Fiquei pensando de que ângulo se vê melhor.
Ângulo é sempre da ordem da intenção. Muito mais que da extensão.
O dia tinha sido especial desde o começo.
Começou com um susto. Vi a luz do dia clara. Invasiva. Definindo o espaço. Sem constrangimentos. Ou meias sombras. Assim. Explicita. E eu com os olhos esbugalhados. Boca aberta. Raciocínio arrancado às pressas. Do onírico ao real em tempo recorde.
Esqueci de ligar o despertador.
Como farei agora. Assim. Perguntava a mim mesma. Aflita. E não conseguia me responder. Só fiquei ali. Apavorada – diria. Agenda lotada. E essa agora. Perdi a hora.
Quase perdi mesmo foi o equilíbrio. Mental. Mas tão rápido quanto - quase – perdi, recuperei.
Era um sábado. Um sábado. O tal sonhado sábado chegara – e eu duvidava.
Vai lá saber por que. Confundi os dias. Ou fiquei presa na véspera. Prisioneira do despertar anterior. Nem conseguia festejá-lo. Fiquei ali catatônica. Assustada. Querendo descer escada abaixo. E diante de um dia de folga. Da tão sonhada folga. Cinco dias a esperar este dia chegar. E este desatino. Incrível.
Ainda bem que as pernas foram mais sábias. Vai ver entendem melhor de calendário do que se imagina. Ou não se aceitam submissas com facilidade. Ou – melhor ainda - não saem por ai a correr desatinadas. Aceitando qualquer ordem. Primeiro aguardam. Para depois agir.
Algum dia - escreverei sobre isso. A apologia das pernas decididas. Mas enfim. De onde estavam – não saíram. Não se moveram. Continuaram na cama. Bem esticadinhas. Aguardando a consciência tomar um rumo adequado.
Deixei passar o susto. E iniciei a rotina da folga.
Não sem uma decisão. Já que eu desautorizei o sábado – melhor deixar que ele me autorize. E deixei o dia se organizar. Por conta própria. Lembrei do poetinha. Ele sim. Entendia de sábado como ninguém. Saravá.
Foi uma surpresa atrás da outra.
Então é assim. Nem sempre sabemos. Ou impomos. As horas podem também fazer isso por nós. Este sim. Um susto agradável
O lugar ele escolheu. Uma surpresa. Desceu e avisou. Convidou. Vamos até lá. Um lugar ao ar livre. Um espaço aberto. Vamos sim.
Lindo. Nunca antes havia estado ali. A água doce e calma. A luz mais calma ainda - se espalhava pelo espelho d´água. Era um dia de delicado sol de inverno. A mata em volta esbanjava contraste. Garças brincavam nas bordas. Desimpedidas de compromissos. Ágeis em sua proposta. Bicando felizes - o almoço interminável.
As mesas ficavam dispostas próximas da borda.
Veleiros cruzavam solenes. Motores ocasionais passavam e cortavam a água. Com barulho. Placas convidavam a passeios. Uma revoada de pássaros proprietários expunha a autoridade. Uma pontezinha de madeira avançava água adentro. Oferecia e gemia a cada passada. Mas avançava com confiança.
Mais uma surpresa apontava saudades. A música. Falava da tarde naquela praia. Tão longe. Mas que- de repente - pareceu tão perto. Não resisti. Entrei no pequeno restaurante e aplaudi o cantor. Sorridente – agradeceu.
Ficamos horas caminhando diante da água doce. Impregnados do cheiro doce da água. Invadindo a pontezinha gemente.
Sentamos. Observadores cuidadosos do tempo - a seguir seu ritmo.
Ali. Com nossas pernas – mais uma vez – esticadinhas. Só que desta vez – ao menos as minhas - confortáveis. Em acordo com o pensar.
A tarde foi caindo. As garças caminhando lentas para fora da água. As luzes se acendendo. Um ventinho mais frio marcava a estação. E avisava da hora.
Quando saímos – olhei para trás.
Foi aí que fiquei pensando no tal ângulo. Em todos os possíveis ângulos. Para se conviver com os dias. Com as noites. Com os erros. Com os acertos. Com os sustos. Como se fosse sempre assim. Donos disfarçados do próprio destino.
Comentei com ele. Adorei. Sequenciei - obrigada. Cada vez que me perguntar onde quero ir – direi aqui. Ele riu.
A urbanidade também tem seus misteriosos ângulos. E as suas – doces – surpresas.
Pensei. A Vida sabe privilegiar os dias. Sorri. Feliz.