Querido:
Não esqueça de escovar os dentes deles.
Falar para a médica sobre a vacinação, a carteirinha está na sacola
Fale sobre as manchinhas atrás das orelhas deles
Fale sobre a alimentação
Pergunte se ela vai passar alguma vitamina
Fale do dedo que a Marina não tira da boca e já está até machucado – (o que fazer?)
Pergunte se já está na hora de sair das fraldas (o que podemos fazer?)
Leva os exames – já coloquei na sacolinha, não achei o comprovante para pegar os outros. Acho que você levou para a Empresa e não trouxe. Leva as carteirinhas que dá para pegar.
Lave o cabelo do Paulinho.
O cabelo da Marina é só prender. Fala pra minha mãe fazer dois rabinhos que ela sabe.
Dá um banho bem dado nos dois, tá?
Ah! Traz o papelzinho que marca a altura e o peso deles para eu marcar depois na carteirinha...
É isso. Estou indo sem querer, mas fazer o que... logo estou aí
Um beijo
Gêmeos. Foi um susto a noticia. Eles mal tinham saído do juramento na saúde e na doença e lá estavam. Na alegria e na certeza. Sim. Eram dois. E um casal.
Entenderam a Vida. A arte da Vida. E a razão de viver. Entenderam tudo isso ao mesmo tempo.
A consulta era de rotina. Estava atrasada a fisiologia. Mas devia ser o cansaço. Viajaram logo depois da cerimônia. Na volta foram cuidar de organizar a casa nova. E isso incluía documentos e volta à rotina do trabalho. Nem se preocupou. Tinha engordado um pouco. Devia ter sido pela ansiedade. Da festa. Da viagem. De toda a mudança de vida. Da volta ao trabalho. Dos horários mudados. Estava explicado.
Quando a certeza é garantida - é sempre bom duvidar. A experiência é a arte de carregar – com segurança - muitas dúvidas. Assim foi a sabedoria do médico. Achou segurança demais. Examinou. Solicitou um complemento. Era rápido. Eles, tranqüilos. Conversando e rindo.
Veio o resultado. Foi cuidadoso. Perguntou se já tinham a vida arrumada.
Escutou que sim. Se estavam empregados. Escutou que sim. Se pensavam em ter filhos. Escutou um sim – mais tarde. Entendi.
O que vocês acham de sete meses. Acham muito tarde. Muito cedo.
Os que riam – silenciaram. O que silenciou – riu. Gêmeos.
Saíram do médico e voltaram para casa. Já da porta - no abrir da porta - a casa já não era a mesma que tinham deixado. De repente parecia tão pequena.
Horas antes sobrava espaço.
Foram a caminho do hospital combinando a decoração. Pensaram em comprar mais uma poltroninha. Quem sabe incorporar um dos quartos à sala. Seria o local da música. Mais um sofá. No terracinho – uma churrasqueira. Teriam tempo. Com calma a casa ficaria como queriam.
Na volta já era outra casa. Não a que eles fecharam a porta. E deram as costas. Agora abriam a porta. Olhavam de frente. Tão pequena. Não cabia mais nada. Nem poltroninha. Nem churrasqueira. Naquele minúsculo terraço. Nada mais de som. Muito menos de quarto incorporado.
Incorporada estava ela. Duplamente incorporada.
De repente se deu conta. Nem soube dizer por que. Mas entendeu.O mundo das listas.
Havia este mundo paralelo. A lista do chá de cozinha. Depois a lista do casamento. Passando por uma lista de convidados. Até a empresa de turismo cooperara - uma lista de hotéis. Teve a do chá de bebê. Bebês. Duas listas. Com direito a cor. A lista das compras. Então assim era o mundo. Só não sabia como não tinha percebido. Que listas não finalizam. Nunca.
Agora estava ele ali. Mais uma vez – diante de uma lista.
Seguiu – rigorosamente. Com toda a atenção que uma lista merece.
Estava com os “listados” no colo. Lindos. Os rabinhos dela maravilhosos. Cheirosos após um banho bem dado. Dentinhos limpíssimos. Feliz. Felizes.
Na saída pegou o papelzinho com o peso e a altura para colocar - na lista de acompanhamento deles.
Riu. Se sentiu integrado ao mundo.