Blog de Lêda Rezende

Setembro 11 2010

 

Considerando uma sábia decisão – efetivou a ideia. Com um dia útil recheando o domingo e o feriado optou transformá-lo num dia útil para si mesma.

 

A tal efetivação foi oficializada dois meses antes. Com total precaução e prudência – como lhe ensinara a avó de uma amiga. Muitas vezes a escutou afirmar. Prudência e precaução são atitudes menina, prudência e precaução são atitudes.

 

E agiu cheia de boas intenções. Fechou a agenda. Organizou os atendimentos. Distribuiu os horários. Tudo feito com muito cuidado e rigor. Devidamente protocolado.  Assim era o estilo dela. E assim fez.

 

Celebrou os dias de folga com a antecedência que os planos bem elaborados permitem. Cada vez que se sentia cansada – lembrava. Dias tais e tais – estarei de folga. E se animava de volta à rotina estabelecida. Era uma otimista profissional.

 

Com o caminhar das semanas descobriu que mais longe parece mais perto. E que mais perto parece mais longe. Quase fundou uma nova filosofia - A Filosofia da Expectativa. Ou um texto - O Oposto do Cronológico. Ou uma tese - Dissertação sobre as Horas Estagnadas. Ou ainda um ensaio – Ensaio sobre a Antevisão. Até ria das próprias ideias. Mas nada expunha. Ninguém sabia do tamanho da aflição. Sossegada e discreta – fantasiava a teoria e aguardava a prática.

 

Quando parecia mais perto – sentia aquela aflição de nem rotação nem translação existiam mais. Mas continuou como se nada fosse com ela.

Venceu. Com parcimônia. Com paciência. Com lucidez. E os dias chegaram. Até enviou recadinhos. A partir das cinco horas da tarde do dia tal – estarei de folga por quatro dias. E riu. Riu sozinha. Digitando a mensagem - e rindo.

 

E o primeiro momento se fez existir. Saiu na hora certa do atendimento. Entrou no carro. Feliz. Colocou as músicas de lá de onde viera. Não existia música melhor para escutar diante do planejado e alcançado. Lembrou de redes balançando. De tardes na praia. De areia morna.De água de côco no final do dia.

 

Mas voltou para onde estava – e lembrou  uma banal compra já adiada por falta de tempo inútil. Uma compra cosmética. Procedia.

 

O trânsito àquela hora do dia e em véspera de feriado - se apresentava em Estado de Acúmulo.

Era o que sugeria aquela interminável fila de luzinhas vermelhas à frente.  Avisou a si mesma. Nada de reclamações. Escuta a música e cantarola que o tempo passa. Obediente a tantos – não foi difícil obedecer a si mesma. Fez o exigido para a situação.

 

E entre um cantarolar e outro - olhou para o lado. Os olhos se anteciparam ao raciocínio. Grudaram na placa da loja. Lá estava paradinha numa esquina bem alegrinha e iluminada - a lojinha dos cosméticos. Assim. Em paredes brancas e azuis. O raciocínio virou-se para o trânsito. Os olhos para a lojinha. Trocaram de posição. E nesta de um orientar o outro – o raciocínio e o olhar - venceram as mãos. Girou o volante.

 

Um simpático e sorridente senhor se aproximou de imediato e se ofereceu para manobrar o carro. Já foi entregando a chave e o sorriso junto com um - muito obrigada.

 

Entrou tímida. Circulou entre as prateleiras que prometiam pele de recém nascidos. Cabelos de virgens romanas. Perfumes de deusas olímpicas. Estava assim nesse caminhar quase etéreo quando uma voz delicada a chamou à razão. Ou ao terreno – melhor dizendo.

Posso ajudar em algo. Assim a voz veio até ela. Em suaves decibéis - por certo para não aterrar tão de súbito a esperança oferecida em caixinhas tão coloridas.

 

Avisou o que pretendia. Mas só pretendia. Queria dados concretos e práticos sobre o produto. Eficácia não seria questionada. Só a eficiência da conta bancária dela. Isso sim. Precisava de um certo controle – ou a pele se despencaria. Não a dela apenas. Incluiu a pele do gerente do Banco nisso. Era um rapaz tão jovem e sonhador. Tinha tantos planos futuros. Achou maldade envelhecer o coitado de um cheque só.

 

Fosse um filme e não teria direção melhor.

 

Na cena seguinte estava deitada numa poltrona maravilhosa. Serviço de oferta da casa – assim foram informando. Uma forma pragmática de demonstrar a eficácia do que vendemos. O mundo além das caixinhas. Complementou - e riram. Uma música suave percorria o ambiente. Uma mocinha delicada fazia limpeza e “desincrustamento” na pele dela. Assim. Este termo parecia imprescindível. A mocinha o repetiu inúmeras vezes. Precisa de um desincrustamento facial.

 

Que providencie então.

 

A pele foi desincrustada. Massageada. Hidratada. Firmada. Revitalizada. Este outro termo que a mocinha usou - também repetidas vezes - em seguida ao outro. Agora você está revitalizada.

 

Uma hora e meia depois e encerrada a sessão – assim nomeou – levantou-se. Controlou-se para não tomar atitudes impetuosas. Mas por pouco – muito pouco - não beijou ardorosamente o espelho. Adorou.

 

Pediu ao Universo que cuidasse do gerente. Do Banco. Da conta. E comprou o proposto inicial.

 

Por um milésimo de Realidade – lembrou. É sempre assim.  Uma Realidade sempre puxa outra. Eis um axioma. Uma verdade quase digna dos gregos. Encheu-se de súbita materialização. Perguntou à gentil mocinha desincrustadora. Por acaso vocês aqui tem manobrista.  Assim. Uma pergunta quase retórica. Lembrava vagamente que alguém lhe pedira as chaves. E vaga-mente deu até um frio na coluna. Mas não era momento de brincar com as palavras. Quase deu uma ordem cerebral. Mas comentou. Ofereceram uma manobra. E ela cedera sem desconfianças. Como de hábito. Este poderia até ser nomeado como Defeito. Diante do Conforto era Ingênua. Assim. Como um Título. Tudo em maiúscula.

 

Inegável a sensação. Escutar um sim fez - a tal revitalização da pele - funcionar na íntegra.

 

De volta ao – ainda bem – carro já manobrado em direção à saída – olhou-se no espelho. Sorriu. O trânsito fluía melhor. Voltou para casa pensando. Na pele. Na revitalização. Até na avó da amiga das prudências e precauções. Só desviou o pensamento do gerente do Banco. Ficaria para os dias úteis. Afinal - de nada serve se atormentar por um gerente em dias inúteis. Riu. Fácil.

 

Estavam deflagrados os tais – finalmente atingidos e alcançados – dias de folga. Desincrustados e revitalizados. Perfeito.

 

 

 

publicado por Lêda Rezende às 22:29

Ainda bem !!! Gosto.
Peter a 14 de Setembro de 2010 às 14:33

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