Blog de Lêda Rezende

Novembro 21 2009

 

A noite era de festejo.

 

Parceria comemorando a individualidade. Uma noite em que o início seria celebrado. Mais ou menos assim. Ele estava feliz.

 

A noite estava clara. Quente. Carros passavam acelerados pelas largas avenidas. A música se integrava a cada esboço de aglomeração.

 

A escolha fora dele. Deste especial espaço. Optava por conhecer os hábitos nativos. A rotina dos habitantes. Não a rotina de quem chega. Não as apresentações programadas. Sempre foi o estilo dele. Descobrir o natural. Ver os bastidores. Para entender as veracidades. E até as falsidades.

 

Enfim. Lá chegamos.

 

Chegamos cedo. Mais cedo que o habitual do lugar. Ainda bem. O ambiente justificava este propósito.  Ser antecipadamente pontual.

 

Da entrada já se compreendia.  Era quase um santuário. Era um Lugar especial. Aconchegava noites. E fazia de todas – noites especiais. Uma beleza.

 

O cenário era maravilhoso.

 

No acesso principal se destacava uma cristaleira. Colocada suavemente a um canto lateral. Qual um símbolo. Enorme. Com taças ordenadas nas prateleiras. Os cristais lindamente trabalhados. Talvez o fruto da visita de algum deus à Terra. Mãos divinas ali deveriam ter tocado. Mesmo que – possivelmente - disfarçadas.

 

Um longo salão. Longitudinal – escutei este comentário. Não vi quem falara. Certamente alguém desavisado. Nada entendia de medidas. Só de exatidões.

 

Longas e envernizadas colunas de madeira escura contornavam o espaço. Fingiam delimitar ou amparar as laterais do teto. Ou mais ainda. Demonstravam a longa distância. E a diferença entre chão e teto. E as infinitas possibilidades de sonhos que esta distância abriga. Perfeito.

 

O piso era em mármore. Branco. Menos branco do que deve ter sido um dia. E talvez menos plano. Mas bem cuidado. Nem um risquinho inadequado emoldurava esta tela. Sim. O piso era uma tela. Foi o que pensei um minuto depois.

 

As mesas serviam de moldura. Alinhadas em volta do salão. Eram de madeira escura. Espaldar mediano. Assento acolchoado de veludo verde.

 

Tudo disposto de uma forma delicadamente estética. A cada um era permitida visão sem restrição.

 

As pessoas foram chegando. Pessoas comuns. Sem brasões. Sem vestuário griffado. Sem grandes belezas midiáticas. Sentavam. Elegantes. Apenas a postura denunciava uma sutil superioridade. Muito mais interior que exterior. Não dava para entender muito bem. Sou terrena demais. Conclui.

 

A intimidade com o local não abrandava a formalidade. Mas também não impedia o prazer associado.

 

Percebi que homens e mulheres seguravam sacolinhas. Continham os sapatos. Extras. Especiais. Funcionais. De cada um.

 

Quando trocavam os sapatos – uma surpresa. Deixavam de ser cada um. Se transformavam em pares. Belos. Belos pares. E longe de serem pessoas comuns. Transformavam-se em Pessoas. Suficiente.

 

Iam ao salão e dançavam.

 

Trançavam pernas. Com suavidade e decisão. E transparecia a sabedoria. Como se a cada passo – uma revelação. Do estilo. Dos pensamentos. Das buscas. Dos encontros e desencontros. Um pedacinho exposto da real história.

 

A música ordenava os movimentos. Mas as mãos dos homens - nas costas das mulheres - serviam de batuta. Marcavam o ritmo. Denunciavam o comando.  Tamborilando na pele as mil formas de ordenar.

 

Os garçons cruzavam de um lado para o outro. Mas não sem uma regra. Que é talvez muito mais que uma Lei. Só o faziam quando o salão esvaziava. Nada era oferecido enquanto a música da dança tocava. E os pares – dela apenas se serviam.

 

De tempos em tempos – a música era substituída. Por um tipo de jingle codificado. As pessoas voltavam para as cadeiras. E as bebidas ficavam - por poucos minutos – responsáveis pelo prazer ordenado. O salão expunha a solidão. E a tela se fazia branca.

 

Permaneci sentada ali. Ao lado dele. Olhando as danças. Os rituais. As sacolinhas. A troca de sapatos. Os pés e as mãos obedecendo e comandando.

 

Talvez nem sempre na proporção desejada. Mas num ritmo compartilhado.

Entendi. Talvez não a dança. Nem a completude dos pares. Muito menos os comandos corretos.

 

Diante da tela que se dispunha a solidarizar com o imenso espaço vertical – entendi uma parte da Vida.

 

Saímos de lá mais leves do que chegamos.


 

publicado por Lêda Rezende às 15:15

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