Blog de Lêda Rezende

Novembro 08 2009


Eis o estilo dela. Pontualidade.

 

Talvez mais que um estilo – uma necessidade.  Para o tipo de atividade profissional. Complicada. Dificultada -  por ser mulher. Não importam as feministas. As machistas. Ou contestadores de conceitos. Ou de preconceitos.

 

Há limites que permanecem até se apagados. Isso pode não ser provado. Mas por certo é comprovado.

 

Mas enfim. Sabia disso. Por isso era exigente. Mas consigo mesma. As barreiras eram muitas. As críticas estabelecidas. Chistes e slogans circulando. Quase ameaçadores em volta dos atos e decisões. Mas não introjetava tais textos. Lia e dispensava. Digamos assim.

 

Os colegas - todos do sexo masculino. Só ela ali. Sentadinha. Aguardando os chamados. Fingindo agrupamento. Mas se sabendo solitária.

 

Avisara pelo telefone. Ainda estou presa no trânsito. Chegarei dez minutos atrasada. Concordei. Sem problema. Ainda estamos dentro do horário.

 

Ela chegou. Sorrindo. Como sempre se apresentava. Feliz. Como sempre aparentava.

 

Viera de outro Estado. Do sul. Nem se lembrava do período de vida que não trabalhara.

 

O pai tinha uma pequena fazenda. Um roçado como se dizia de onde vinha. Enorme – sob os olhos infinitos das crianças. Talvez sem exagero – sob os olhos limitados dos adultos.

 

Viviam do plantado e criado. E por vezes do vendido. Assim passara toda a infância – sem consumismo. A adolescência - sem rebeldia. A juventude – esta já com muita fantasia.  Seis crianças. O pai e a mãe. Esse o seu universo por muitos anos. E a terra.

 

Ainda escuro o pai os acordava. A mãe os aconchegava. Não com beijos. Muito menos com afagos. Mas com o acolhimento – metaforizado - do calor.

 

O calor que já vinha da cozinha. Antes mesmo de saírem das caminhas - a casa já estava aquecida com o fogo aceso. O barulho das panelas de alças de ferro fazia coro aos galos e aves madrugadoras.  E estes aos pequenos bocejos das carinhas sonolentas.

 

A mãe fazia o pão. O pai fazia as linguiças. O irmão mais velho trazia o leite - ainda quente da recente ordenhada. Quando o dia trazia a claridade do sol – já estavam alimentados e a caminho da suas tarefas com a terra.

 

Faz uma expressão quase visionária. A terra a encantava.

 

A parte dela era cuidar das sementes. Jogava com sua mãozinha as bolinhas. E algum dos irmãos jogava a terra por cima. Riu. Sempre empurrava um pouquinho mais com o pé. Como se para ter a certeza de que não fugiriam.

 

Vai lá saber. O que pensa uma criança diante da terra e suas sementes. Mas assim fazia. O irmão já habituado - esperava. E só depois que ela repetisse o gesto - seguiam para o próximo cavadinho.

 

Adorava ver as sementes. E aguardar as plantas se erguerem do chão. Ficava fascinada. Por um tempo acreditou numa magia. Uma criação própria.

 

Tinha um duende lá debaixo. Que recebia os grãozinhos. E devolvia as plantinhas. Por isso tinha que agradá-lo com as sementes. Era o almoço do duende.

 

Nunca soube de onde tirara esta idéia. Mas também nunca comentou com a família. Esta sua idéia de Agricultura. Riu.

 

A vida se fazia em torno das estações do ano. Dos nascimentos. Lembra de temores. Se choveria muito. Se demoraria de chover. Se a geada impediria uma boa colheita.

 

Isso sim. Faz parte até hoje de alguns sonhos noturnos.

Mesmo já tão distante. No tempo e no espaço.

 

Agora estava aqui. Cercada de asfalto. De concretos. A vida mudara. Não tinha mais os pais. Os irmãos casaram. Novos núcleos se estabeleceram.

 

Somente ela viera para cá. Por motivos de casamento. Agora já desfeito. Preferia não falar sobre o ocorrido. Cuida de uma filha e dois netos.

 

O desjejum até hoje é um momento especial para ela. A única refeição do dia que sente enorme prazer. Ainda acorda cedo. Antes do sol nascer já está a caminho do ponto. Em seu carro. Ao serviço dos seus inúmeros passageiros.

 

Chegamos ao local combinado. Ela ressaltou. E no horário exato.

 

Ainda senti o cheiro do pão.

 

O orquestrado barulho das panelas substituiu buzinas e freadas. Vi o duendezinho recebendo as sementes pela terra úmida. Me surpreendi com o verde da planta nascendo.

 

Lamentei. O percurso fora curto para tão bela história.

 

Olhei para ela. Uma mulher jovem. No corpo. Na expressão. Mas principalmente - na emoção. Ainda estava com o sorriso que o relato associara. E conclui. Algo se mantivera. Ela continuava plantando. Semeando.

 

Olhei para o céu. Choveria. Sorri tranquila. Os duendezinhos por certo entregariam as plantinhas.

 

Assim iniciei a minha rotina. Assim ela prosseguiu com a dela.

 

 


Agosto 04 2009

 

Pode parecer redundante. E é. Isso não se discute. Nem se tenta esconder. A emoção superou a emoção.

 

Se ele escutasse perguntaria. O que isso significa. Esta é uma pergunta que ele sempre faz. A pergunta pelo significado exato.

 

Não há frase escutada, nem texto lido - que a pergunta não venha acoplada. É tão justa que nem hífen interfere. Ou nem hífen tem autorização para cortar a questão. Junto com a postulação - algumas vezes até esboça um riso. Não sei se da tal pergunta. Ou da idéia alheia. Isso é sempre difícil de qualificar.

 

Cada um pensa o que decide. Mas revela apenas o que não censura. A si próprio. Ninguém gosta de se colocar em posição de resposta. Só em posição de pergunta. Uma boa escolha. Sábia. No mínimo - também - cautelosa.

 

Mas fiquei ali. Lendo e relendo a mensagem. Com a emoção superando a emoção.

 

Então tudo dera certo. Mesmo de tão longe. Mesmo sem participação materializada. Sem conhecimentos das faces. Ou das interfaces. Foi só indicar a vontade. Seguir a sequência. Obedecer aos comandos. E deixar lá.

 

E agora o retorno. Assim. Mais de repente que de repente. Ela avisava. Consegui. Chegaram. Estão lindos. A impressão é ótima. Até a embalagem de envio é muito bonita. E adequada.

 

Nem sei quantas vezes li e reli. Esse recadinho.

 

Já fui logo acrescentando. Na imaginação. Será que ela leu comendo bolo de nozes. Será que fez um cafezinho. Será que estava sentada na mesa da cozinha. Não faltaram - será.

 

E o mais engraçado é que nem respostas. As respostas - as tinha. Podia vê-la recebendo. Abrindo. Sorrindo. Podia sentir o entusiasmo. O acolhimento. A pontinha de orgulho por participar. Podia até ver a pressa em abrir logo. Mas sem perder a delicadeza. O cuidado. Para não rasgar o papel. Podia descolar ou desamarrar. Mas nunca rasgar.

 

Lembrei do mestre austríaco. Ele que comentava sobre o papel. O mais importante nem sempre é o que está escrito. E sim saber que a pessoa está passando as mãos no que foi escrito. Isso é belo. Alguém que nos conhece – toca nas frases que inventamos. Nunca o entendi tanto quanto hoje. Tantos anos de estudo. E um aviso decodifica toda uma teoria. Maravilha.

 

Mas foi assim. Ela fez o pedido. O pedido foi atendido. Em cima do que foi escrito. Tudo muito rápido.

 

Fiquei pensando no tempo. Ela saiu daqui. E foi para lá. Além mar. Tempo e espaço deslocados. Ou recolocados. Nunca se sabe.

