Blog de Lêda Rezende

Maio 05 2009

Ele me deu de presente. Para que o percurso se tornasse mais sereno. Adorei. Ele sabe ser este um dos meus grandes prazeres. A música. Escolhi o assento. Acomodei os objetos. Nem olhei para os lados. Coloquei meus fones. Me concentrei. E de forma explicitamente egoísta. Pressionei o que seria um botãozinho.

 

Começou a tocar. Em segundos tudo mudou.  Como um virar de uma esquina.  Como um virar de cabeça.  Já não estava mais por sobre os trilhos. Já não parecia mais integrante daquela paisagem. A escuta me trasladou. Assim. Rápido. Fugaz. De uma ponta a outra. Não como uma saída de emergência. Como uma saída para a tranqüilidade. E lá estava naquele país das maravilhosas tortas. Do rio que tem cor. Dos bosques nos pontos altos.

 

Das bodegas com vinho e violino.  E lá me vi. E caminhei. Embalada pela suavidade da música. Aquele objeto minúsculo tinha mais poder que o previsto. Poderoso e simples. Um toque. Foi só dar um toque naquele mínimo botãozinho e a magia se cumpriu.

 

Ali fiquei sentadinha. Alheia. Fora do local. Quando chegasse ao destino antecipado, me recomporia. Sairia das bodegas. Guardaria o violino. Colocaria a torta na geladeira. E pediria licença aos bosques.

 

Tudo muito perfeito. Aliás, perfeito até demais. Como dizia minha avó. Cuidado com a falsa ausência, menina, muito cuidado com a falsa ausência.

Procede. O Físico tinha razão. Impossível. Não se ocupa dois lugares. Ao mesmo tempo. Mesmo que um seja e o outro esteja. Acaba-se voltando. Um sinal.  Um barulhinho. Um resmungar. Um suspiro. Uma planta. Algo nos

recaptura. E todo um cenário é desmontado em segundos.

 

Voltei por um vaso. E uma planta.

 

Lá estava ele. Diante de mim. De pé. Com uma mocinha ao lado. Segurava um vaso com uma planta. Envoltos num papel transparente esverdeado. Ao lado deles, estava outra moça. Segurando na barra. Um pouco desconfortável. Ao menos parecia. Era não muito alta. E tentava se adequar entre a bolsa e uma sacolinha. E ainda administrar a barra. Tudo isso com uma dose de elegância. Não cedia fácil. Tinha lá sua pose. E um olhar mais crítico ou severo. Para quem a rodeava. Um blazer claro tentava dar um toque sofisticado à calça jeans. Saltos altos a faziam supor mais alta.

 

Ele ali. Com seu vaso e sua plantinha enrolada. Pareceu que não tentava dar toque algum. Nem de sofisticação. Muito menos de elegância. Até porque só tinha olhos para a plantinha. Comentou qualquer coisa com a mocinha que o acompanhava. Ela respondeu. Me pareceu que alertava. Não seria prudente. Ele não pareceu dar importância. Ao comentário dela. Queria mostrar. A planta. Ela cedeu. E ele sorriu. Abriu o pacotinho. Retirou o papel protetor. Expôs a planta. A mocinha que o acompanhava não teve muito tempo para olhar.

 

Veio o local de parada. Um pouco brusca. Na dúvida, onde se apoiar, aconteceu o pior. A plantinha fez uma espécie de dança. Entre mãos e dedos.

 

E caiu. Mas não assim. Uma queda simples. Ou uma simples queda. Caiu por cima da moça. A que tinha lá sua pose. A terra estava seca. Pois foi de pó marrom que o blazer claro se tingiu. Assim. Pó e terra unidos. Por cima dela.

 

Do blazer. Do cabelo. Da bolsa. Um desastre.  Ela se olhava. Acho que nunca mais verei outro olhar tão congelado. A cada gesto de tentativa de limpeza – mais impregnava. O marrom se fez estampa. Em toda a roupa.

 

Ele abaixou. Tentou pegar a planta. Vai lá saber aonde vai. Ou até aonde vai. A ira de uma mulher. A desconstrução de uma pose. Ou a destruição de uma sofisticação.

 

Ele só viu um salto. Um sapato. No máximo uma perna. Firme. Endurecida. E girando. Em cima da planta. Esmagada. Olhou para ela. Deduzi. Vai reclamar. Ela o olhou de volta. E ainda jogou um pouco da terra que estava por cima dos ombros. Dela. Sobre ele.  Ele viu o olhar. Sentiu a terra. E disse apenas - Desculpe. Só isso. Tinha amor à vida.

 

Chegou minha vez. Sai das bodegas. Guardei o violino. Coloquei a torta na geladeira. E pedi licença aos bosques. Desci. Com uma sensação estranha.

Do que tinha sido realidade. Ou fantasia.

 

Objeto perigoso aquele do botãozinho minúsculo.

 

Ri. Mas só o fiz quando tive a certeza de que ela não veria. O meu riso. Também tenho amor à vida.

 


Ola minha querida, cm correu o aniversário??? Claro k correu td bem....
Tambem me riu por amor á vida é preciso isso para nos sentirmos bem conosco mesmas...
Beijos grandes
Teresa Isabel Silva a 6 de Maio de 2009 às 12:32

olá l Lêda, obrigada pela sua visitinha . Afinal, esta sua prosa não é também poesia ??? A poesia está na vida de todos os dias.A poesia, a música, o amor. Para quem conseguir, é viver. Mas a minha querida amiga é sem dúvida e além de prosadora, poeta. Tem alma de poeta , só quem a tem pode escrever assim. Muitos beijos. Ciao.
Peter a 6 de Maio de 2009 às 22:52

acho esta prosa bonita e acho também muita poesia nela , para não dizer em você que tem alma e é sensivel. Bacio.
Peter a 6 de Maio de 2009 às 22:54

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