Lembrara do sábio Poetinha camarada. Era claro e objetivo. Por isso mesmo um Poeta.
Nada como o tempo para passar.
Esta frase ficou guiando o amanhecer. Repetiu-se muitas vezes. Autoritária. Persistente.
Procedia. Já se fazia quinze dias. Desde aquela tarde.
Ficou com alguns lapsos solidários aos lapsos da consciência. Lembrava da injeção. Lembrava das mãos dele apertando as dela. Lembrava que nevara no sétimo andar. Riu. Aquela risadinha lúdica por entre os lábios. Por isso adorava as defesas da emoção. A neve fora muito companheira. O local era frio. Melhor um deslocamento. Correto.
Passara estes dias em casa.
Deitada - no início. Parecia que nunca mais se moveria. Devia ser algum Festival de Gemidos. Deveria estar participando de um deles. E vai ver não lembrava. Fora inscrita – sem autorização. Até sem solicitação. Mas enfim.
Não fugia ao estilo dela. Eis algo inegável. Era dramática - mas se divertia com o libreto. Ocasionalmente gemia. E deitada ficava.
Foi assim que lembrou o Poetinha.
Foi mais rápido do que o previsto. Se sentiu como renascida. Foi até o espelho. Se confirmou. Daí em diante o ritmo mudou. Sentou. Caminhou. Desceu. Subiu. Participou.
Viu a chuva do terraço. A cor cinza dominava a paisagem. Enevoava a visão. Obstaculizava os detalhes. Encobria as mil e tantas janelinhas. Desordenava os mil e tantos prédios. À sua frente apenas uma cortina de água.
Teve de tudo. De garoa a temporal. Raios e trovões. Depois o céu azul. O calor. A brisa. O clima parecia seguir uma ordenação. Dentro do caos absoluto. Fosse um pouco mais paranóica e acharia que tudo era com ela. Mesmo que a favor. Riu de novo.
Mas o mundo gira na posição correta. Principalmente quando há um calor a mais. Como se as Leis da Física se tornassem viáveis. Quase compreensíveis. Tudo parece mais nobre. Nem sabia se este era o termo correto. Mas foi o primeiro que veio à mente. Obedeceu.
Recordou desde o dia da decisão. Desde o agendamento.
Ele acatara. Acolhera. Que seja assim então. Sem nenhum apesar de. E ela se sentiu bem. Muito bem.
Antes. Muito antes. Desde há dez anos. Ele sempre compactuando. Na singularidade das rotinas. Nas parcerias das definições. Presente. Mesmo – se - não corporalmente. Dedicado. Cuidadoso. Não faltavam mimos. Nem gracinhas. Nem ombro. Na ausência física - telefonava.
Mas a partir daquela tarde - ratificou. Entendeu letra por letra - o significado da palavra companheirismo.
Nada tem a ver com solidariedade. Com preocupação. Com certidão.
Companheirismo é uma atitude. Uma emoção. Maior que um ato. Menor que um fato. Acima de um contrato.
Expõe-se no olhar. Na modulação da voz. Nas sugestões mais simples. Surge por inteiro. E compõe a própria tela – aos pedacinhos. Não é invasivo. Nem acidental. Pode até carregar alguma temeridade. Mas é pleno de afetuosidade. É sutil. Mas inflexível. É doce. Mas perspicaz. Não compartilha com nenhuma outra filosofia nem mandamento. Vive a exclusividade do gestual.
Companheirismo é da ordem da precedência. Antecedência. Tem um tempo particular. Que desarticula proposições e mediações. E vive num espaço próprio. Não questiona parcialidades.
Descobriu – surpresa - que não é uma opção. Não sabia bem o que era. Vai ver a chuva também interferia na nitidez. Das conclusões. Até riu.
Olhou para dentro do terraço. Viu a casa. Os quadros. Os móveis. As fotos nas mesinhas. Parecia tão iluminada. Perfumada. Entrou. Continuou consigo mesma. Quase numa dialética enviezada. Não achava a saída. Se fosse um mérito – era minimizar o ser. E fazer dele um estar. Não era bem isso. Era muito além - disso.
Teve enfim uma mágica sensação de percepção. Riu. O telefone tocou. Era ele. Perguntou pelo cansaço. Pelo descanso. Pelo dia. Pela rotina mudada. Pela planejada. Até pela dispensada. Riram.
Entendeu. Companheirismo é ligação. Ergueu um brinde metafórico – às metáforas tradutoras da Vida.
Jogou um beijo em direção a ele.