 

Lembrei da minha avó. Ela falava sobre isso com uma seriedade não muito habitual. Cada vez que a via falar com aquela expressão - eu sentava. Como se o ato de sentar me fizesse mais atenta. Ou formalizasse com mais rigor. O que ela – meio à toa – falava.

 

Tempo e espaço não são relógio nem mapa, menina, tempo e espaço não são relógio nem mapa.  

 

Procede. Agora estava o conceito demonstrado. Ela – além mar. Eu – muito aquém do mar dela. Daqui escrevi. De lá publicaram. Ela escrevia o bilhete de recebimento. Eu lia o aviso de leitura. Dá até para ter confusão mental. Ri.

 

Pensei. Preciso comemorar. Preciso contar. Para quem incentivou. Para o mundo. Para mim mesma.

 

Foi o que fiz. Nesta ordem. O mundo estava ocupado. Com seu ritmo. Seus acertos. Sua rotina. Muito justo. Compreendi.

 

E fiquei com o mim mesma. Desta vez imitei o mestre francês. Fui para o espelho. Olhei e comemorei. Numa solidariedade afetuosa.

 

No final do dia - outro recadinho dela. Havia se descoberto lá dentro. Na dedicatória. Nos relatos. E informou. Ao receber - sentara na cozinha. Na bandejinha diante dela colocou um bolinho. Partiu duas fatias. Leu tomando um cafezinho com uma gotinha de conhaque. Sorrindo para as páginas.

 

Conferiu o tempo. A distância. Acreditou na simulação. Confiou na execução.

 

Entre além e aquém – esqueceu a Semântica. A Sociologia. Até a Filosofia. A fantasia apagou os mares. Ai esqueceu - por fim - a Geografia.

 

Assim me informou. Assim li. Assim entendi. E assim uma publicação - se fez ao contrário. Exatamente como deve ser.

 

À noite ele me trouxe flores. Fiquei - Muito Feliz. Com letra maiúscula.

 

Preciso marcar a data de hoje. Fui dormir - sorrindo - pensando nisso.

 


Julho 25 2009

 

Os debates ficaram agendados. Os temas estabelecidos. O grupo se reuniu para o proposto.

 

A questão – naquele momento - era básica. Ele tentou formular com sobriedade. A traição está em que Lugar. Na emoção. Na omissão. Na materialização. Ou na obviedade da informação. Ou pior ainda. Na ambigüidade de um riso sorrateiro e explícito.

 

Ao final desta longa frase dita de forma entrecortada – um silêncio adequado se fez.

 

A cada um coube um pensar. Mas a ninguém parecia caber um responder. Pelo menos de imediato. Não houve um só já sei. Parecia que cada um se perguntava muito além da demanda.

 

Ela decidiu. Nada de tanto silêncio. Parecia indignada. Por que ninguém responde. Onde já se viu. Quem nunca se sentiu assim. Traída. Sofrida. Rejeitada. Revoltada. Quem nunca disse - eu que me dei tanto.

 

Surgiram alguns risinhos disfarçados. Parecia ser este exatamente o resumo das perguntas entrecortadas. Mas ninguém se atreveu a falar. Sequer a insinuar. Não era caso de gracejos. Era. Mas não para ela. Mais ou menos assim. Respeitaram a seriedade dela. Calaram-se e escutaram.

 

Traição é fato de escuta. Muito mais do que de fala.

 

Estava tensa. Mexia a colher do cafezinho como se cavasse a terra. Parecia querer exumar alguma mágoa antiga. Para vê-la – talvez - transformada em esqueleto. Ou em pó. Vai lá saber. Apertava a colherzinha com tanta força que os dedinhos até estavam esbranquiçados.

 

A voz começou rouca. Traição não é questão de Lugar. Nem de lugar. É mais uma questão de falta de assento. De falta de olhar. Traição é esvaziar uma pessoa. Totalmente. Expondo sua intimidade a outro. Traição é da ordem do visceral. Por isso dói tanto.

 

Parecia conversa de intelectual daquele país. Lá sim. Cada fala tinha uma total ausência de significado. E ampla plenitude de linguagem. Quem de fora estava - sempre concluía. Entendi nada. Mas sei que é importante. Muito importante. E não faltaram publicações e mais publicações sobre estes tão importantes- nada entendido.

 

Alguém teve uma idéia na sequência da escuta.  E expôs rapidamente a tal idéia. Aqui também tem vinho. Olharam para ele. Riram aliviados.

 

Optaram pelo vinho. Mesmo correndo o risco daquela frase em latim. A esta altura qualquer risco parecia menor que a exumação. Foi a sensação que deu.

 

Alguns se levantaram. Caminharam pesado. Como se cobrissem algum túmulo com os pés. Outros se recostaram na cadeira. Como se buscassem um conforto. Um ou outro olhou para fora da janela. O olhar parecia invejar quem passava isento.

 

Ela sentou. Dispensou o café. Fosse a colherzinha um ser vivo e estaria grata. Até poderia respirar de novo. Ergueu a mão. Firme. Quase todos a olharam. Menos os que observavam os isentos passando na calçada.

 

E calma, muito calma, se dirigiu para a bandeja das taças. No rosto estava uma expressão de falei o certo. Pegou uma taça de vinho branco. Bem gelado. O copo solidário suava o excesso.

 

Comentou. Que cada um exponha seu recato. Eu de minha parte, decidi enterrar o meu. Continuou. Acho que virá um temporal. Pegou mais uma taça da bandeja. Fez um quase ballet na volta. Sentou com uma expressão de falei forte. Falem vocês agora. Ordenou.

 

Vai lá saber por que – acabou de ordenar e sentar - a cadeira virou.

 

Virou e caiu. De costas. Com ela dentro. Colada nas costas da cadeira. Pernas não tão coladas assim. A saia confirmando a existência da lei da Gravidade. Uma nova maquillage inaugurava o rosto. Refrescado pela rápida colaboração do vinho. Um susto. Um grito. Um desacato.

 

Levantou-se com ajuda. Recolheu o mais exposto. Secou o rosto.

 

Quando riu – todos riram. E as respirações retomaram o ritmo correto.

 

Traição, traídos e traidores voltaram ao seu devido Lugar. Entre risos e piadinhas cada um revelou e disfarçou seu pudor. Houve uma inútil tentativa de falas e pequenas pontuações sobre gestos e atos.

 

Em meio ao ocorrido - ficou encerrada a temática. Mal solucionada pelas palavras. Mas muito bem explicada por um objeto. Procedia.

 

Muitas vezes uma súbita performance se faz  necessária. E elucidativa. Foi o que concluíram de mais imediato.

 

 


Julho 21 2009

 

Acordava sempre muito cedo. Não tinha um só dia que não reclamasse.

 

Lembrava dos tempos da graduação. A única matéria que tivera problema. A aula se iniciava quase com o nascer do sol. Não dava muito certo. Se faltava – era porque não conseguia acordar. E quando ia - passava todo o horário da aula dormindo. O professor até ria. Quando estava de bom humor.

 

Mas nem sempre ele estava. De solidário bom humor. Perdeu. Fez uma recuperação. Que - por sorte dela - começava depois do dia já normal. Assistiu todas as aulas. Foi aprovada. Com as boas notas de sempre.

 

Enfim. Sempre fora desse jeito. Podia emendar noite com dia. Em tarefas ou prazeres. Mas nunca acordar antes do sono já vencido. Quando isso acontecia o sono é que saía vencedor. Assim explicava. E assim ria. De si e da explicação. Podia até faltar disposição matutina. Mas bom humor nunca faltou. Fato verídico e comprovado.

 

Mas parece que é desta forma que o mundo rege. Ou é regido. Na contramão do desejo. Ou da vontade. Ou da idéia. Não importa.

 

Após a tal graduação não faltaram motivos. Ou imposições. Ou talvez ainda ocasião. Parecia que tudo para ela só começava cedo. Cedíssimo.

