Entraram os quatro.
Pela forma que ele entrou, previ novidades. O riso estava solto. Porém sereno. Não era um riso de irreverência. Ao contrário. Era de muita reverência. Estava com um certo ar de nobreza. Desde o virar de cabeça até o caminhar. Ele que sempre é tão afoito. Agitado. Estava assim. Com um estilo parcimonioso e elegante.
De repente, entendi. Trouxera a mãe. Para me apresentar. Ele a abraçou e avisou quem eu era. Lembrou a origem. A função. Ele já havia lhe falado antes. Agora era para unir imagem com relato. Ela me dirigiu um olhar sério, mas cúmplice. Foi o que me pareceu.
Ela viera da parte de cima do mapa. De uma região onde só as atitudes podem salvar. Palavras não causam bons efeitos.Talvez más conseqüências. São fatos diferentes.
A viagem fora longa. Difícil. Cansativa. Mas comentou que tinha tranquilidade em relação ao tempo. Ao difícil. E ao cansaço. Tudo tem um prazo. Portanto acaba.
Aguardou sem queixas o prazo ser cumprido. Para ver o filho. A neta que não conhecia. A nora. Os outros filhos não foram. Não dera tempo. Falou com um certo ar de resignação.
Tinha um rosto sereno. Expressão tímida, porém decidida. As mãos ásperas - expressavam carinho. As pernas um pouco arqueadas - denunciavam firmeza. A pele seca - tinha um toque morno. Sentou-se com recato - mas expôs seu estilo. Quando falava olhava nos olhos. Quando calava olhava para o chão. Parecia que só se dava de acordo com a necessidade. Nada desperdiçava.
A vida não tinha sido das mais fáceis. Comentamos da cisterna. Do nascimento deste seu filho. Do grito. Da água umedecendo a terra. Do balde caído. Da seca. Recontou a história. Lembrava da própria dor e do choro dele. Riu quando contou das amigas correndo. Apavoradas. Como se fosse o primeiro nascimento no mundo. Elas gritavam e choravam mais que eles dois. Ela que pediu calma. E foi dizendo o que fazer. Quando ficou de pé já foi com o filho no colo. Saíra de dentro dela para os braços dela. Ele fez um gracejo. Sobre a terceirização. Ela não riu. Continuou contando. Não precisou que ninguém o segurasse para ela. Uma mãe sabe como segurar seu filho. Seja qual for a situação. Olhou para ele. Como se só naquele momento lhe notasse a altura. Vi que se orgulhava dele. E de si própria. E olhou com um sorriso grato para a nora.
Um dia o marido a ofendeu. Desacatou. Não entendeu bem o motivo. Na pequena casa. Diante dos filhos. Quis agredi-la, mas se conteve. Só avisou. Vou embora. Antes que ele se retirasse - o olhar dela já se retirara dele. Não o olhou mais. Até o momento que saiu. E nunca mais o viu. Nem procurou ver. Um homem que dá as costas para a família não merece ser chamado. Ou convocado. E nunca mais falou dele ou sobre ele. Cuidou dos filhos. Como pode.
Quando ele veio de lá para cá - ela não chorou. Sentiu uma enorme tristeza.
Mas não chorou. Aprendeu a não gastar as lágrimas com tristezas. A tristeza sobrava lá de onde viera. Resolveu, vai lá saber por que, ser econômica com o uso das lágrimas. Ou usá-las sob suas próprias justificativas. Só chorava quando, feliz, se emocionava. Como no momento que o viu ao descer do ônibus. E viu a neta. Aí sim. Procedia. Chorou com alegria. Esbanjou lágrimas.
Chorou na sala mais uma vez. Ao pegar a neta no colo. E ver-lhe o riso. Acariciou-lhe a pele macia. O cabelinho. Arrumou a saiazinha dela. Discreta, secou uma ou outra lágrima mais insistente.
Na despedida abriu uma sacolinha. De dentro tirou algo como uma barra. Retangular. Pesada. Cabia nas duas mãos. Enroladinha num papel azul. Era um doce típico da sua região. Me entregou. Com o olhar mais carinhoso e afetuoso que faz tempo não encontro. E agradeceu. Em nome do filho. Da nora. Da neta. E da terra seca de onde viera. Fiz minhas as palavras dela. E acrescentei o nome dela ao meu agradecimento.
Caiu outra lágrima. Sorri. Compreendi. Ela estava feliz.