Blog de Lêda Rezende

Julho 14 2009

Daqui dá para ver com clareza. O gestual dele. O aspecto excepcional. A tranqüilidade de alguma forma adquirida. A ocupação de alguma forma conquistada.

 

Ficava ele ali. Na janela. Por horas. Brincando de bolhinha de sabão. Um potinho. O arco. E as bolhinhas se fazendo, voando e se desfazendo. Umas - maiores.  Outras - menores.  Não tem hora. Não tem turno. De repente ele começa a sua possível tarefa. Dentro da impossível ordem.

 

Sopra com delicadeza, embora o corpo seja forte e pesado. A cada bolhinha para e observa. Inclina-se um pouco para frente. Como um observador do percurso. Segue com o olhar. Talvez esta seja sua única forma de se libertar.

 

Diante de todo um contexto aprisionado.

 

Quem sabe expressa sua imobilidade assim. Pela mobilidade das bolhas. Ou se faz identificado. Pela curta mobilidade. Iguais a ele – elas também têm o caminho limitado. Ou o tempo. Mas diferentes dele – elas podem sair e voar. Mesmo que depois desapareçam. Como fora de si – e conduzidas pelo vento - partir.

 

Não parece ser importante o tempo de vida. Das bolhinhas. Mas o tempo de fabricação. Assim se pode chamar. O tempo que começam a voar por determinação dele. Libera as bolhinhas. Dá uma espiadinha. Vê a saída delas. E já retoma a produção. E repete o gestual. Por horas. Calmo. Sereno.

 

Como deveria ser todo autor. Diante da própria produção.

 

Houve uma vez uma festa de Natal. Podia se escutar as vozes. Os barulhos. Observando bem podia até escutar o olhar dele. O olhar vibrava. Ansioso pelo presente. Mexia as mãos. O corpo dançava um para lá e para cá com ritmo compassado.

 

Entregaram.

 

Alguém veio. Abriu bem a janela. Ele acompanhou. Prepararam. E ligaram a máquina. Uma máquina de fazer bolhinhas. Assim. Prática. Ligava e elas saiam. Simples. E numerosas. Saiam aos montes. Muitas. De uma só vez. E voavam pela janela a fora. Com altivez. Independência. E com um barulho próprio. Uma mágica ao alcance de um aperto de um botão.

 

A princípio ele olhou. Parado. Nem ergueu as mãos. Nem acompanhou com o olhar.

 

As bolhinhas saíram pela janela e ele entrou para a sala. Assim. De imediato. Como um ballet sem música. Sem tempo de perdas. Mas carregado de perda de tempo. Com sincronicidade. Mas sem simultaneidade. Assim ficou diante da máquina. Que independia da vontade dele. Que substituía sua rotina por um aperto de botão. Não sabia como lidar. Parecia temeroso. Como se tivesse perdido o controle. Da sua vida. Da sua janela.

 

Não comandava mais. Havia uma validade na quantidade. E a ele agora não mais pertencia. Vivia sob controle. Agora perdera seu único comando.

 

Assim parecia expor. Com a saída da janela. Com o descaso com as bolhas soltas. Dispersas. Aos montes. De repente deu as costas para elas. E sumiu para dentro da casa.

 

A máquina, solitária, lá ficou por um tempo obedecendo ao botão.

 

Parou de brincar. A janela se fechou. Não mais aparecia.

 

Um dia a janela foi aberta. Ele veio feliz. Parecia feliz. Com o potinho. O arco.

 

Mas algo se modificara.

 

Antes já chegava libertando as bolhinhas. Desta vez - primeiro olhou. Em volta. Para cima. Para baixo. Para os lados. Até para dentro da casa. Segurava o potinho com um gesto protetor. O arco entre eles. Apertadinho na mão. Talvez buscasse a traição. Ou o descontrole. Parecia procurar pela ausência, muito mais que pela presença. Buscava uma certeza. Talvez tenha aprendido que até as certezas oscilam. E nem sempre estão do lado favorável.

 

Depois de todo esse cuidado colocou o potinho na murada. Acariciou o arco. Mergulhou no potinho. E sorriu. As bolhinhas saíram pelo mundo afora. De novo. Mas desta vez sob sua orientação. Sob sua guarda.

 

E manteve a produção de acordo com a própria vontade. Exibindo no rosto a expressão feliz de quem cria. Mesmo que depois perdesse o controle. Não importava.

 

A criação é mais importante que o prazo da entrega. Ou da durabilidade.

 

 


olá, trabalhando, né ???
Peter a 14 de Julho de 2009 às 21:41

Vemos isso pelos nossos filhotes. A NOSSA criação, a NOSSA obra de arte e venha ela quando vier e vá ela quando for a essência está na sua maneira de ser e estar.
Um beijinho querida
LuaSemSol a 15 de Julho de 2009 às 12:02

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