 

Aceitou. Se é para ser – aceito. Não adianta ir contra. Fui vencida.

 

Pior ainda do que no tempo da graduação. Agora acordava antes do sol. Enquanto ele se espreguiçava - ela já estava de saída.

 

Mas não era tão resignada. Fingia. Mas não era. Reclamava. Muito. Fez mil invenções. Inventou susto oriental. Afundou despertador. Toques de submarino. Da mitologia à tecnologia não faltou ameaça. Ameaçava tanto que já nem sabia mais a ordem.  

 

Mas uma coisa não se podia dizer dela. Que atrasava. Nunca. Nem uma só vez. Não atrasava. Ao contrário. Até se antecipava. O amadurecimento tem lá suas vantagens. Não se luta contra o óbvio. E aprende-se que minutos não compensam horas. Às vezes ela se atrapalhava e dizia o contrário.

 

Mas cumpria o que tinha que ser cumprido. E recebia elogios. Muitos perguntavam se vinha daquele país onde a pontualidade tem nome e sobrenome. Faziam piadinhas e gracinhas. Com a pontualidade antecipada dela.  Não se aborrecia. Ria. E se surpreendiam. Quando revelava a origem. Aprendeu a se divertir com isso também. Eis algo que o despertador não tirou. O entusiasmo pelo riso. Isso era factual. De relação profissional a particular. Ou de afetiva e amorosa. Sempre era esse o comentário. Estava sempre bem disposta. E procedia.

 

Neste amanhecer foi especial.

 

Desceu as escadas. Ainda estava escuro. Reclamava de si para si. Sim. Não tinha ninguém saudável àquela hora acordado. Tinha que reclamar e responder. Ela com ela mesma. Como uma esquizofrenia matutina. 

 

De repente escutou o aviso de mensagem no celular. Conferiu. Era dela. De lá. Além mar. Mandava um recadinho. Não imaginava que ia ser lido naquela hora exata. Outro fuso. Outro horário. Mas em tempo real.

 

Entendeu pela primeira vez o significado emocional disso. De tempo real.

 

Não resistiu. Respondeu. Ela retornou. Surpresa. E ficaram de conversinhas. De combinações. De comparações. Uma de cá - no escuro do dia recém amanhecido. A outra de lá - no escuro do dia já alto e enevoado. As duas no escuro. Clareando as idéias com o feliz riso solto.

 

O pão queimou. Ficou igual às duas auroras. Num momento de concentração na resposta se viu colocando manteiga dentro da xícara de café.  Informava a sequencia de erros. E riam. E trocavam as novidades. Rapidamente. Não podia se atrasar. Ela daqui. Nem ela de lá. Cada uma compromissada com a própria rotina.

 

Depois de pães queimados e leites derramados - não choraram. Riram. Ela – prática –avisou. Vamos tocar o dia. Boa sorte no seu. Ela de cá respondeu. Sim. Muito boa sorte no seu também. E no silêncio da comunicação teclada - se entenderam. E se despediram.

 

Pela primeira vez em tanto tempo – não reclamou. Estava feliz com o despertar cedinho. Achou até que já estava acordando tarde.

 

Riu. Imaginou o que diria o tal professor se tivesse assistido esta cena.

 

O dia seria muito bom. Sem dúvida. E imitou às avessas – e em homenagem – o conterrâneo dela.

Tudo fica bem – se começa bem.

 

Acabou a arrumação e saiu feliz.

 


Julho 08 2009

Acordou no horário habitual. Com a reclamação habitual.

Já. Nem vi o tempo passar. Nem vi o sono passar. Nem deu tempo de sonhar.

 

Isso é um absurdo. Um contra-senso.

 

Os sonhos já devem estar fazendo fila para poder sair. Vai ter sonho atropelado. Empurrado. Ou, quem sabe, caidinho fora da fila. Até os sonhos - sempre tem algum deles mais esperto. Outro mais lento. E vai vencer o mais sábio. Ou o mais amadurecido. O amadurecido observa mais tranqüilo. E sempre chega na hora acertada. Sonho jovem sempre é impetuoso.

 

Deve ser assim a formação do pesadelo. É apenas uma falta. De logística. De hierarquia. De ordem na saída. De respeito na fila. Enfim. Assim se constróem os pesadelos. Da falta de liberação organizada.

 

Mas assim fazia. Todos os dias. As mesmas queixas. Desta vez uma pequena diferença.

 

Resolveu dizer isso a ele. Talvez para dar vazão aos sonhos impossibilitados de sucederem. Resolveu formalizar verbalmente a queixa. E naquela hora. Tão cedo.

 

E formalizou. Ou melhor, tentou formalizar. Se assustou. Nada saiu da garganta. Ficou a princípio preocupada. Seria por conta do amontoado de sonhos. Alguma sufocação por excesso. Sonhos reunidos impedindo a realidade. Dava até para ser slogan.

 

Repetiu. Nada de novo. Simplesmente assim. A voz não saia. Não saia.

 

Tocou nos lábios. Precisava ter certeza de que se moviam. Sim. Moviam com segurança. Mas a voz não saia.

 

Ele dormia feliz e ausente de toda aquela mais nova alteração.

 

Acordara sem voz. Vai lá saber exatamente por que.

 

Lembrou. O dia tinha sido terrível.

 

Se somasse as horas de fala sem parar dariam quase sete horas. Explicara métodos. Avisara riscos. Complementara orientações. Recomendara prudência. Lembrou até de uma orientação filosófica. Disse a ela. Melhor relatar apenas o que fez e o que viu. Se externar opinião já virou pessoal. Lembre-se disso. Não esquecia o olhar dela. No início tão feroz. Olhar de salto alto. Depois tão temeroso. Olhar já de chinelinho. Enfim.

 

E ainda teve aquele telefonema. Tarde. Bem tarde. Ficou tensa. Com ela. Sabia dos perigos. Das causas e até dos efeitos. E se confirmasse. Como poderia ajudá-la. As dores da alma se somando às dores do corpo. Dela. Delas.

 

Lidou com idiossincrasias. Verossimilhanças. Teve de tudo. Só podia dar nisso.

 

Chegou de volta no final do dia. Cumpriu todo um ritual. Já estava até se acostumando. Era algo que detestava. Viver de véspera. Mas como o dia começava muito cedo não tinha opção. Ou o dia começaria mais cedo ainda. Fez o que tinha que ser feito. Organizou o dia seguinte.

 

Foi assim que adormeceu. Depois de um dia intenso. E um ritual cumprido.

 

Quase um cochilo. Foi nisso que pensou quando acordou. E recompôs toda a

véspera.

 

Riu. Na véspera reclamava. De viver de véspera. Agora reclamava. De viver do dia anterior.

 

Não deve ter sido à toa. Que acordara sem voz. Tentou novamente falar com ele. Desistiu. A voz não saia. Assunto encerrado.

 

Saiu ela - então. De corpo inteiro. Ou quase inteiro. Pensou. Se a voz emudece – o corpo cala. Mas não tinha certeza disso. Nem do contrário. Concluiu. Sem voz e sem sonho – a vida fica mais complicada. Riu. 

 

Seguiu os tais trilhos. Sem bondade e sem voz. Sem sonho. Mas com sono.

 

Enfim algo tinha. Não estava esvaziada de tudo. Tinha sono. Muito sono.

 

Com o passar do dia a voz deu algumas notas de presença. Tímida. Mas audível. O sono se foi.

 

Na volta para casa riu. Eis um dia diferente. Não dá para reclamar pelo menos de uma coisa. Monotonia. Isso jamais.

 

Torceu por muitos sonhos. Nesta noite.

 

 


Junho 20 2009

Ela ia falando. Eu ia acreditando. Ela não era de criar contos. Ou de sublimar encontros. Era de efetivar desencontros. Se não estava bom – destituía. Por isso fui acreditando quando avisou. Acabou.

