Blog de Lêda Rezende

Janeiro 31 2010

 

Melhor fingir que não estou vendo.

 

Quem sabe - não está mesmo acontecendo. Eu que ando insegura. Não desta vez. Não. Ele está olhando mesmo. Só me faltava essa agora. A esta altura da vida. Ser vigia do olhar dele.

 

Coisa mais ridícula.


Vou me recompor. Manter a classe. Por que eu iria me incomodar. Por ele olhar para uma loura. Uma. Não. Duas. São duas louras. Ele está olhando para as duas. Isso é que é olhar bem dividido. E eu nem queria notar. Nem ligo para essas coisas. Vivo dizendo que cada um sabe o que faz. Ou o que olha.


Vou cuidar de comer meu frango frito. Foi para isso que viemos. Melhor mudar de pensamento. E de observação.


Acabo de lembrar. De vez em quando tenho que dar atenção a um frango.
Uma vez era um frango cru que precisava ser cozido.
Agora é a um frango frito que está pronto para ser comido.


Vou é comer com as unhas. O frango? Não. Ele.


Ele que continua passando olhares furtivos. Para as louras.
Pensa que não estou vendo.
Vou continuar falando sobre o assunto mais que interessante que surgiu agora: por que salvar as tartarugas.


Queria mesmo era uma tartaruga marinha. Das gigantes do tempo de Darwin. Para tacar na cabeça dele. Agora.


Não vou mais detestar tartarugas.
Surgiu uma finalidade para elas sobreviverem. Vou me associar àquele tal projeto. De adotar uma tartaruga. Vou adotar muitas.


Ele está tão bonito. O cabelo com os fios brancos. Contrastando com a camisa azul-escuro. Há um colorido tão iluminado no rosto dele. E ainda tem o olhar verde. Ele não tem olhos verdes. Tem o olhar verde. Tão bonito. Os gestos fortes.


Veio porque me achou triste. Ele é tão atuante. Fala pouco sobre o que faz. Age. Ele sabe como associar delicadeza à parceria. Se preocupa e age. Ele é modesto para auto-nomear os gestos de atenção. Não cobra nem aponta. Na forma carinhosa de lidar com quem gosta ele é esbanjador. Porém discreto.


Mas não se pode mesmo ter um pensamento afetuoso. Nem uma ponta de lucidez em meio à paranóia. Olha só o que ele fez. Olhou de novo para as tais louras.


Agora ele viu que eu estava percebendo. Sorriu. Sorriu para mim. Sabe bem o que eu estou pensando. E sorriu solto. Vivo repetindo que ele nunca me erra. E eu vivia dizendo que eu era invisível. Ele me vê mais que eu mesma. Como ele me disse dia desses. Com uma pontinha de aborrecimento. Ofendido. Como assim, não me via? Respondeu sério. Não me via e me sabia de cor. Que delícia de escuta.


Pronto. Agora resolveu brincar em cima do ocorrido.


Mas eu não lhe disse uma só palavra. Você que está falando de louras. Como assim me conhece. Eu estou calada. Imagino.


Eu ciumenta?


Nunca.


Estou mesmo. Encontrei quem tanto quis. Ando até escutando sininhos. Como nos filmes de Hollywood. Não abro mão dele fácil.
Posso abrir a mão é em cima dele. Isso sim. Se ele continuar olhando para as louras.


Ele sabe me ganhar. E ele sorri das minhas pequenas histerias. E olha que hoje quase vira uma grande histeria.


Vai que eu resolvo chutar o frango. E correr para o carro.
Ri.
Que pensamento mais pesado. Agressivo.
Não faria isso. Com o frango, claro.


Ri de novo.


Às vezes penso que estou sob teste. Ele estica o limite. Estica e eu ali. Ele me faz sentir que sou.
Poderia até alterar o que o filosofo disse. Nada de penso, logo existo.
Sou vista, logo – existo.
Lembrei de uma foto.


Eu não apareço no retrato. Na literalidade. Estou ao lado dele. Atrás de alguém. Mas sei que estou ali. Apareço porque o olhar dele está em minha direção. São muitos na foto. Todos olham para o fotógrafo. Só ele olha para mim. E a minha imagem não está no quadradinho. Fantástico. Me faço presente pelo olhar dele. Prescindindo do olhar voyeurista do fotógrafo para me saber fazendo parte.


Não vou dizer isso a ele. Quando ele ri porque está fazendo pirracinhas fica mais bonito ainda. Agora mesmo está tão bonito. Um riso tão aberto e enviesado. Riso enviesado é a definição certa. Exata. Do modo que ele está rindo para mim. E ainda tem aquelas ruguinhas em volta dos olhos.
E tem o olhar verde.


Verde quem está ficando sou eu. Inteira verde. Ódio verde.


Ele agora está se divertindo às minhas custas. E não consigo fingir.
Preciso reler o texto do austríaco. Sobre o ciúme. Não. Melhor deixar o austríaco fora disso. Acho mais conveniente ler sobre frango.


Ou escrever sobre como fazer um frango frito pegar fogo na mesa.
Piromagia. Essa deve ser uma terminologia bem nova.
Tão nova quanto esta minha fase.
Não tenho mesmo poderes mágicos. Senão muito mais estaria frito aqui alem do frango.


Pior mesmo sou eu estar rindo de mim mesma. Rindo para ele que ri de mim. Nós dois rindo de mim. Inacreditável.


Até o frango parece estar também rindo de mim.


Lógico. A única frita aqui sou eu.


Mania que tenho de noticia de Jornal. Ele sempre se divertiu com estas minhas matérias ocultas. Mas daria uma boa notícia: mulher acompanhada por um homem sorridente frita na mesa. E diante de um frango e de duas louras. Motivo aparente: ciúme vulgar.


Não. Teria que mudar o adjetivo. Ele disse que nada em mim é vulgar.
Adoro quando ele me diz isso.
Mas que dá vontade de fritar o restaurante todo, lá isso dá.


Sim, meu amor, vamos. Você dirige. Claro. Eu não sei o caminho. O frango frito. Sim. Estava uma delicia. Não. Louras? Tinha alguma loura lá? Não percebi.


Falei nada. Só você que falou. Você quem disse. Que elas eram louras. Meu olhar? Que tem meu olhar? Do que você está rindo?


Acho melhor mudarmos nosso cardápio para – peixe.

 

 


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