Blog de Lêda Rezende

Julho 29 2009

 

O primeiro pensamento foi o habitual. Corriqueiro. Não acredito que isto está acontecendo. Até esboçou um sorriso. Mas no pensamento.

 

Sim. Rir de expressão facial seria arriscado. Todos que estavam ali dentro não tinham a menor intenção de rir. Ou de ver alguém a rir. A coisa parecia séria. As pessoas em volta pareciam assustadas. Somando tudo isso chegou a uma outra banal conclusão. Deve haver um risco.

 

Ajeitou-se melhor na cadeira. Buscou um mínimo de conforto. Nem que fosse pura fantasia. Conforto era objeto inexistente. Naquele lugar e naquela situação. Mas enfim. Buscou fingir que se aconchegava. E se aconchegou a si mesma. Não sem antes tomar uma atitude. Considerava-se uma pessoa de atitude. Agora era o momento de se provar isso.

 

Controlou o riso mais uma vez. Até se desentendeu. Devia ser alguma nova patologia. Porque ninguém em saudável raciocínio teria vontade de rir. Ali. Aquela hora. E com aquela temeridade. Mas permitiu a vontade. E proibiu a exposição da tal vontade. Se persistisse – prometeu. Buscaria uma ajuda profissional. Medicamentosa. Até cirúrgica. Mas alguma cura teria que ter.

 

Já que a esta altura já se sentia com a doença instalada.

 

Resolvido isso – mudou de texto. Abriu o ladinho da bolsa. Acrescentou aos pensamentos o objeto auditivo egóico. Seu tenor preferido a privilegiava com suas árias preferidas. Nem ousou pensar a palavra - perfeito. Ai já não seria uma patologia susceptível de cura.  Ai já seria buscar a ira do Universo. E isso já seria demais. Até para ela. Censurou na primeira letra da palavra. E ficou ali a escutar. A voz. A música. O coro. O relato dramático em decibéis corretos.

 

Por um segundo veio uma palavra nova. Legado.

 

Sim. Se a situação era de risco. Se a gravidade estava já denunciada e aceita. Qual seria seu legado.

 

Complicado. Aprendera algo.  O que foi dito – permanece. O que foi esquecido de ser dito – também permanece. Mesmo o sujeito oculto - continua sendo chamado de sujeito. E as pessoas complementam. Uns diriam – falei com ela hoje. Outros – faz tempo que não falo com ela. Mais alguns – passou o dia todo trabalhando. Mais outros - ela reclamava tanto do horário. De uns - condescendência. De outros - informações. De mais outros - considerações. As pessoas acabam por preencher com frases – as faltas materializadas.

 

Mudou novamente de texto. Porque lembrou deles. Sem comentários. Já que não podia rir – também não iria chorar. Deu - a si mesma - um titulo. Extremista. Fez até um discreto sim com a cabeça. Ninguém notou.  

 

Um senhor mais alto – de pé – informou. Foi um problema com o da frente. Algo que ver com os trilhos. A chuva está muito forte. Acho que vamos todos ter sair. E caminhar por aquela minúscula trilhazinha. Bem coladinha no paredão. Para subirmos.

 

Concluiu. Eu não. Não vou. Tenho horror de caminhar em lugar apertado.

 

E ele sempre diz que sou malcriada. Junto os dois e daqui não saio.

 

Aumentou o som. O tenor se espalhou. Melhor escutar aquela ópera. Que a outra que estava se construindo.

 

Ia fechar os olhos quando ela veio falando. Gesticulava alto. Queria organizar um motim. Sobre os trilhos. Dar queixa. E naquela situação. Não deu para segurar. Riu. A cena ficou patética. Amotinados no subterrâneo e sobre trilhos molhados. Nem aquele francês pensou nisso. E olha que ele adorava um fosso. Devia ter nascido aqui e agora. Ia se espalhar mais que o tenor nos  ouvidos dela.

 

Foi interrompida por outro. Com ar de sábio - levantou. Ergueu a mão. E a voz. Deu até um pigarrinho antes de falar. Pediu calma. Avisou. Excitação gasta oxigênio. Uma senhorinha sentadinha – até então alheia a tudo - levantou o queixo. O olhar. Em direção a ele. E balançou a cabeça – como se a frase lhe lembrasse algo já passado. O olhar pareceu mais distante que a saída.

 

Nova interrupção. Um gritinho fino informou. Subitamente. Matei. Matei. Passei agora para uma segunda fase. Todos se viraram. Tudo era sinal de perigo. Identificado o matador – todos voltaram a sua posição anterior. E ele feliz – acionava rápido com seus dedinhos as teclas do joguinho. E ria a cada possível mudança de fase.   

 

O frio foi cedendo espaço. Ao calor. E a maioria retirava casacos. Capas. Lenços. Uma semi nudez sem objetivo. Apenas o ato pelo ato. Como se bastasse um suar – para todos se despirem. Fez lembrar o mestre austríaco.

 

Veio uma suave voz - saindo por um tubinho com tela. Informou. Estamos re-iniciando o trajeto. Pedimos desculpas pelo transtorno. As chuvas causaram problemas. Mas já estamos com a situação sob controle. E avisou a próxima parada.

 

Ele começou a vestir o casaco e comentou. Com a absoluta segurança dos pessimistas. Lá em cima está bem pior do que aqui embaixo. Hoje ninguém volta para casa.

 

 

Impossível resistir. Ela riu. Alto. 

 


E como é bom, rir, alto.

Lêda como sempre, muito bom.
sara maria a 1 de Agosto de 2009 às 00:34

Rir ou só até mesmo sorrir está provado que é um bom remédio. Antigamente eu ria por tudo e por nada. Tudo tinha uma certa graça para mim ás vezes até situações complicadas eu as levava com um sorriso. Agora já não, já não acho tanta graça ás coisas. Levaram-me o riso. Quem foi ?? Não sei, se calhar eu.
Um bom fim semana e um beijo querida Lêda
LuaSemSol a 1 de Agosto de 2009 às 15:49

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