 

Ele ia viajar. Passaria trinta dias fora a serviço da empresa. Naquele país privilegiado. Boa música. Maravilhosas orquestras. Vinhos de especiais safras. Bosques. Rio com nome de valsa. Para completar - até aquelas tortas irrecusáveis. Era bem para lá que ele iria. E para lá ele foi.

 

Observou. Não sentiu saudade da parte dele. Nem uma mínima expressão de quanto-tempo-longe. Sentiu que ia feliz. E que surgira um certo ar juvenil. Juvenil até demais. Olhou. Mudou o ângulo do olhar. Quis ser a mais justa e o menos paranóica possível.  Respirou.

 

Decidiu pesquisar. No caso de estar errada – pediria desculpas. Mas não era mulher de julgamentos errados. Era boa nisso. A própria profissão lhe exigira e lhe qualificara desta forma. Era boa em avaliações. Por isso – mesmo sabedora antecipada – temeu. E tremeu.

 

Abriu a mala. A dele. Perto da hora da saída. Ele – desatento - dava os últimos retoques na imagem. Não a viu abrir. Ainda bem. Porque o olhar dela fora da ordem do selvagem. Do devastador.

 

Encontrou. Vários presentinhos. Que delicadeza. Deveria ser uma princesinha. Sim. Por certo não era para ele usar. Eis algo que tinha absoluta certeza. Esboçou até um risinho. Mas daqueles tetânicos. Com trismo. As crisálidas devem ter trabalhado só para aquelas compras. Eram realmente belas sedas. Suaves ao toque. Belas cores. Fortes. Sedutoras. Mas delicadas no recorte.

 

Agiu.

 

Fechou a mala. Deixou dentro as lindas caixinhas intactas – porém ocas das delicadezas. E ela. Ali. completamente fora - plena de tristeza.

 

Ele se despediu. 

 

Um abraço mais rápido. Um beijo menos efusivo. Não precisa me levar. O motorista virá. Fica em casa mesmo. Olhou para trás mais uma vez ao entrar no carro. Comentou algo sobre a casa. Deu mais um adeus. E saiu.  Assim. Como um ato perfeito de premonição. Ou como um ballet contemporâneo. Cada dançarino com seu ritmo. Mas num mesmo palco.

 

E assim pareceu ser.

 

Enquanto ele de lá se assustava. Ela daqui se mobilizava. Discussões. Exageros. Emoções. Desculpas. Perdões. Nada resolveu. Avisou que era já um assunto encerrado. Um mês se passou.

 

Comecei a rir. Não foi à toa que aquele filósofo diplomata Francês ganhou o ilustre prêmio.  Entendi muito bem o que ele explicava sobre o riso. É preciso exceder duas vezes o trágico para que seja cômico. Começou a ficar cômico.

 

Assunto encerrado é o termo mais flexível que se utiliza. Ou que se desconsidera. Todos buscam a nota de rodapé. Sempre se espera uma báscula. Ele não fugiu à tal regra.

 

Voltou.

 

Chegou com as malas. Tentou abrir a porta. Não conseguiu. A chave desobedecia. Ou a fechadura não reagia. Compreendeu de imediato. Esbravejou. Um homem tão ilustre. Esbravejou.

 

Ela firme – mas assustada - telefonou para aquele número hollywoodiano. Sim. Porque até aquele dia só o reconhecia por filmes. O tal número. Veio o reforço. Ele desconsiderou. Também fez outra ligação. Para o mesmo número. A esta altura já mais suburbano que hollywoodiano. Veio outro reforço.

 

Uma porta.

 

De um lado – de dentro – ela. E sua decisão.  

Do outro lado – de fora – ele. E sua intenção.

 

Para completar as malas. Duas policias. E a porta. Imóvel. Fria. Só não diria ausente porque esta palavra não cabia. Mas ficava ali. As policias negociavam entre si. Alguém tinha que ser convencido. Demorou. Mas enfim - um consenso.

 

A porta não abriu. Ele deu as costas e se foi. Ela foi para o quarto. 

 

Nesta noite chorou. Toda a noite. Se culpou. Se recriminou. Se descabelou. Se perdoou. E se curou.

 

Não cedeu. Sabia que a concessão lhe cobraria um preço maior que a possível solidão anunciada. E o que está destituído – não pode ser restituído.

 

Pensou algo por aí. Pensou muito mais. Talvez nunca tenha pensado tanto durante uma noite. E teve mais certeza quando a noite se foi. Concluiu. No final cada um é refém dos próprios atos. Que cuide muito bem, então, do próprio cativeiro.

 

Pela manhã abriu a porta. Saiu. Para o trabalho. Para a responsabilidade. Para os propósitos e os projetos.

 

Nada quis. Nada pediu. Só caminhou no percurso que escolheu.

 

E recuperou a si mesma. Por inteiro.

 

 


Junho 06 2009

Acordei hoje lembrando lá. Deste período lá.

 

Sim. Já comprei tudo. De supermercado também. Fica difícil ir ao supermercado agora. Ou falta tudo. Ou se encontra nada. Sem falar nos acessos. Que são alterados. A cidade fica muito cheia. Sim. Do mundo todo.

 

Muitos sotaques. Muitos idiomas. Uma Babel dançante. Ótimo. É verdade.

 

Um povo hospitaleiro. Disso não se discorda.

 

Acorda. Acordei já. Sim. Este ano começou mais cedo. Cada ano isso muda.

 

Começa mais cedo. E acaba mais tarde. Deve ser. É  verdade. Este circuito cada vez mais divulgado. Se pagam caro os hotéis têm esse direito. De ver da janela. Maravilha. Para eles. Para os hotéis. Até para as janelas.

 

Não escutei. Fala mais alto. Não escutei ainda. Fala mais alto ainda. Não.

 

Não consegui sair de casa. Está tudo bloqueado. Sim. E ainda tem aqueles vendedores. Isso sem falar nas cozinhas nas ruas. Parece que todas as cozinhas do mundo estão na minha rua. Tem cheiro e fumaça de todo tipo.

 

Daria para fazer uma enquete. Se alguém se interessasse. Por enquetes. Mais do que pelas frituras. Sim. Tudo aqui é frito. Muda só a cor. Mas é frito. O cheiro de fritura pode até ser tocado. Fica denso.   

 

Sim. Também pensei a mesma coisa. Achei que ia cair para dentro da sala. A porta da varanda. Que trepidação. Tive até uma confusão mental. Como se estivessem tocando aqui na sala. A noite toda. O dia todo. A porta só trepida.

 

E faz um barulhinho fino. Do metal. Do vidro. Vai lá saber. Nem sei mais.

Impossível. Se deixar aberta - arrisco uma ruptura de tímpano. Se fechar - o calor fica insuportável. Sim. Tem que ligar o ar condicionado. O tempo todo.

 

Mas daí a trepidação parece que aumenta. Fosse eu Física diria que tem um novo efeito.  Aqui. O efeito tampão. Ou efeito sucção. Ou efeito dobrado. De tudo isso ao mesmo tempo. Sei lá. Também não sou Física. Só está me dando desespero. Porque se fecha e liga o ar - parece que a trepidação aumenta. E o cheiro das frituras - entram. Sei lá por onde. Só entram e ficam. Aqui dentro. Perene.

 

O telefone. Não escutei. Não dá para escutar mesmo. Nada além do ritmo. E dos convites. Milhões de vezes repetidos. Tira o pé do chão, galera. Se realmente obedecessem tantas vezes quanto solicitados - teríamos um novo espaço. Aéreo. Levitação. Nem indiano conseguiria. Tantos.  

 

Há quatro dias. Sem parar. Devem parar. Mas não aqui. Aqui nem bem passa um, já vem chegando outro. E a ordem prossegue. Tira o pé do chão, galera.

 

Você queria descer a ladeira. Para ver de perto. Ver o que exatamente.

 

Porque se não souber tirar o pé do chão - corre risco. De ficar com o pé no chão. Por uns dois anos. Com fraturas. Cominutivas. Nem pensar.

