Blog de Lêda Rezende

Julho 03 2009


 

Nasci de frente pro mar
sigo as marés
altos baixos
perigo risco
barulho viração
eterno movimento
sem esperar
procuro alcançar
como as ondas
a areia
construo destruo
altero renovo
anuncio denuncio

exponho.


Quem sabe
tivesse eu nascido
de frente pro lago
seria calma serena
silenciosa
a esperar alguém afoito
uma pedrinha jogar
para me mover
em círculos lentos
até suavemente sumirem
e voltar a ser parada
cercada imóvel
plana
espelho
só refletir o que está fora
esconder o que está dentro.

 

 


Julho 03 2009

Assim as cenas se fizeram. E se desfizeram.No meio da tarde. De um dia calmo. Quente. Rotineiramente útil. Formalmente inútil. Subserviente.

 

Assim pensaram.

 

Por um momento a escuta.

 

Ela aparentava ter dez anos de idade. Os demais entre seis a nove anos. Deveriam ser ao todo nove. Ela foi avisando. Vai ter que calar. Obedecer. Não tem ninguém aqui para lhe defender.

 

Ele parecia ter menos de oito anos de idade. A frase não foi pior do que o olhar dele. Solitário. Assustado. Mas capturador. Dividiam uma certa quantia. Saldo de pára-brisas e flanelas.

 

Quando o nível emocional sobe – o racional vem em auxílio. Só o contrário é que nunca acontece. Esta é uma das poucas certezas que se acumula com o tempo. Racional em excesso produz excesso de racional.

 

Parecia uma pessoa - dois olhares. O mesmo olhar assustado se transformou. Rápido. Olhou sério. Frio. Para o outro que estava ao lado. E foi completando. Se cuida você também. Quando ela sair - eu que vou comandar. E a voz era rouca. Muito rouca.

 

E assim os olhares continuavam. Trocando de assustado em assustador. Como um efeito progressivo. Ou uma contaminação progressiva.

 

No momento seguinte a correria.

 

A chuva veio súbita. Forte. Impetuosa. Sumiram os olhares. Os comandos. A voz rouca. As idades se dispersaram.

 

O temporal veio como um deus feroz. Arrancou proteção individual. Mostrou o avesso do esperado. Não havia cobertura eficaz.  Nem coletiva. Nem social. As águas tomaram conta das calçadas. Das ruas. Das casas. Até dos elevadores. Invadiu onde pode. Alcançou onde não se acreditava. As luzes apagaram. A sinalização se foi.

 

No inicio não havia movimentos.  Além da chuva. Do vento.  Parecia mágica. Pontos de venda de emergência surgiram. Muitos. E muitos tentando comprar uma garantia. Bolsas e carteiras expondo com rapidez a possibilidade da solução. Como o teatro do Absurdo.

 

Logo depois a dança.

 

Objetos voando. As mãos. Muitas mãos. Como um ballet de mãos para o alto. Mais para o alto. Uns erguiam os braços. Outros mais afoitos pulavam. Tentavam trazer de volta o que virava para o lado errado. Ou que partia para um destino ignorado.

 

Uma dança quase filosófica – não fosse a explícita realidade dos fatos.

 

A chuva - impedia a visão direcionada.

O vento – impunha as desordens com frivolidade.

Os raios - pichavam impunemente o céu.

As mãos - dançavam soltas sem regência.

Os objetos - voavam experimentando a liberdade de expressão.  

As sirenes - cumpriam a sua função de cuidado.

As luzes vermelhas - tentavam cortar caminhos sem solução. 

As portas - fechavam com rapidez.

 

O espaço sumiu. Desapareceu por um tempo. Submergiu. Não havia mais limites. Nem degraus. Aqui eu piso. Ali você passa. Era tudo uma falta só. Não sei onde piso. Você não sabe onde passa.

 

Os corpos se fizeram marcados. Pela água. Pela roupa deslocada. Sem pudor. Sem escolha.

 

Por fim um retorno ao primitivo.

 

Sob uma marquise muitos em busca do abrigo. Empurrando. Disputando. Trocando olhares frios.

 

Já que ali não tinha quem defendesse. Só restava impor. Foi o que pareceu.

 

Cada um ao seu modo. Salvaguardando o que mais interessava. Naquele momento a própria segurança.

 

Mais profundamente – a própria existência. Igual à partilha. Foi o que pareceu.

 

 


Blog de Crônicas - situações do cotidiano vistas pelo olhar crítico, mas relatadas com toda a emoção que o cotidiano - disfarçadamente - injeta em cada um de nós.
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