O dia foi de surpresas. Aliás - de sustos. Dois sustos. Para ser exata.
Ficou pensando. No que os dois tinham de semelhante. Deveria ter um laço unindo os dois sustos. Afinal – foi o que fez. Contabilizou os dois - num só dia. Se mais teve – nem notou.
Enfim.
Se surpreendeu com ela. Ela que a convidara para jantar. Mas estava tão indiferente. Não sabia se num estilo novo. Ou numa abordagem nova. Vai lá saber. Sugeria uma pequena interpretação. O interior parecia se desestabilizar a cada tentativa de regularidade. Como se o valor fosse o rótulo e não o conteúdo.
Falava com certa contundência. Como se não importasse se a escutavam.
Não dava bem para definir. Ela apenas repetia as próprias opiniões. Desinteressada pela interlocução. Falava até mais baixo. E o riso se transformara em sorriso. Corriqueiro. Ou – menos ainda que corriqueiro. Indiferente – mas não inconseqüente.
Não havia espontaneidade. Como se falasse de si para si. Assim. Sem compartilhar. O jantar acabou. Se separaram. Cada uma para seu destino. E sua rotina.
Nem bem chegou em casa - ainda com este primeiro susto em evidência - encontrou um recadinho dele.
Fazia tempo que não falavam. Ela relatou um acontecimento. Assim. Aconteceu um destaque. Uma celebração. Ele leu. E fez o que sempre fez. Interpretou. E com a sabedoria de sempre. Sem muitas delongas. Sem muita retórica. Objetivo.
Mandou um comentário. Quando se opera em sintonia com o desejo – coisas acontecem. Para o bem e para o mal.
Ela não se conteve. Riu. E fez também o que sempre fez. Quando diante de algum susto. Chistes por cima da interpretação. O desejo não era esse. Nunca foi esse. Deve ser o desejo do Banco. Com esta atividade é que se pagam contas. E enviou.
Aí compreendeu. Como se afastara do processo.
Há muito virara falsa pragmática. Passava aos atos. Se deu conta. E riu de novo deste pensamento. Não havia como fugir do mestre austríaco. E pensar que até o citou no tal chiste. Assim. Com total alheamento.
Recebeu de volta nova resposta. E aí enxergou o hiato. Como se aí tivesse acordado. Exagerada como sempre – abrira os olhos. Riu de novo.
Ele foi incisivo. Quase mortal. Não me referi à atividade profissional. Pensava que o desejo era o olhar do outro. Ai tanto faz – o sucesso vem. Porque exatamente se opera em sintonia com o desejo. Repetiu. Procede. Senão se entende de uma vez – quem sabe de duas dá certo. Depois de tanto tempo longe do pensamento analítico – tem mesmo que repetir. Até desenhar.
Foi difícil seguir a rotina.
Ela queria poder – dupla sempre também desejada. Mas desejou um tempo paradinha. Sem solicitações outras. Sem trabalho braçal. Queria na realidade o ócio. Um momento de entrega aos próprios pensamentos. Esta a vontade real naquele momento.
Sentar sozinha e pensar. Em algum cantinho. De preferência diante do mar. Sob o luar. Com os pés descalços. Tocando a areia. Passando as mãos pelos cabelos. Recostando. Quase se arrepiou. Sabia que estava – mais uma vez - fazendo o habitual. Se desconcentrando do objetivo. Já estava agora fazendo turismo. Até riu.
A avó da amiga sempre dizia. Não existe vitória contra o próprio estilo, menina, não existe vitória contra o próprio estilo. É verdade.
Mas enfim.
Ligar os dois sustos. Concluir porque um fato ficou ligado ao outro - no pensamento dela. Como se um fio condutor tivesse surgido. Muito mais de semelhanças do que de diferenças. Até pensou que poderia ser pelo contrário. Mas não se sentiu segura. Algo a fazia cobrar uma elaboração.
A resposta parecia uma só. O olhar.
Lembrou de tantos olhares. Há os contraditórios. Os perspicazes. Os sorrateiros. Os defensivos. Os criadores. Até aquele famoso – oblíquo e dissimulado. Não faltou listagem qualificativa.
Mesmo sem mar e sem luar – optou por uma conclusão. Um pouco selvagem. Sem muito amparo teórico. E muito menos - prático. Não uma simbolização. Mas uma conclusão.
A união dos tais sustos era no olhar. Mas pelas diferenças. Por um fator bem simples. Para se entender um olhar – é preciso olhar.
E nisso estavam ligadas ao oposto. Uma prescindia do olhar do outro.
Bastava-lhe um espelho. A outra precisava do olhar alheio. Servia-lhe como um espelho.
Falaria sobre isso com ele. Algum dia.