 

Não me diga. E ele correu. Por isso acabou no hospital. Dizem que não se pode correr. Tem que ficar parado. Procurando um cantinho. Para deixar passar a onda. Que onda. Ou melhor, que passar. Não passa. Só nas Cinzas. E cinzas de todo o tipo.

 

Tira o pé do chão, galera. Pela milionésima vez. Em quinze minutos.

 

PeloamordeDeus. Tirem logo esse raio de pé do chão.  A voz era de homem. Agora mudou. É de mulher. Não de homem. Não. De mulher. Não importa. Só a ordem importa.

 

Porta. Acho que vai quebrar a vidraça. Tem muita trepidação. Será que alguma vez me livro disso. Vou pedir para o Universo. Alguém tem que me ajudar. A tirar o pé – fora daqui.

 

Que silêncio. Absoluto. E os passarinhos mais ousados - cantando o seu refrão. Reconheci. É um bem-te-vi. A brisa está leve. Sim. Vou tomar um pouco de sol. Dar um mergulhinho. Está tão lindo o dia. E a cidade tão calada. Há apenas o som forte - do silêncio.

 

Aqui é só em determinado lugar. Ou pré-determinado. Estabelecido. Tem Lugar para isso. Nem sei se aqui mandam tirar o pé do chão. Vai quem gosta. E só quem gosta vai. Vai-Vai.

 

Liguei a televisão. No canal que retransmite de lá. A mocinha gritou no microfone. Tira o pé do chão, galera.  

 

Sorri. Leve. Solta. Voltamos para o sol. E para o nosso adorado silêncio – optativo.  

 

Com os pés – relaxadinhos – no chão.

    

 


Junho 01 2009

Devem já ter inventado algo melhor. Mas naquele momento só pensava nisso. Obsessivamente. Não poderia existir sensação melhor. Nem certeza mais evidente. Ou planejamento mais adequado. Sequer idéia mais agradável.

 

O momento ia chegando e eu me despojando. Encerrando as formalidades. Liberando a escuta. Despertando o instinto primitivo. Trazido pelo encanto. Como por um encanto, melhor referindo. Entre o abrir e fechar de pálpebras – respirava alegria.

 

Assim entrei em casa. Muitos quilômetros de trilhos depois. Na sexta feira.

Já começando a anoitecer.  Bendita sexta feira. Folga de final de semana.

 

Inteirinho. Sem compromissos profissionais. Sem tarefas. Sem relógios. Sem programação definida. Um feliz excesso de sem.

 

A meteorologia informava. O clima estava oscilante. Mas nem me incomodei.

Em geral tudo é oscilante.

 

Não parei para pensar - nesta observação filosófica. A de que tudo é oscilante. Deveria. Filosofia é assim. Se você a deixa inquieta é porque ela está certa. Quase como um axioma. Rimado - mas nem por isso menos verdadeiro.

 

O jantar se propunha maravilhoso. A música escolhida em conjunto. Sentamos diante de nós. Diante da mesa. O rubro na taça dava um toque mais profundo.  O colorido do cardápio sugeria uma certa leveza. A mistura dos aromas indicava uma celebração. Nossas vozes emolduravam os assuntos.

 

Sim. Estava inaugurado o final de semana. Podia ser repetitivo. Semanal. Lógico. Mas sempre é festejado quase como único. Porque dá o ponto final. Na lista de obediência. Final-de-semana deveria ser definido como Final-de-Obediência. Por que é o que se faz. Desobedece-se regras socialmente estabelecidas. Para se privilegiar regras individualmente reconhecidas. Perfeito.  E como dizia o Frances. Só se repete o que não tem completude. Ainda bem. Pensei eu.  

 

De repente - uma nova sensação. Melhor dizendo. Uma sensação nova. Mais forte. Mais contundente. Isso para não dizer objetiva. Decidi fingir que não via. Ou que não era comigo. Endereço errado.

 

Não funcionou.

 

Aquela dorzinha não saia de perto. Das costas. Dos braços. Dos olhos. Até dos joelhos. Dorzinha xifópaga. Assim parecia. Porque para onde eu virasse – ela virava junto. Até para onde eu olhasse. Ela se permitia também olhar.

 

Me recusei a admitir.

 

Mas ela não estava predisposta a rejeição. Ou a discussão. A dorzinha. Queria se fazer destacada. Queria atenção.

 

Admiti.

 

Sai da mesa. Do som escolhido. Do colorido dos pratos. Do rubro na taça. E fui verificar o que se passava. Um frio percorreu todo o corpo. Mas percebi que não percorreu o ambiente. Um frio talvez mais egoísta. Com mania de privacidade. E escolheu a mim. Apenas a mim.

 

Não terminei o pensamento.

 

Uma tontura impetuosa me fez pensar na frase do mexicano. Sim. Nunca mais. Mas nem era mexicano o tal rubro. E eu nem tinha ainda começado. Deveria ser forte. Fazia efeito no tocar dos dedos no cristal. Vive la patrie. Dele. Porque a minha estava acabada.

 

 

Aquele apitinho foi decisivo. Demorou um pouco a se manifestar. Mas quando veio foi com um estilo dissociativo. Apitou de um lado. Cai deitada do outro. O frio egoísta se impondo. Não havia volume que desse conta. Nem em número. Nem em plumas. Nem em penas.

 

Engolir comprimido tremendo deveria ter algum mérito. Processo também dissociativo. A mão não obedecia ao que a boca – disponível - aguardava. O braço não obedecia ao que a mão - ansiosa - intentava. Nada parecia ter ordem.

 

Daí me lembrei. Do pensamento filosófico. Em geral tudo é oscilante.

 

Foi o último pensamento eficaz. Que me lembro. Estava assim decidida a programação do final de semana.

 

As regras seriam ditadas por um apitinho. Os festejos em volta de um comprimidinho. A dança compassada por um frio egoísta. A parceria evidenciada pela gemelaridade. Corpo e dor. Maestros rígidos e explícitos.

 

Conclui. Entre calafrios. Filosofia rimada nem sempre é verdadeira.

 

Em geral – nem tudo é oscilante. 

 

 

 


Maio 27 2009

Estava num período de muitos ciúmes. Não sabia a razão de forma objetiva. Mas sentia a sensação de forma decisiva. Como deve mesmo ser o ciúme. Decisivo e arrogante.

 

Ele – o objeto do ciúme – nada falava. Não mudara os horários. Não se atrasava no fim do dia. Não trocara detalhes. Cuidava de si como sempre o fizera.

 

E ela ali. Sempre com o olhar esgotado. De tanta procura. Como se seguisse uma ordem. Vinda de dentro. Muito mais do que de fora.

 

Nas noites da semana ele ia para o computador. Ela ficava assistindo. Não havia termo melhor. Assistindo.  O tempo passar. Ele no computador. Ela esperando. Estava sempre ocupado. De vez em quando trocavam um comentário. Ele meio desconcentrado. Do que ela falava. Ela meio desconcentrada. Do que ele respondia.

 

Sempre tinha uma tarefa. Desta vez ele buscava músicas. Daquele compositor que falaram num jantar. O amigo queria muito. Mas não encontrava. Escutou o pedido. Saiu em busca. Dos tempos idos. Para o amigo.

 

Concluiu. Para um cantor antigo nada mais adequado que uma pesquisa moderna.

 

Por muitas noites ficaram assim. Ele – quase ausente - buscava o passado. Ela – quase presente - buscava o futuro.

 

Educação. Bom senso. Concentrava-se nestas idéias. Para incorporá-las.

 

Mas não conseguia. Lembrava a avó de uma amiga. Ela sempre dizia. A palavra não obedece fácil menina, a palavra não obedece fácil.

 

Tinha um estilo pacífico. Assim se definia. Mais escutava que falava. Se é que este é um estilo pacífico. Mas enfim. Era como se entendia. Até elogiava. A persistência dele. A delicadeza em querer agradar. A atenção em satisfazer o pedido. Do amigo.

