Blog de Lêda Rezende

Março 31 2009

Parecia um acesso súbito de confusão mental. Daqueles que se desconhece quase o próprio nome. Ou onde se mora. Ou o que realmente se faz. Mas me contive. Contei até nos dedos. Não para fazer contas. Mas para confirmar que tinha dedos. Depois abri minha bolsa e conferi. Sim. Eu mesma. Dados de residência conferem com o referenciado. Endereço de trabalho idem.

 

Um projeto. Para que se aprenda. Que se declare saudável. Com toda a idéia de renovação. E atenção. Ao menos a idéia. A utilização real sempre é incógnita.

 

Surgiu um atalho.  Sob a forma de um convite. Necessário um remanejamento. Não de função. Não de métodos. Mas de área. Uma outra área. Com maior abrangência e necessidade. Disponibilizam-se vagas. Para voluntários.

 

Lembrei daquele filme. O professor sugeria que se subisse na mesa. Quando se considerasse o visto já reconhecido. Para que se abrisse um novo ângulo. Concordei. É uma forma de sempre rever o mundo. E ter a certeza. De que ele não está pousado nas costas de um elefante. Ultimamente estou mais atenta a dúvidas e certezas. Ou a talvez.

 

No caminho a paisagem foi mudando. A urbanidade se desfazia de forma natural. De prédios a casas. De pontes a córregos. De jardins a árvores. De parque a mata. De motordicas  ao retirante. Uma passagem.  De impressionismo a natureza morta. Às vezes na literalidade. Outras no ritmo da poesia bucólica. Gradual. Mas não muito lenta. Nada por aqui é lento.

 

Quase nada. Ou muito pouco. Deixa pra lá. Vai ver que tudo é lento. Até aí tudo bem. Não tem lugar no mundo que não passe por esta transição. De paragens. Nem sei se o termo existe. Mas me parece bem adequado. Um exagero ali. Outro reduto acolá. Tudo bem. Paisagem e Vida se confundem. Sempre.  

 

Foi nesse pensar filosófico que precisei contar os dedos. Eu que já estava orgulhosa de mim mesma. Não tomava mais susto. Tive uma recaída. Uma baita recaída. Afinal são muitos anos de residência fixa. Neste pedaço de metrópole. Citada sempre pelas dimensões e avanços. Pela sofisticação. Exagero até nos problemas. Mas nunca a este extremo. Este foi surpresa.

 

O local estava fechado. Aguardando o toque da campainha.  Aguardei. Encostada a um portão lateral. Parada em frente a este tal portão. Bem ali. Diante de tanta abrangência sem necessidade que senti. A tal confusão mental.

 

Ao meu lado. Meu. O portão se abriu. O que eu aguardava encostadinha. Que a campainha do outro fosse escutada. O do lado. Eu tão calma. Com minhas teorias de paragens. Quando de repente abre este portão. Acoplado a um muro alto. E saem de lá uns quarenta. Não. Acho que uns sessenta. Vai lá. Talvez uns cem. Tudo bem. Uns vinte. Bodes. Cabras. Com guizo.

 

Passeando e sonorizando o passeio. Como um dia no parque. Não tive jeito. Tentei gritar. Duas coisas podem ter acontecido. Porque ninguém me notou. Ou a voz não saiu. Ou os guizos abafaram a voz. Sem terceira opção. Mas não parou aí. Olhei para o que seria um morrinho. Por trás de uma casa vizinha. E lá estava tranqüila. Feliz. Recebendo a brisa. Gozando do simples prazer da existência. Uma vaca. De frente para dois cavalos. Assim. Sem mais nem menos. Com toda a naturalidade. Aliás, um resumo completo de naturalidade.

 

Pensei em nunca mais comer camarão abafadinho. Devia ser isso. O almoço de ontem. De tão divino causou alucinações. Ou desistir de replicar questões de pontos. Ou fazer reza Benta. Vai ver foi castigo. Decidi conferir se era eu mesma. Que estava ali. Que estava em cima da mesa. Quero dizer, do carro. Do porta-malas. Em cima do porta-malas do carro. Que por sorte não sei de quem, não consegui abrir. E que tremia. O carro. Depois concordei. Eu tremia. Sacudia. Entre os calmos bodes. E cabras. E guizos. E o olhar plácido, ruminante. Da vaca. Sim. Tudo confirmava. Era eu mesma. E, importante - acordada.

 

Enfim superado o primeiro choque. O segundo. E o terceiro. Comemorei. O portão esperado abriu. Uma mocinha apareceu. Eu em cima do porta-malas do carro. Nada falei. Ela só me olhou. Me pareceu tranquila em relação ao movimento, digamos assim. Talvez intranquila em relação a mim. Me identifiquei. Entrei. Todos me aguardavam para dar continuidade. Ao proposto.

 

Viva a urbanidade. A mesa. A visão ampla. O local abrangente. Agora sei. O mundo não está apoiado nas costas de um elefante. Ainda bem. Era só o que me faltava. Um elefante.

 

Por segurança contei os dedos de novo.

 

publicado por Lêda Rezende às 02:12

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