todos. Ou por todos levar um. Já não sei mais. Deve ter também uma toalha em meu cérebro agora.

E tinha que acontecer logo com ela. Justo com ela. Sempre julgando. Analisando. Conferindo. Decidindo. Sempre séria. Humor difícil. Bom humor difícil. Vive apreensiva. É o que me parece. Mas não estou em condições de muita apreciação. Neste momento. Nestas horas é que discordo do pensamento do austríaco. Muitas vezes é exatamente como parece.

Lembrei daquele outro dia. Também mal tinha retornado. Já atendi ao telefone me nomeando propriedade de quem estava do outro lado da linha. Eu. Sua mulher. Falei assim. Em alto e bom som. E um riso anexado.

 

Onde já se viu. Nem esperei escutar direito a voz. E já fui com a oferta. E o sujeito entendia nada. Nem eu. Foi um suor. Esta é a palavra exata. Eu e o desconhecido a tentar adivinhar quem estava errado. Ou se havia mesmo um erro a ser detectado.

 

Isso sem falar num cliente. Chamei de meu amor. Novamente pelo telefone. Ele nem sabia mais se era meu cliente. Ou pior. Que tipo de cliente ele queria ser. Devo estar ficando compulsiva. Por telefone. Por estranhos. Ri.

E ele riu muito quando soube. Ele ri feliz porque só penso que é ele.

Não sou só imprudente. Sofro de mania de surpresa. Outra conclusão sábia. Só é imprudente quem sofre de mania de surpresa. Genial. Ele tinha me dito que só viria muito tarde. Mas eu achei que faria uma chegada inesperada. E lá se fui correndo dando asas e pés à imaginação. Só devia ter colocado uma roupa. Para não passar esta vergonha. Agora ficou parecendo letra de bolero antigo.

Conclusão rápida e certeira. Imprudência é estrutura. Quem é imprudente é no ato e no pensamento. Não entende a palavra combinado. Não existe combinado não alterável. Esse é o pensamento do imprudente. Vive de inesperado. Abre portas à toa. Nem sempre dá certo. Nem sempre o final é feliz. E sempre repete que vai mudar. E quebra o combinado consigo mesmo. Só não decidi se sofre mais ou menos que o prudente. Esse é um pensamento para outra ocasião. Com menos toalha envolvida.

Ela me mandou ficar à vontade. Não iriam demorar. Como assim eu ficar à vontade. Mais. É verdade. A falta de humor conduz ao pouco raciocínio. Isso deveria já ser um axioma. Ela sempre séria. Pouco ri. Também parece não escutar o que fala. Se me colocar mais a vontade que farei. A palavra escalpelo me veio. Ri. Dela. Lógico.

Muita observação. Para quem está na situação que estou. E na sala. No sofá da sala. No velho e bom sofá da sala. Qualquer dia escreverei. Sobre este bom amigo. Acho até que já escrevi. Só não sei onde está. O texto. O sofá e a toalha eu sei. Ainda. Sim. Com licença. Acho que este é o pedido inflacionado. Universalmente. Pedir licença. Pede-se licença. E, muitas vezes, pede-se a nada. Ou para nada. Nova descoberta.

 

Sou uma filósofa quando estou abraçada a uma toalha.


Chega. Ordenei ao meu cérebro. Sossega. Chega. Já me basta a bizarra situação.

 

Melhor colocar uma roupa. Sem correria. Mais conveniente ir andando. Bem devagarinho. Até o quarto. Como se uma lady antiga fosse. Pensei em falar algo bem profundo. Uma explicação bem profunda para a situação ficar desculpada. Vieram mil idéias. Estava lendo Filosofia Alemã e esqueci de vestir a roupa. Estava pensando em fazer uma meditação zen budista e nem deu tempo de vestir a roupa. Escutei a campainha tocar e achei que era ninguém e vim confirmar.Mas nenhuma destas frases me parecia adequada. Ao inadequado da situação. Mais existencialismo. Se falar muito acabo é internada. Interditada. Algo por aí. Melhor dosar bem as palavras. Já basta a tal toalha.

Já vão. Tão rápido. Não. Já tomei banho. Quer dizer, ia tomar banho. Não. Estava saindo do banho. Nossa. Quanta confusão. De repente me parece que o mundo gira em torno de uma toalha. Está bem. Voltem sempre que quiserem. Adoro ver vocês por aqui. Que bobagem. Não precisam avisar.


Estava aguardando seu telefonema. Eu estou ótima. Só com um pouco de calor. Vou tomar um banho. Já que a toalha está tão à mão. Não. Esquece. Depois explico. Melhor usar a chave de agora em diante. Ou vai ficar na porta. Esperando eu me arrumar. Com direito a salto alto e blazer. E passos suaves. Nada mais de correria. Prudência, prudência acima de tudo. Meu novo lema. Como assim não está entendendo a minha fala? Ri. Depois vai entender.

 

publicado por Lêda Rezende às 20:44
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