 

Numa noite ele avisou. Acabou. Assim. De repente. Ela sentada assistindo televisão. Ele no computador. Quando ele falou. Acabou. Pronto. Ela estava esquecida. Da tal tarefa sonora.  Assustou. Achou que era com ela. Virou-se para ele.

 

Olhos para fora.  Boca aberta. A respiração suspensa.

 

Ele desconsiderou o susto dela. Nem percebeu. Só disse. A coletânea. Consegui.

 

Ela riu. Muito.  

 

Deu o presente ao amigo. Ele ficou feliz. Surpreso. Tão feliz quanto surpreso.

 

Contou depois que foi para casa. Escutou repetidas vezes. Dormiu até com as músicas tocando. Uma noite toda. Ficou grato. Muito grato. O cantor remetia à própria historia. Uma fase boa da vida. Uma parceria refinada. Música e boas lembranças. Quando uma se une à outra não há fio de tempo que separe.

 

Ela até mudara um pouco. Estava mais calma. Parecia que as tais palavras estavam mais obedientes. Parecia.

 

Uma tarde, no horário habitual, foi ao salão. O semanal da beleza. Tranqüila. Parecia.

 

Chegou uma mocinha. Linda. Cabelos de cachinhos. Leve. Suave. Risonha.

 

Parecia saída do banho. Uma gracinha de mocinha. Tudo seguindo uma ordem pacifica. Quando contou da noite musicada. A mocinha. Falou em bom som. Do mesmo cantor. Alguém comentou. Nem sabia que você conhecia. Não é da sua época. Não conhecia. Mas um amigo doce e carinhoso me apresentou. Deu de presente. Uma cópia. Ontem. No final da tarde. Falou isso com um sorrisinho. E com os cachinhos balançando. E o cheiro do banho.

 

Levantou-se da cadeira. De um pulo só. Recolheu as mãos.

 

A moça que coloria as unhas ficou vermelha. Achou que fizera algo errado. Ela ficou branca. Achou que descobrira algo errado.  

 

Olhos para fora. Lábios para dentro. A respiração suspensa.

 

Chegou junto da mocinha dos cachinhos e pediu. O nome. Um nome. De quem lhe dera o mimo musical. A mocinha, assustada, respondeu.

 

Telefonaram para o marido. Avisaram. Ela desmaiara.

 

 


Maio 09 2009

O calor estava terrível. Foi assim que entrei em casa. Resmungando. Alucinando. Água gelada. Piscina com gelo. Roupa com flocos de neve embutidos. E lá no fundo da visão - uma cachoeira gelada. Água despencando de uma pedra congelada. Alucinei até nevasca. Borrasca. Avalanche.

 

Não faltou criatividade no processo alucinatório. Mas enfim. Voltei. Com calor. Sem nevasca. Sem borrasca e sem avalanche. E com um nada diplomático humor.

 

Nem bem entrei em casa e o interfone foi demonstrando o poder da sua existência.

 

Não acreditei. Ela precisava falar. Relatar. Discorrer. Pensei todas estas palavras diante de um único golinho de água. Porque já fui ficar a postos. Para o tal relato. Me senti diante de uma novela. E nem novela eu assisto.

Agora ia assistir a novela delivery.

 

Bom. Melhor parar com o mau humor e acatar. Ceder.

 

Como de hábito ela já foi entrando e falando. Desta vez faltou o choro. Se é que se pode falar assim de um choro. Choro não falta. Talvez lágrimas faltem. Mas foi logo contando. Aquele almoço tinha sido curioso.

Gesticulava com cautela. Como uma mulher esclarecida.

 

O lugar que ela sempre gostava de ir. Ele estava gentil. Comentava a mudança. As dificuldades. As alterações na rotina. Mas já estava tudo acertado. Inclusive já tinha onde morar. Que rápido. Surpreendente. E num bairro que sempre quis. Que maravilha. Estava eufórico. Muito já estava embalado. Que rapidez. E muito ainda restava embalar. Isso sempre se resolve fácil. Fez piadinhas. Nada como um plástico-bolha. Riu. Sozinho.

 

Em meio a uma mastigada e outra, ele falou. Pronta para a travessia. Assim. Esta fora a palavra. Travessia. Ela pensou mil loucuras com esta palavra. Mil sugestões. Inclusive anatômicas. Mas só pensou. Como assim travessia. Já está tudo feito. Tudo decidido. Nem sabia onde se encaixava. Ele fez nova piadinha. Encaixada. Encaixotada. Mas uma vez riu. Sozinho. Mas não pareceu notar. Em nenhuma das duas vezes.

 

Nada mais disse a ele. Silenciou. Como uma mulher desiludida.

 

Voltou para casa. Não se viram por dois dias. Hoje viera novo convite. Mais um almoço. Quase riu. Comentou algo sobre peso. Achei que poderia ser uma metáfora. Mas permiti apenas a literalidade. Pareceu mais adequado.

 

Desta vez ele repetiu os planos e acrescentou mais novidades. Ele fez alguma observação rindo. Sobre a viagem e os amigos. Ela não entendeu muito bem. Ele riu. Enfim. Riso é da ordem do pessoal. Riso compartilhado já é outro setor. E ela estava já em outro setor.

 

Melhor dizendo. Nem tinha trocado de setor. Avisara já no trabalho. Cancelara a possibilidade da transferência. Desde o primeiro almoço.

Desejou que ele fizesse uma excelente travessia. O que mais pensou não falou. Sobre a tal travessia. Deu um beijo na saída. Ele correspondeu. Avisou que ligava assim que chegasse lá.

 

Comentou rapidamente. Onde tudo tinha mudado. E onde ela perdera. Talvez uma fala. Um corte. Vai ver errara. Como continuista. Algo por aí. Mas não lembrava. Melhor fechar as cortinas.

 

Desta vez entendi que água não seria necessário. Lógico que pensei numa bacia com gelo. Mas ofereci um café. Aceitou.

 

Segurou com a mão discretamente trêmula. Mas nada derramou. Como uma mulher, talvez, amadurecida.

 

Quando se despediu - combinou um chá. Um cinema. Mas alertou. Nada de almoço.

 

Desta vez riu. Como uma mulher, quem sabe, renascida.

 

Lembrei do meu amigo indiano. O som sempre persiste, independente da veracidade do silêncio.

 

 


Abril 27 2009

Estava trabalhando. Agenda cheia. Em meio a todo o tumulto dos atendimentos recebeu um telefonema de casa. A dedicada auxiliar avisava que tinha um homem nada delicado dentro da casa. E que estava lá com uma finalidade inadiável. Ia cortar a luz. Isso. Cortar a luz.

 

Ela pediu três vezes que repetisse a frase. A história. A fala do homem. Então estava escutando bem. Mas por que. Por que não tinha sido paga há dois meses. Assim. Motivo simples. Ela quase pulou da cadeira. Não entendeu. Não podia ser. Devia ser algum equívoco. Usava a modernidade Bancária para isso. Há anos.

 

A dedicada e sempre prestativa auxiliar explicou. Vai ver que foi porque solicitei para ser mudado o nome do titular. Na conta de luz. Afinal já está divorciada há oito anos. Já está mais que na hora de aceitar o nome de divorciada. E ajudei nisso. Pedi para mudar para o seu nome de divorciada. Fiz isso com a melhor das intenções. Até comentei com a senhora. Deve ter esquecido.

 

Sim. Não lembrava. Concluiu. Com isso foi tirado da modernidade do Banco. Explicado. Agora só precisava ser resolvido. Banco não se interessa por questões de ordem emocional. Ou por decisões adequadas feitas de forma inadequada. Quanto mais por falhas de escuta ou de memória. É tudo feito com muita clareza. Quase riu. Justo agora estava na iminência do escuro.

