Ele falou assim. Você está sozinha. Vou pegar esta cadeira. Licença. Assim. Objetivo. Aliás, nunca vi termo mais adequado. Objetivo. O sentido. O pedido. A cadeira. Ela. Objetivo de objetos mesmo. Coleção de objetos. E numa rapidez impressionante.
Olhei para ela. Fez um gesto com a mão como liberando a cadeira. Sorriu. Sem graça. E toda cheia de graça. O jeito que o olhou parecia esperar algo. Ou, quem sabe, algo mais ser pedido. Difícil saber o que.
São muitos os monólogos travados apenas com um olhar. Para virar diálogo depende da aceitação do outro. Do reflexo do olhar do outro. Para que uma mágica qualquer aconteça.
Mas não parecia uma temporada de muita mágica para ela. Para ele - não sei. Não estava com jeito preocupado. Queria mesmo resolver uma questão de assento. Para um terceiro amigo com quem dividia a mesa. Parecia só isso. Só queria a cadeira. Não percebeu o olhar. Ou fingiu não perceber.
Foi uma troca estranha. Estranha a eles. Mas formal. De pedidos. De permissão. De olhar. De sorriso. E só a cadeira saiu do lugar. Só a cadeira se integrou a um grupo.
Ela ficou ali. Sentada. Obediente talvez ao aviso. De que estava sozinha. Quase uma ordem. Ou uma previsão. De que continuaria sozinha. Por isso lhe tirou a cadeira. Talvez ele tenha visto mais a impossibilidade. Do que a possibilidade. E ela tentou ver mais a possibilidade. Do que a impossibilidade. Vai lá saber.
Estava sentada numa mesinha mais para fora do ambiente. Tomava um café. Mas não parecia interessada nele. No café. Porque o abandonava na mesa. A esfriar. De vez em quando um mínimo gole. E o abandonava de novo.
Vestia uma blusa preta. De um ombro só. Um descoberto. O outro coberto. Escolha interessante. Uma saia preta curta. Uma sandália. Uma pulseirinha no tornozelo. Meia idade. Ou menos um pouco. Mas a maquillage era forte. Decisiva e decidida. A maquillage. Não ela.
Cada vez que abandonava o café olhava em volta. Parecia uma dança. Uma coreografia. Era colocar o café na mesa e o olhar se afastar. Isso a fazia parecer mais solitária ainda. Como se distante estivesse. Não deve ter sido por acaso que escolhera aquela mesa. Mais para fora do ambiente.
Todas as mesinhas estavam ocupadas. Todos os lugares. A garçonete corria daqui para ali. Bandejas e mais bandejas. O cheiro do café percorria todo o espaço.
E ela ali. Sentada em sua mesa de uma única cadeira. Afastada de todos e de tudo.
Fiquei pensando nas escolhas. Que sempre são muitas. E numa ordem crescente. Escolhera a roupa. Escolhera o local. Talvez por ser perto de casa. Ou do local de trabalho. Vai ver também tinha hábito de ir até ali. Mas não me pareceu. Nenhuma garçonete a reconhecera. E nem deram uma maior atenção a ela. Teria Alguém. Vai ver o Alguém não tinha horário para almoço. Ou se tinha não quis. Vai ver um regime. O Alguém deveria ser gordo e estava de dieta. Poderia ter encerrado um romance recente. O Alguém já não mais estava adequado. E estava à procura de um novo. E ainda não se decidira. Por onde começar. Ou até se deveria começar. Ou seria meio tímida. Sim. Só meio. Por isso cobriu um ombro. E expôs o outro. Agradaria a tímidos e afoitos. E tudo dependeria de que lado a vissem primeiro. Mas o colecionador de cadeira a vira de frente. Foi diante dela e em pé que avisou da solidão. E levou a cadeira. E não se interessou pelo ombro. Nem o coberto. Nem o descoberto.
Num determinado momento abriu a bolsa. Olhou o celular. Não deveria ter recados. Nem chamadas. Guardou o celular. E pegou a xícara do cafezinho.
Repetiu o movimento. Recolocou na mesa. Esperei que olhasse em volta.
Como uma ária. A repetição no tempo certo. Mas não. Continuou olhando para a xícara. Depois puxou um pouco a blusa em direção ao ombro descoberto.
Levantou-se. Pegou o que lhe pertencia. Deixou para trás o que não lhe pertencia. Colocou a cadeira onde estava sentada bem junto da mesa. Vazia de todo.
Parecendo cheia de si, saiu. No tornozelo, a pulseirinha dançava.