Sim. Adorava a Lua cheia.
Estivesse onde estivesse – parava. Olhava para a Lua. Como se a visse pela primeira vez. Como – talvez - teria olhado a primeira pessoa. Com o olhar curioso. E a expressão surpresa. Diante da beleza de uma Lua cheia.
Brilhante. Como um farol - na noite universal.
Sempre pensava nas distâncias. Nas pessoas que estariam olhando. Em que outros lugares. Comentando com outros idiomas. Com outros sotaques.
Que contornos estariam sendo destacados. De flores em um jardim. De barcos em algum mar distante. De alguma casa simples num lugar deserto. Em algum pinheiral envolto em neve. Ou um simples terraço de um prédio. Urbano. Como estava ela ali. A Lua com qualidades altruístas. Dava-se. Expunha-se. Só isso.
A cada Lua cheia - se sentia presenteada. Pela natureza. Pelo Universo. Até pela Vida em si. Não importava. Funcionava sempre como um momento de paz. Total. Absoluta.
E foi assim.
Estava descendo a escada. Viu que os degraus estavam claros. Uma luz vinha de cima. Olhou para cima. Despretensiosa. Até desatenta. Olhou como se olha. Sem preocupação de enxergar. Virou a cabeça.
Ficou surpresa. Fez até aquela voz que as crianças fazem. Um sustinho de alegria. Viu a Lua. Redonda. Linda. Pura luz. Atravessando o vidro do teto da escada. Subiu de volta. Já atenta e cheia de pretensão. Foi para o terraço aberto.
Deitou em uma cadeira. Ficou ali. Imóvel. Olhando. Como se diante de um espetáculo. Como se diante de um aviso. Silêncio. Onde qualquer movimento poderia prejudicar o efeito. Mais ou menos assim.
Lembrou de tantos lugares onde já tinha parado - para olhar a Lua. As lembranças vieram felizes.
Lembrou da primeira vez que foi lá. A cidade eterna. Subiu numa colina. Encostou-se na estátua da mulher heroína e ficou lá. A Lua cheia contornava a figura de pedra. A altivez da escultura parecia se submeter. A todo aquele brilho. Pensou. Nunca quero esquecer este momento.
Ordem dada. Ordem obedecida. Nunca esqueceu.
E já se iam tantos anos. Na época ainda era muito mais crédula do que observadora. Hoje era o contrário. Era muito mais observadora do que crédula.
Mais ainda olhava a Lua com olhos de infância. Quando tudo é simples e possível. Onde a beleza é apenas beleza. Sem questões de estética. Sem filosofias sobre a existência.
Lembrou também de quando estava lá ainda. Na cidade de onde viera. Lembrou do risquinho delicado da luz da lua no mar. De longe – lá do horizonte - até a espuminha da água na praia. Até a areia ficava mais clara. Branquinha. E quando criança saia em noites assim para catar as conchinhas. Conchas da noite são mais belas que as conchas do dia. Assim explicava. Vai lá saber por que.
E foi um tal de lembrar de Lua – e de luar - que não acabava mais.
Lembrou até dos índios e a sua conta de nascimento. Quantas luas.
Lembrou dos contos assustadores. Sempre partindo das ideias dos adultos. Como se temessem. A luz de cima em meio à noite. Como se esta luz permitisse – expor o que não podia ou não devia.
A luz da Lua contornando também as maldades. Nunca havia pensado nisso. Só ali. Naquele instante.
O céu estava claro. Muito claro. Muitas estrelinhas. Desconsideravam a tal urbanidade. Não competiam com a luz dos prédios.
Um ou outro avião cruzava entre elas. Ficou imaginando se as pessoas dentro olhavam e sorriam emocionadas. Diante de tão perto da Lua.
Riu quando lembrou a amiga de além mar.
Uma noite ela falou via a comunicação habitual. Por letras e barulhinhos no teclado. Estou daqui olhando a Lua. Vai lá você também. Olha para ela. E assim – é como se estivéssemos nos olhando. Riu.
Há sempre um modo de se diminuir distâncias. E minimizar saudades.
Olhou mais uma vez para o céu. Sentiu o luar em volta dela. Brincou de sombras com o brilho por sobre as pedras do terraço.
Levantou. Encostou-se na muradinha com o gradil de ferro. Era esta uma noite de inverno. Sentiu um friozinho na pele. Quase um arrepio.
Antes de entrar jogou – com um sorriso - um beijo para a Lua.
Também não iria mais esquecer esta noite de luar no terraço. Ordem dada.