 

Iria ao Banco rapidamente pagar. Pediu para falar isso para o homem. Um homem implacável. Não aceitou aquele célebre hoje não. Por favor. E na sexta feira. Às três da tarde. Pode ficar tranqüilo. Será resolvido logo. O senhor não pode fazer isso. Devo. Respondeu assim. E ainda falou isso rindo.

 

Depois da atitude dela, ele tomaria a dele. Deu um até breve. Deixou um número para contato quando estivesse com o débito em dia. Assim poderia pedir a re-ligação. Virou-se. Saiu.

 

Foi uma correria. Do local de trabalho e pelo telefone pediu o código de barra. Nervosa só anotava errado. Desistiu. Pediu que enviasse pelo computador. Com a pressa em resolver tropeçou.  Arrancou o fio da tomada do computador de vez da parede. Não conseguiu mais fazer funcionar a rede. Desistiu. Pediu para enviar a conta pelo fax do vizinho. Que se dispôs de imediato a ajudar. Mas lamentou em seguida. Estava sem papel de fax.

 

Tinha esquecido de comprar.

 

Nesse intervalo os filhos ligaram. Estavam apavorados. O que fariam sem luz. Um queria jogar. O outro tinha um trabalho da escola. Queriam aquecer a comida. Queriam água gelada. Queriam banho quente. Tudo a depender a luz.  E ela no trabalho.

 

Cancelou a agenda e foi resolver à moda antiga. Com a conta em mãos e na frente do caixa.

 

Pagou. Tentou relatar o acontecido. Mas a mocinha do caixa em nada se interessou. Fez ar de burocrata entediada. Confirmou o pagamento e dirigiu o olhar já ao próximo. Que estava atrás dela. Neste momento ela compreendeu. Algo que nunca se dera conta. Até riu do pensamento. Conta fora a palavra mais citada em questão de minutos. Mas sim. Se dera conta. Burocracia, Conta e Banco não têm questões. Só motivos. Até se acalmou. Com a nova filosofia recém criada. Mesmo no escuro.

 

Voltou para casa. Telefonou para o número deixado pelo homem que fez o corte. Informaram que seria solucionado de imediato. A esta altura a casa era uma verdadeira capela. Vela para todo lado. E avisos de cuidado com a vela a se repetir.  E todos a pedirem banho quente e água gelada.

 

Insistiu na ligação telefônica. Desta vez teve mais uma surpresa. Ninguém sabia da primeira ligação. Esbravejou. Gritou. Perdeu a calma. A classe. A compostura. Descobriu que perder a timidez no escuro é muito mais fácil. E aproveitou então da situação. Foi tanto que falou que do outro lado pediram calma. Respondeu com palavras nada publicáveis. Avisaram que toda ligação telefônica era gravada. Respondeu em alto e bom som. Ainda bem.

 

Eles desistiram da tal água gelada. Do banho quente. Sábios. E bons ouvintes. Ou prudentes. Ainda tinham um bom apego à vida. Escutaram o que ela falara com quem atendeu na Companhia de Energia Elétrica. A forma que ela falara. Optaram por ficar em silêncio. Sob a luz de velas. Bem caladinhos e sentadinhos no sofá. Aguardando apenas.

 

Resolveu. Iriam todos a um restaurante. Jantariam por lá e na volta já estariam de luz acesa.

 

Era noite de temporal. Muita chuva. Trovoadas e relâmpagos. Faltou luz no restaurante. Em meio à escolha do jantar. E antes de pedirem a água gelada.

 

No escuro todos só escutavam as risadas. Deles.

 

 


Março 25 2009

Quando escutou o nome, entrou.


Chegou sério. Assustado, imagino. É realmente temeroso ir sozinho.  Desconheço quem chegue tranqüilo. Diante da suspeita possibilidade de dor em lugares específicos como este. Segurava uma ficha dentro de um envelope plástico com seus dados pessoais. Formal. Receoso. Diria até reservado - dentro do que a sua idade permitia. Seu gestual era limitado. Como se a contenção exterior lhe ajudasse na interior. Vi que se esforçava para fazer ou dizer nada que pudesse ser entendido como errado. Me pareceu, logo depois que se ajeitou na cadeirinha, muito mais cuidadoso que formal. Mas enfim. Esta também é outra daquelas linhas de difícil separação. Entregou-me, responsável, o envelope.


Tentava arrumar pernas e braços. Numa cadeirinha que o cabia com folga. Perguntou pela real possibilidade de dor. Neguei. Interessou-se, então, pelos objetos sobre a mesa. Nomeados e qualificados, acalmou-se. Mas não sem antes dar uma olhada ampla pela sala. Olhou os outros da idade dele que estavam ali – quase - na mesma situação que ele. Todos estavam acompanhados. Viu que ninguém chorava. Deve ter aprendido. Precaução nunca é demais. Pareceu mais confiante. Deu um meio sorriso.


Se ninguém chorava ele também não precisaria temer. Na igualdade sentiu-se amparado. Pela coletividade sentiu-se, talvez, menos ameaçado. Puxou a cadeirinha para mais perto. A esta altura já mais adequado à sua idade. Começou a fazer pequenas investigações, com as mãos, em papéis e materiais expostos.


Perguntei pelos responsáveis diretos. Uma senhora o acompanhava. Preferia, sabe-se lá porque, ficar nem muito perto, nem muito longe. Se necessário, se solicitada efetivamente, se aproximaria mais. Apontei uma outra cadeira, convidei a se sentar também. Recusou. Estava bem. Preferia ficar de pé. Tinha pressa. Gostaria que tudo acabasse logo. Tinha muito a fazer fora dali. Explicou. Sem pudor. Nem meia voz. O pai está detido. A mãe se foi há quase seis meses. Mora comigo. Sou parente. Afastada. Tenho outros a quem cuidar. Ele me dá muita ocupação. Tem um problema. E não tem ninguém para resolver. Mas não tive jeito. Tive que assumir. Ele não tinha mais ninguém. Que eu saiba. Contou sem olhar para ele. Sem tocá-lo. Falou sem recatos. Como um brechó de sentimentos. Gastos. Rotos. Amontoados. Cada um que descobrisse o melhor que ainda pudesse ser usado. E o pegasse para si. Ficou silencioso. Acho que sabia disso.


Contou-me ele mesmo a sua história. Afirmou orgulhoso. Sou um menino de seis anos. Sei fazer muitas coisas, sozinho. Foi uma vez visitar o pai na detenção.  A mãe ainda morava com ele. Não tinha ido viajar. Viajara mas ele sabia que ela ia voltar. Conforme avisou. Quis conhecer o lugar onde o pai estava. E que de lá não podia ainda sair. Ainda. Repetiu. Escutei. Atenta. Contou-me os motivos. Em nenhum momento baixou os olhos. Falava diante de mim.


Foi fazer uma brincadeira. Subiu no beliche de cima. Fez de conta que estava numa escorregadeira. Num parque. A escada escorregou antes dele. Caiu. A acompanhante arrematou a história. Como se fosse uma roupa velha do tal brechó. Perdeu a visão do olho esquerdo nesta hora.


Ele foi logo me dizendo que seria por pouco tempo. Faria um transplante. De córnea.  Alguém, que não precisava mais, ia dar um olho para ele. Avisaram que não doía. E que quando abrisse os olhos enxergaria pelos dois. Ao mesmo tempo. Mesmo que tapasse um. Ou outro. Enxergaria. Passou os dedos no olho ferido. Como uma demonstração.


De repente deu um pulo da cadeirinha. Ficou tão sério que até me assustei. Não sabia o que acontecera. Perguntou pela data. Pelo dia da semana. Conferiu os dados. Confirmou uma outra data. E dia. Pareceu relaxar. Informou feliz. O pai será liberado na próxima semana. Disse data e dia.


