Blog de Lêda Rezende

Abril 01 2010

Conseguiu.

 

Depois de tanta negociação - apresentação de papéis, montes de documentos, Xerox, carimbos de cartório.

 

Soma daqui, subtrai dali. Conseguiu. Comprou seu novo apartamento. Conseguiu o financiamento. Tornara-se dono do seu pedaço de chão.

 

E justo ele que ter os pés no chão significava tanto. Era sinal de vida. Ficou feliz.

 

Final de ano. Com tudo resolvido tomou uma decisão. Considerou, de imediato, uma sábia decisão.

 

Depois de tanta burocracia nada mais antagônico e, por isso mesmo, reconfortante, que passar o final de ano numa praia selvagem.

 

Escolheu a praia. Re-agendou compromissos.

 

Na hora de fechar a porta da casa surgiu uma indecisão momentânea. Deveria ou não levar o celular. Afinal, não era tão fácil assim se livrar de todo este equipamento tecnológico que se vive emaranhado. Deixar o computador já fora quase uma despedida amorosa.

 

Levou o celular.

 

E lá se foi com um mínimo de bagagem. Pensou sorridente: eu mereço.

 

No dia que em chegou abençoou a idéia que teve. Maravilha. Ele, o mar, a brisa. Sentiu-se um verdadeiro navegante.
Acordava e descalço caminhava pela praia. Vez ou outra uma visita ás águas salgadas, caminhava novamente. Dormia depois do almoço. Acordava - lia um pouco. Quanto tempo não lia seus autores preferidos. Nunca tinha tempo. Ou, se tinha tempo, faltava concentração.

 

Descobriu a delicia que é caminhar na praia ao pôr-do-sol. Areia morna. A pele quente servindo-se, sem pudor, do vento da tarde, permitia um toque de prazer que há muito já havia esquecido.

 

Se é que algum dia soube. E o silêncio.Sem carros, sem buzinas.

 

Numa destas tardes bucólicas, decidiu sentar numa barraquinha bem rústica que servia frutos do mar e pedir um prato de camarões fritos. Pescados e fritos na hora. Um manjar digno dos deuses, assim pensou enquanto o cheiro antecipava-se à visão e ao paladar.

 

Foi nesse momento tão divino, diante do ato a ser praticado que, de repente, escutou um barulho. Demorou em decodificar. O barulho vinha do seu próprio bolso. E se repetia. Deu um pulo.

 

Era o celular.

 

O mundo civilizado se manifestando. As pessoas da barraca de praia o olharam. Ele atendeu. Tímido. Era a mocinha, tão delicada, que lhe vendera o apartamento. Desenvolta. Faltara o pagamento de uma certa taxa que o Banco exigia agora o mais rápido possível, para finalizar o financiamento do apartamento.

 

Por um segundo achou que estava fora do tempo. Que Banco. Que papéis. Taxa.

 

Mas aterrissou. Fazia isso muito bem.

 

Obediente, pediu a um senhor sentado próximo à sua mesa um papel e uma caneta. Recebeu um pedaço de papel amassado e um lápis – deveria ser aquilo um lápis. Empurrou para mais longe o prato de camarões fritos que já estavam diante dele, e começou a anotar.

 

Tudo muito simples, informava a delicada mocinha do outro lado – do mundo!

 

Dava-lhe as coordenadas. Em seu computador acesse o Banco. Imprima o Boleto. Com este boleto impresso pague neste outro Banco a taxa correspondente. Anote o número da Agência e da Conta. Faça o depósito neste valor que estou lhe repassando. Não esqueça de anotar aí também o código de barra. Vou repetir os números. Feito isso, que é coisa rápida, envie um fax para este número de telefone  – anotou? - e aguarde a resposta do recebido. Assim conseguirei daqui agilizar o que faltou. Simples. Obrigada e boas férias.

 

Ficou uma fração de segundo – que mais pareceu a tarde toda - olhando para o celular e para o papel amassado onde tinha feito as anotações. No prato, Os camarões fritos descansavam.

 

Refez, mentalmente, todo o percurso desde o toque do celular. Passou pela voz da mocinha delicada e olhou para aqueles números anotados. Pensou no fax. Nos Bancos. No Código de Barra.

 

Olhou em direção à Praia. Passava, com muita calma um burrico com um cesto de côco em suas costas. Um homem caminhava ao lado e oferecia o côco. Um cachorro os seguia. Levantou-se da mesa, foi até eles e pediu um côco. Voltou, comeu um camarão – a esta altura já esfriando, mas não faz mal.

 

Olhou mais uma vez para o papel amassado, para aqueles inúmeros números. Riu sozinho deste pensamento chistoso. Riu de novo.

 

Na sua praia selvagem não tinha um Banco sequer. Imagina um fax. Ou uma LAN! Iria mesmo era acabar arrumando uma confusão com os nativos falando estes nomes estranhos ali. Ou teria que ir de carro a uma cidadezinha próxima tentar fazer todo este percurso tecnológico.

 

Lembrou que o carro que o levou até a pousada da sua praia selvagem avisou que só retornaria depois de sete dias. Salvo uma emergência. Descartou a a emergência.

 

Riu de novo. Uma ou duas pessoas viraram para olhá-lo. Serviu-se do camarão ainda com o papel nas mãos. Olhou para as pessoas. Para o homem e seu burrico que já voltavam. Para o cachorro que ainda os seguia calmo.
Decidiu ir até o mar. Com toda a calma e tranquilidade que o cenário exigia.

 

Antes, porém, teve o cuidado de amassar – ainda mais e definitivamente - o papel das anotações e “dispensá-lo” numa cesta de lixo.

 

E foi se banhar nas águas salgadas sob os cuidados de Yemanjá. Voltou para a pousada. Desligou o celular. Decidiu: aquilo não aconteceu. Sorriu e dormiu.

 

Quando acordou foi para a praia comemorar o Ano Novo e se comunicar  -  com a Natureza!

 

Já era o bastante - por enquanto.



Blog de Crônicas - situações do cotidiano vistas pelo olhar crítico, mas relatadas com toda a emoção que o cotidiano - disfarçadamente - injeta em cada um de nós.
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