Blog de Lêda Rezende

Abril 08 2009

Estava muito feliz. A viagem fora planejada detalhe por detalhe. Afinal, viagem que não é detalhada não é viagem de prazer. É tarefa. E o que ela menos queria era isso. Tarefas. Queria férias. E lazer. Com uma pitadinha de cultura. Nada de correria. Nada de olhar para a direita. Para a esquerda. Passou. Não viu. Perdeu. Agora é tarde. Quem sabe na próxima. Nada disso. Teria tempo para olhar para o lado que quisesse. Sem seguir ordens. Já bastavam as da rotina.

 

Entrou no avião.  Tinha escolhido esta companhia aérea para fazer já parte do estrangeiro. Nada de companhia nacional. Melhor já ir logo se sentindo em estilo velho continente. Direto para a cidade do seu mini-roteiro. A Cidade Luz. Concentrou-se. Respirou fundo. A viagem era tudo que ela queria. Nada poderia tirar a paz e serenidade que estava sentindo.

 

Enquanto o avião não decolava pegou uma revista. Sempre viajava com uma revista de palavras cruzadas. Tinha esse hábito. Viajava nas letras e nos quadradinhos. Para se sentir mais solta na imaginação. Assim explicava.

 

Esticou as pernas. Dentro do que poderia se chamar de esticar. Naquele exíguo espaço. Tinha outra mania. Melhor gastar em terra que no ar. Enfim todos a bordo. Portas fechadas. Comissários de bordo passando com calma. Olhando os assentos. Sorrisos cordiais leves. Sutis como o sotaque da cidade luz.  Cidade Luz.

 

Fechou os olhos. Descansou a revista no colo. Sorriu para si mesma.

Durou pouco esta etapa. Do sorriso calmo.

 

Primeiro ela deu um pulo. Depois um grito. Algo grudou em seu longo cabelo solto. E grudou forte. Sentiu também na pele do pescoço. Uma moça estava no assento do lado. Solidária, já foi fazendo dueto. Deu um estridente e longo grito. De repente um coral. As pessoas de trás gritaram. As da frente gritaram. Todos gritavam e pediam socorro dentro do avião. Algumas crianças choravam alto.  Senhoras pediam socorro. Pediam para sair. Pediam para abrir a porta. O avião ainda estava em solo.  As comissárias que já estavam em posição de decolagem tiraram os cintos às pressas.

 

Mas o algo ainda estava grudado nos cabelos dela. Parecia que tinha asas.

 

Porque pulava e embaraçava. E quanto mais pulava mais ela gritava. A moça do assento do lado pálida. Gritando. Tentava desatar o cinto. Nervosa, não conseguia. Lascou a unha. Gritou mais ainda. Enfim um comissário conseguiu chegar perto. Da autora do grito. Porque a esta altura ninguém mais sabia a origem. E o corredor estava com muitos de pé. Pedindo para sair. Outros rezando. Sempre tem alguém que reza. Não sei se por todos. Ou por si.

 

Um grito masculino. Destaca-se. Forte. Decidido. Ele gritou. É minha. Fui eu quem trouxe. Não a machuquem.    

 

Os comissários gritaram. Sentem todos. Outros responderam gritando. Saiam vocês da frente. Queremos descer. Veio co-piloto. Piloto. Ergue-se o homem do grito. Caminha por entre as pessoas no minúsculo corredor. Vai – decidido - com as mãos em direção ao pescoço dela. Uns gritaram. Está armado. Terrorista. Alguns se abaixaram. Poderia ter tiroteio. Mas ele não titubeou. Foi com as mãos nos cabelos dela. E agarrou. Com carinho. Por entre os cabelos. Embaraçada. Desesperada. Uma codorna. Uma codorna. Que ele levava escondido numa caixinha. Abrira para ver se estava bem acomodada. Não deveria estar.

 

A cena seguinte constava de um senhor acompanhado de um policial saindo do avião. Abraçado a uma semi-nua codorna. Dentro do avião os comissários repetindo o sutil sorriso.  As crianças recebendo brinquedinhos. Os pais doses de alguma bebida. Um refinamento com sotaque. Como se nada tivesse acontecido.

 

Ela quis pedir uma água. Não tinha voz. Na confusão rasgara a revistinha. Os cabelos em pé com a revoada. Entre penas e fios de cabelo ela lembrou um provérbio. Antigo. Algo como um na mão. Dois voando. Não lembrava direito. Começou a rir. Não parava de rir.

 

As pessoas reclamaram. Olharam feio para ela. Talvez um jeito de não serem olhados feio. Afinal todos gritaram. Pensou. Mas só ela era apontada. Enfim. Não importa. Importa a Cidade Luz. Mesmo assim fez a viagem toda de olhos bem abertos.  Os cabelos cobertos com um lenço.

 

E um risinho aqui e ali em meio a alguma turbulência que disfarçasse.

 

 

publicado por Lêda Rezende às 03:45

Camarão frito? Adoro Adoro Adoro!!!! Pa proxima vou cntg!!!
Claro que já ouvi falar de salvador, devia estar um clima espetacular né?

Nao sei como é ai no Brasil, mas aki em portugal sexta-feira é feriado, por isso o despertado aki so volta a tokar amanha e depois so pa semana

Beijo grande
Teresa Isabel Silva a 8 de Abril de 2009 às 13:27

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