Blog de Lêda Rezende

Janeiro 16 2011

 



Já estava ficando até interessante. Não sabia se este era um termo pertinente. Mas não encontrava outro por absoluta falta de raciocínio. Estava em Estado de Abstraída. Vai lá saber se existe este recém criado estado - mas estava se sentindo assim.

 

Tudo começou quando recebeu um recadinho dele - assista ao vídeo da Mensagem de Natal da Empresa.

 

Ele criara o estilo. O texto. Escolhera a música. A sequência. Os escritores. Uma homenagem a quem se dedica ao ato da escrita. A lembrança dos caminhos que constroem a imortalidade. Quando ele explicou de forma sintética – ela entendeu de forma analítica. Quando ele explicou de forma analítica – ela entendeu de forma sintética. Riram.

 

Voltou para casa – foi imediatamente assistir ao vídeo. Deixou bolsas e chaves em qualquer lugar e se preparou para opinar. Assim pensou. Como são perversos os pensamentos desobrigados de convicção. Sentadinha – como quem assiste a um vídeo sem maiores euforias ou menores obstáculos – recostou-se no sofá da sala. Com a simplicidade exata que o ato em si requer e permite. E com a frívola curiosidade que o domínio do controle sequer questiona. Percorreu os caminhos indicados e com o cansaço do dia se fazendo vencedor – colocou uma almofadinha nas costas para aguardar o início.

 

Quando a tela abriu - achou maravilhoso. Narcisicamente inflou-se de orgulho dele.- e por ele.

 

O cansaço de vencedor passou a perdedor. A almofada foi a primeira a ser dispensada. Levantou-se reta – quase como diante de um hino. Ou diante de um chamado interior. Este sim – muito mais forte do que um hino. Recordou uma frase da avó de uma amiga. Se a captura não for mais interna do que externa não há emoção, menina, se a captura não for mais interna do que externa não há emoção. Procedia.  Quando esta ordem é invertida – é tarefa ou instinto.

 

O vídeo compunha-se de música e imagens. E um texto percorria as imagens ao som da música. A escolha fora perfeita. A letra falava da falta absoluta de arrependimento diante do bem feito ou mal feito na Vida. A voz dela – como um pardal - ia além dos decibéis ou da afinação correta. Era a voz de quem sabe o que canta muito mais do que por que canta. E era envolto pelas belas frases do texto que ele criara – uma celebração à comunicação escrita que dispensa e anula a vã temporalidade. Eis por onde se delineava a Imortalidade.

 

Chorou. A emoção foi maior do que a compreensão. Não entendia com racionalização o motivo das lágrimas. Mesmo que tantas vezes tivesse repetido que lágrimas e motivos fogem a qualquer coerência. E finalizasse esta frase sempre com um - ainda bem. Desta vez se interessou por um motivo. Uma causa. Uma conseqüência. Um intermezzo.

 

Nada.

 

Escutou repetidas vezes. Chorou na mesma proporção. A cada vez que assistia – chorava. Não um pranto. Mas um lacrimejar fino - espontâneo. Mais invasor do que dominador.

 

O Natal passou mais esta vez. Os festejos se encerraram. Aromas e sabores restantes ensacados e congelados. Enfeites retirados e enviados para o local de sempre. Papéis e laços de presentes amontoados e dispensados. A casa voltou à decoração cotidiana. Pouco depois os que vieram – voltaram. Os que ficaram – retomaram a rotina. Novos arquivos empurraram para trás a Mensagem de Natal da Empresa.

 

Num momento de rara desocupação resolveu ver os arquivos do computador. Faria uma espécie de faxina. Ao menos esta era a intenção consciente. Foi aí que apertou uma tecla e surgiu lá o caminho de acesso virtual – ao tal vídeo.

Arriscou. Vou assistir. Está tudo calmo e ordenado. Os pensamentos alinhados. A emoção navegando em águas doces. Vai ver fora o período. Ninguém passa incólume aos apelos da confraternização. Era uma explicação - senão objetiva – lógica. Ou o contrário.

 

Desta vez riu de si própria. Nada de cura. As lágrimas vieram desde a primeira imagem. Desde o primeiro acorde. E antes do canto começar.

 

Sentiu uma necessidade exagerada de compreender. Precisava saber o por quê. Entendia a letra da música – mesmo que o idioma fosse alheio. Reconhecia as imagens. Deteve-se no tal texto. Vai ver a resposta do mistério estava na leitura - e não na audição. Releu com calma toda a mensagem. Repetiu. Claro que com uma mão nas teclas e outra no rosto. Uma secava e outra apontava. Uma dança de mãos em meio a uma outra dança – qual uma sombra chinesa. Sabia que estava ali. Mas não conseguia ver a realidade. Sentia o que se passava – mas não conseguia contornar ou preencher o contorno.

 

Assim devem ser as des-orientações do inconsciente.

 

Telefonou para ele e contou. Até hoje choro com aquele vídeo e tanto tempo já se passou. Sei bem que só se chora pelas faltas despertadas em si mesmo. Tudo isso é óbvio. Nada de novo sob o céu. Mas a que falta remetia a choradeira diante do vídeo – eis a questão filosófica particular do momento. Até o inglês surgiu como possível ajudante. Entre o ser e o não ser – sempre repousa qualquer obscura questão.

Ele riu. Comentou sobre a reação analítica e a sintética. Sobre as trocas e os opostos. Sobre os muitos tempos que se misturam quando - uma música ou um texto - colocam as lembranças e a memória em Estado de Presença.

 

E entre o conflito do Ser ou Não Ser – optou decididamente pelo Ter.

 

Sem questão. Tinha o absoluto direito de chorar e se descabelar diante do tal vídeo. Quando quisesse se emocionar - ou discutir os contrários e os mistérios consigo mesma – tocaria na seta de iniciar. E que a memória ou a lembrança fizessem a parte delas. Por certo uma impede o que a outra não suporta enfrentar. Mais ou menos assim.

 

No final de tanto pensar e pesquisar a conclusão veio mais fácil. É assim que a Vida se faz demonstrativa. Muito mais pelo nada saber do que pelo saber. Muito mais ainda pelo esquecer do que pelo lembrar. Ou pelo excesso de mistérios em relação à escassez de soluções. Só o Tempo se diverte – sem marcas. Eis a Vida.

 

Despediu-se da fase inicial de abstraída. Com tranquilidade assistiu mais uma vez. Secou as lágrimas e deu continuidade ao dia.

 

publicado por Lêda Rezende às 01:05

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