Blog de Lêda Rezende

Maio 07 2009

Estava decidido. Passaria o final de semana em casa. Lendo. O livro dele - a fascinara. Mais uma vez. A cada nova frase lida – quase uma hora de silêncio. Tentando entender todo o processo. O que gerou a frase. E o que a frase gerava. Até riu. Seria lido com calma. Não sabia por quanto tempo. Não que fosse volumoso. Em páginas. Era volumoso fora das páginas. Maravilhoso. Ele era e sempre seria seu autor favorito.

 

Havia o título. Começou a se apaixonar desde o título. Na hora nem se dera conta. Do por que o título também a atraíra. Assim são os livros. Ou os autores. Escrevem uma idéia. E são desapropriados dela por quem os lê. Assim. Desde o titulo. Enfim. Que cada um se utilize do fato. Como sendo fruto do próprio ato. E em meio às páginas sigam as duas trajetórias. Compondo e descompondo a cada nova linha.   

 

Era um mar calmo. O céu estava azul. E fazia aquele barulhinho doce. Suave. De ondinhas quebrando. Na areia. Tudo que uma criança compreendia. Tudo estava ali. Ela era bem pequena. Não diria corajosa. Era afoita e curiosa. Talvez termos mais adequados.

 

Lembrava do final de tarde na praia. Em especial daquele final de tarde. Ele veio e perguntou. Quem queria passear de jangada. De jangada. Ele estava ao lado dela. Recusou. Temeu. Ela concordou e o abraçou. Considerou prudente. Não ir.  

 

Ela olhou. Para o mar. Para a jangada. Para as pessoas que iriam. Sorriu. Decidiu e avisou. Eu vou. Assim. Com a voz de criança. Com a decisão tranqüila. Que só as crianças sabem ter. Não temem pelas escolhas. Porque não temem ainda pelas perdas. Para as crianças o mundo realmente gira. E trás de volta o que não pode ser escolhido num mesmo momento. O depois - é logo ali. Não existe a possibilidade do nunca mais. E quando existe o nunca mais a tradução é outra. É como um talvez. A infância é sempre talvez.

 

Enfim. Deu a mão a ele. Entrou correndo na água. E subiu na jangada.  

 

A jangada dançou. Na água salgada. Com pontinhos brilhantes aqui e ali. Balançando. Alternando as madeirinhas. Dentro e fora da água. Ele ficava de pé. Segurava o remo. Um banquinho de madeira amparava uma sacolinha. Uma rede. Se ninguém ia sentar – ela também não iria. Também ficou de pé.  

 

Ela segurou na mão dele. E sorria. Feliz. Olhou de volta para a areia. Ele ainda estava lá. Abraçado a ela. Sentiu aquela pontinha de orgulho. Não recusara a enorme aventura. Deve ter até erguido mais a cabecinha. Mas disso não lembrava. Lembrava dos pés. Lembrava que olhou para os pés. E viu que a água entrava por entre as madeiras. E daí por entre seus dedinhos. Fazia cócegas. Achou maravilhoso. Maravilhosa a sensação.

 

O jangadeiro olhava para ela e mostrava o mar.

 

Explicava o mar. Ela atenta. Nunca mais na vida esqueceria aquela explicação. E nem esqueceria que para entender o mar é preciso uma explicação. O mar não é assim tão simples. Água. Sal e onda. O mar é outro lugar. Que também tem suas curvas e suas retas. Seus mistérios e seus códigos. Tudo vai depender da explicação. E do conhecimento. De quem o apresenta. Sempre que ia para o mar - lembrava dele. E da seriedade com que explicava. E a concentração que ela ficava. Para que nada deixasse de ver.

 

Escutando e olhando. Sentiu-se diante de uma majestade.  

 

Ali ficara não por muito tempo. Aprendendo sobre jangadas e mar. Sobre mar e coragem. Sobre riscos e efeitos. Hoje sabia que fora um passeio curtinho. Na época se sentiu uma desbravadora. Como se há dias no mar.

Riu das lembranças.

 

O livro, que estava no colo, escorregou. O segurou antes que caísse. Releu o título. Aí então compreendeu. Acariciou a capa. Sorriu. Olhou para os próprios pés. Brincou com os dedos no tapete. Em terra firme como na água. O que valem são as sensações.

 

Lembrou da amiga. Que tinha um amigo indiano. Um dia ela lhe contara algo que ele falara.

 

É preciso um espaço para que a pena flutue – tranqüila. 

 


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