Blog de Lêda Rezende

Maio 30 2009

Acordara assim. Plena de novas idéias. Ou talvez esvaziada das antigas. Não sabia ao certo. Mas sempre acolheu bem as incertezas. São ótimas conselheiras.

 

Avisou. Ou ameaçou. Vou mudar tudo. Nada mais de escutar. Chega de Filosofia. Teoria. Falação. Ia mudar até de endereço. Fazia gracejos. Vou colocar uma placa. Saiu. Não sabe se volta.

 

Surgiu uma alternativa. Lembrou da amiga. Dizia que ela adorava uma alternativa. Cada vez que escolhia uma alternativa - lembrava da amiga. Ou vai ver era o contrário. Cada vez que lembrava da amiga - escolhia uma alternativa.  Muitas vezes a ordem certa é a inversa. Justamente a inversa.

 

Mas acaba-se entendendo o contrário.

 

Acordou neste dia pensando nisso. Num comentário que escutara.

 

Comentaram que precisavam de uma funcionária. Achou esse título muito interessante. Nunca tinha sido uma funcionária. Aliás, nunca tinha feito uma entrevista formal. Destas de emprego. Na sua profissão não era imprescindível. Ninguém ganhava pela simpatia. Ou pela intenção. Só pelos conhecimentos. E as entrevistas eram quase provas. O que menos se fazia eram perguntas de cabeçalho. Mas não faltavam as de rodapé. Assim que ela entendia um contrato. De trabalho.

 

Mas enfim. Criou coragem e agendou a entrevista.

 

Passou um tempo escolhendo a roupa. Achou que estava demais. Achou que estava de menos. Revirou. Experimentou. Tirou. Trocou. Riu. Duas montanhas de roupa sobre a cama depois - e já estava pronta. Informal. Elegante. Despojada. Ar de desinteressada. Não queria parecer que estava com muita sede. Nem que o pote era tão importante. Deixou a sede e o pote para depois. Saiu.

 

Mandaram subir e aguardar. A sala era ampla. Um ar condicionado deixava o ambiente com jeito de outono daquela grande cidade. Sentou numa cadeira confortável. Giratória. Foi em meio ao giratório que ele entrou. Ela freou a cadeira. Meio sem graça. Mas ainda fingindo que nada tinha que ver. Nem com a sede nem com o pote.

 

Ele sentou em frente. Um tampo de vidro os separava. Deu uma olhada. Nele. Achou bonito. Cabelos grisalhos - rosto jovem. Mãos fortes - gestual delicado. Olhar sério - expressão tranqüila. Voz firme - sonoridade agradável.  Ele começou com as perguntas. Deviam ser as de praxe. As tais de cabeçalho. A primeira ela já respondeu entre um sim e um não. A segunda ela respondeu que concordava com a primeira parte. E assim foi. Na última – ele avisou que seria a última – ela sorriu. Sim. Poderia começar de imediato.

 

Começaria no dia seguinte. Pela manhã.

 

Saiu de lá feliz. Nunca tinha feito nada parecido. Sua vida profissional era o caminho oposto. Mas aprendeu algo. Aprendeu que se pode fazer o que quiser. Na vida a fora. Ou pela vida afora. Lamentou pelos menos afoitos.

 

Ficou muito feliz. Na volta para casa contou a eles. Riram muito. Acharam ótimo. Contou para ela. Não gostou. Achou que se minimizava.

 

Concordou com eles. Manteve firme a decisão.

 

No dia seguinte chegou cedo. Ao tal novo local. Ele estava lá. Esperando por ela. Apresentou aos outros funcionários. Ficaram surpresos. Acharam que ela não era o que falava. Não entendiam a troca da profissão. Ou o possível abandono da profissão. Estavam mais preocupados com a ordem. Do que curiosos com a desordem.

 

Ele orientou. Organizou a forma de começar - a trabalhar. Foi explicando em pequenos passos.  Ela entendendo em largos passos.

 

Com o tempo ficaram mais próximos. Conversavam sempre que podiam. Descobriram muito em comum. De música a livros. De filmes a sonhos. Sem contar as idéias. E o humor. O trabalho ficou agradável. Aprendera. Tivera seu primeiro sucesso. Deu até pulinhos de alegria. Ganhou um abraço dele.

 

Ficou lá por um ano. Depois retomou. Do Lugar de onde saíra. Retomou sua prática de graduação. Trocou a placa. Esta avisava. Voltei. Ele continuou. No cargo. Na função.

 

Hoje eles comemoram. O entrevistador. E a entrevistada. Oito anos. Mais precisamente - oito anos e três meses. De casados.

 

 


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