Lembrou daquele texto. Ele falava mais ou menos assim - a pena parou.
Como se no meio do texto a pena tivesse parado. Ali. Estancada. Sem nada a dizer. Muito menos a declarar. Fez-se paralisia. Congelou. Atos. Não sentimentos.
Os sentimentos estavam tão abalados que não se davam conta. Não podiam continuar. Atropelavam-se. E ao mesmo tempo paralisavam. Sensação estranha.
Parecia que os fragmentos do tempo se afastavam. Deixando pedacinhos soltos. Como mosaicos abandonados – decompondo sua forma. O que era para ser continuação – virou passado. E como passado foi reportado.
Tudo numa mesma declarada inversão. Onde tinha que ter não tinha. Onde tinha que estar – já não mais existia.
De repente tudo ficara sem cor. Sem lastro. O alcance tinha sido maior que pudera imaginar.
A notícia viera junto com uma lágrima. Ficou ali escutando. Dizem os entendidos - em situações limites - falta chão. Parece uma metáfora sem importância. Ou uma analogia. Ou apenas uma comparação banalizada. Mas se é verdadeira não se sabe. Porque ali parecia o contrário. Sobrava chão. Muito chão. E não se sabia que lugar pisar. O que faltava era ar.
Se sentiu sufocada. Presa em algum ponto do discurso dela. Ficou assim. Suspensa na palavra. Presa na angústia. Paralisada na dor.
E ela em frente. Contando. Contendo. Relatando. Expondo a sua dor. A sua falta. O seu desamparo. Mostrando no corpo o resto inútil que lhe ficara.
Lembrou o Francês. Se uma perda é muito grande – a perda seguinte é das palavras. Procede. Teve abraço. Teve choro. Mas não teve palavra. Pelo menos a palavra certa. Deve existir uma só que seja. Que se diga. E que acalme. Proteja. Explique. Console.
Mas isso já é pedir demais a uma palavra. Ela vem em auxílio - em auxílio. Nunca em função. Parece que a palavra não tem função. Tem regra. Tem sinônimo. Tem antônimo. Tem até acento. Mas não tem função. Descobriu isso na hora. Na hora de verbalizar. Por que verbalizou silêncio.
Fez um esforço enorme. Para mover os lábios. Começou pelas letras. Tentou formar a palavra. Construir uma frase. Assim, desta forma. Como quem engatinha. Pensando em andar. E perdida naquele excesso de chão.
Não conseguiu falar. Ou melhor, conseguiu falar. Não conseguiu dizer.
Dizer da enormidade da dor compartilhada. Da compreensão da dor individualizada. Da certeza de uma dor materializada. Que até – de tão forte - podia ser tocada. E que não faltava chão. Sobrava espaço. Tinha agora ali, diante delas - um lugar vazio.
Foi tudo isso que quis dizer. Letra por letra. Mas só disse silêncio.
E paralisou diante da dor. Da ausência.
Quando ela saiu não sabia o que fazer. Com o dia. E fez o que tentou fazer com a palavra. Fez minuto a minuto. Depois as meias horas. Para depois completar o ciclo das horas. Seguiu então o compasso das horas inteiras. Fez o dia - apenas - cronológico.
E levou consigo os dias que não virão. Junto com este dia encerrado.
Haverá sempre um chão sobrando. Uma presença faltando. Haverá a ligação. Pelo elo faltante.
Uma ligação pela ausência. Fazendo assim bascular a impossível presença. Mas ainda assim - presença. Ou ainda assim – ausência.
Quando uma ordem é invertida – toda uma nova equação tem que ser estabelecida. E todo um tempo novo precisa ser – existencialmente - acreditado.
Ficou - em meio a este passar de dia cronológico - pensando nas idéias do filósofo alemão. Ele garantia que só a dor é positiva. Devia saber o que falava.