Fazia previsões neste todo-futuro. Iria esperá-lo em casa. De vez em quando conferia. Virava em direção à senhora que o acompanhava à distância. Tinha planos. Mas tinha uma dúvida. Que mais parecia um receio de impedimento. Não sabia onde o pai iria dormir. Tinham muitos na casa. Acalmou-se na mesma rapidez que se preocupara. Tinha já a solução. Dormiria na cama dele. Simples. Resolvido. O pai nunca mais o deixaria. Iriam morar juntos numa casa só deles.


Neste momento a acompanhante se aproximou.  Desdenhou da confiança. Falou das vezes repetidas que já fora detido. Justificou a decisão da mãe. Usou adjetivos nada elogiosos. Para o pai. Falou de abandono. De mentiras. De deveres não cumpridos. Do que sobrecarregara a ela. De tudo que desqualificava. O pai. A situação. Só não percebeu que desqualificou a ela também. Na queixa se incluía sem perdão. Nem observou o jeito que ele se virara para vê-la melhor. Esta foi a única vez que ele se moveu para olhá-la. Com a mesma falta de pudor e recato que ela. Olhou de frente. Como num ajuste de visão. Quem sabe em busca da visão correta. Uma espera. Uma cumplicidade. Difícil decifrar. Deve ter enxergado pelos dois olhos. Pensei. Este olhar que ela nem se interessou. Nem percebeu. Ele não esquecerá. Nem depois do transplante. Em seguida ele ficou de costas para ela. Como se longe dali já estivesse.


Interrompi as palavras dela. Não por ela. Mas por ele. Pelo pai. Pelo dia ansiado. Pelos planos. Pela cama já dividida. Pela solidão apaziguada. Pelo amparo antecipado.


Impossível se saber exatamente quem ajuda a quem. Quem favorece a quem. Idade não é garantia. Sexo não é definição. Privacidade não é abuso. Destino não é criação. Estatuto nem sempre é lei. O contrário também vale. Tentei dizer isso a ela. Mas a vi se afastar com indiferença.


Ele continuou sentado aguardando. Quando acabamos o proposto ele se levantou.


Quando ia sair, sorriu. A senhora se retirou na frente dele. Ele atrás dela. Seguindo. Mas fazendo também seu caminho.


Já na porta, virou-se de repente. Para mim. E me fez uma recomendação. Não esqueça. Repetiu o dia e a data que o pai sairia de lá para a casa deles. E sorriu ao afirmar. Prefiro esperar em casa. Mas se eu for buscar, vou ficar do lado de fora. Não vou entrar lá. Para não cair de novo. Sorriu, acenou e se foi.


Não pude deixar de lembrar o mestre austríaco. O estudioso francês. O filósofo alemão. Havia veracidade, maturidade e sabedoria nestas palavras.


E ditas de forma, por isso mesmo, tão simples e ingênua. 


 


Março 22 2009

Tomei fôlego. Agora posso repensar. Acho que este é o lugar ideal. Para avaliar sustos.

 

Desde ontem até hoje. Foi uma surpresa total. Bateu o recorde. Daquele último que tomei. Pensei que já ganhara o primeiro lugar no concurso de sustos. Mas não. Este venceu. Até porque este foi diferente. Vencedor em outra categoria. Assim diriam os juízes do meu concurso particular de sustos. 

 

Mas é verdade.

 

Quando li o texto. Quando vi meu nome em negrito. Primeira vez que vejo meu nome em negrito. Na publicação da resenha não era em negrito. Devo ter um problema com nome. Cada vez que publicam, eu me particularizo. Bela conclusão. Vou guardá-la para um futuro. Imagino o que poderá acontecer. Se um dia sublinharem.  Ri discreta. Não adiantou. Perceberam. Bom. Melhor pensar no sublinhado depois. Ainda preciso dar conta do negrito.  

 

E as comparações. Comparou meu escrito à suavidade. Com a brisa. Com a serra. Meu nome entre a brisa e a serra. Quanta honra. Agora sei bem porque alguém fala isso. Quanta honra. Tenho aprendido bastante. Estou encantada. Até imprimi o comentário e a recomendação. Leio e releio. Estou insaciada. Alegria insaciada. A melhor das alegrias. Que sorte a minha.  

 

Outro baita susto. Desse jeito vou virar a rainha dos sustos. Vou parar naquele livro de recordes bizarros. Até dei um pulo. Agora que entendi o por que da hemoptise. Da metáfora. Da serra e da brisa. A palavra tísica. Que inteligente ele. Que sutileza. Um poeta. Não é à toa. Que é de mundo.

Não pude deixar de rir. Desculpas à mocinha que mudou de lugar, mas foi incontrolável.

 

Esta sonoridade foi terrível. Sei que tem um nome para isso. Uma figura de linguagem. Mas não lembro. Ainda bem. Um doutor em Linguistica poderia me processar. A mim já bastam os juízes dos sustos. Nada de acréscimos. Ele nunca vai saber disto. Poderia rasgar o texto. O contexto. O pretexto. Apagar o negrito. Melhor nunca mais repetir isso. Mas é o que dá. Ter idéias de menos em trilhos de mais. Acaba-se perdendo o estilo. Pior ainda. Sim. Ainda tem um pior. Imagina. Se ele sabe. Que também sou de lá. Que foi de lá que vim para cá. E fazendo este tipo de arranjo. Sim. Porque figura de Linguagem é que não é. Só um arranjo mesmo. E de má qualidade.

   

Soube por ele. No meio da tarde. Em meio aos gráficos. Leu pelo telefone. Estava feliz. Compartilhando. Ele apoiou. Riu.  Adoro quando ele faz isso.

 

Meu primeiro ato foi chorar. Quando escutei pelo telefone o comentário. Aquelas palavras. Talvez um chorinho egóico. Meio cigano. Dividindo com o mundo. Até com os gráficos que estavam sobre minha mesa.  Lá se foram os pontinhos do gráfico. Viraram tracinhos do gráfico. Não sei como vou explicar o desenvolvimento com tracinhos. Enfim, depois resolvo isso.  

 

Preciso comprar um dicionário. Para ler mais verbetes. Agora só visualizo três. Alegria. Felicidade. Susto. Vou ficar repetitiva. Ela que falava isso de mim. Nunca mais falou. Agora vai retomar a crítica. Não vou poder responder. Só falo mesmo três palavras. Desde ontem. Ri de novo. Felicidade egoísta ilimitada. Nada especial. Toda felicidade é mesmo egoísta e por isso ilimitada. Melhor arrumar outro slogan.


Lembrei dela. Delicada. Tímida. Sempre mais séria do que rindo. Decidiu fazer um curso. Quer saber como escrever. Um texto. Um livro. Uma crônica. Uma poesia. E veio me contar. Aprendeu a diferença entre poema e poesia. Achei fantástico. Nunca pensei nisso. Nessa diferença.  Aprendeu também que a rima não tem valor. Fiquei com dó da rima. Que será dela agora. Que tem um curso só para afastá-la. Para dispensá-la.  Falei que não concordava. Não existe técnica. Não existe lógica. Não existe regra. Para se descrever a alma. Decidiu conferir. Procede.

 

Já chegou e eu nem percebi. Passou rápido o tempo. Melhor seguir como um texto. Percorrendo as trilhas. Cortando os obstáculos. Quebrando o vazio de uma folha em branco. Sem cursos. Sem fundo de garantia. Sem aposentadoria. Sem despedir a rima. Com a brisa. Em meio a serra. Contrariando os nossos bacilos mentais de cada dia. Com crateras. Com ôcos. Lendo o comentário. A recomendação. Relendo. Vou até dar uma tossinha. em homenagem à serra. E pontuar com exclamação. Só vou usar exclamação. Quero todas as exclamações.Vou encher uma mala. Para abrir quando quiser comemorar. O comentário e a recomendação.

 

Viva o  obrigada!  Em negrito e com exclamação!

 

 

  

publicado por Lêda Rezende às 14:11

Blog de Crônicas - situações do cotidiano vistas pelo olhar crítico, mas relatadas com toda a emoção que o cotidiano - disfarçadamente - injeta em cada um de nós.
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